Na semana passada, o Bom Dia Brasil, da Rede Globo, exibiu uma reportagem que abordou a ameaça à culinária japonesa em face do risco de extinção do atum, iguaria principal no preparo do sashimi. Em dado momento, um chef oriental foi entrevistado e afirmou que caso não pudesse mais preparar o prato, se sentiria imensamente frustrado, pois uma tradição estaria sendo encerrada. Essa reportagem traz um claríssimo exemplo de como uma questão ampla, com conexões éticas e ecológicas, é geralmente tratada de forma absolutamente simplista, evidenciando a estupidez e o espírito mesquinho de tantas pessoas. Em momento algum questionou-se a razão que vem promovendo a extinção do atum, muito menos a menção ao fato de que não se trata somente dessa espécie. O foco foi apenas a culinária em questão, não a vida na Terra.
Não é necessário ser um grande conhecedor de Biologia para saber que a pesca comercial, que envolve não somente o atum, mas uma vasta quantidade de espécies marinhas, tem gerado uma pilhagem brutal nos oceanos e contribuído acentuadamente com a destruição desses ecossistemas. O modo como esse tipo de pesca é realizado, com a utilização de imensas redes que promovem a maximização da captura, retira da água um número de peixes e outros seres marinhos, muito maior do que a natureza estaria preparada para, digamos, se "autorregular". Além do que é pescado para ser destinado ao consumo humano, a pesca comercial é responsável pela morte de criaturas como golfinhos e tartarugas marinhas, que costumam se enroscar nas redes. Quando sobrevivem e são devolvidos ao oceano, esses animais apresentam na maioria das vezes, ferimentos graves que fatalmente gerarão morte futura, até lá, prolongam-se a dor e o sofrimento. Atrocidade causada por aquilo que as pessoas comem. Peixinho frito, camarão na moranga, pirão... Você gosta? Você está preocupado com seu sashimi? Se respondeu afirmativamente, ao menos pare um pouco para refletir.
Como se nota, a questão vai muito além da ameaça à culinária japonesa. A pesca comercial, aquela que abastece os mercados e que faz chegar na sua mesa o peixe que você consome, não se resume à extinção do atum e ao fato de você ter que abrir mão do sashimi, é muito mais do que isso, é uma tragédia que põe em risco toda a vida no planeta. A destruição dos ecossistemas marinhos acarretaria num desequlíbrio total da cadeia alimentar e faria com que microorganismos realizadores de fotossíntese, esses sim os verdadeiros "pulmões" do mundo, também fossem extintos. Há um número considerável de pesquisas sérias mostrando que se a pesca comercial continuar a ser realizada, dentro de meio século a vida nos oceanos pode entrar em colapso. Daí em diante, a vida fora dos oceanos também estaria correndo seríssima ameaça.
No Brasil, até há não tanto tempo, comer peixe crú era considerado um hábito nojento. Bastou a culinária japonesa se disseminar entre o público "descoladinho" e virar cult para cair cada vez mais no paladar de muita gente. Ou melhor, possivelmente não se trate de uma questão de paladar, mas sim de aderir às modas. Pode ter certeza, existem alimentos muito mais gostosos do que essa porcaria dessa moda ridícula de peixe crú. E certamente alimentos que não causam desequilíbrios ecológicos, muito pelo contrário. Não é necessário que o pobre atum deixe de existir para pôr abaixo o consumo de sashimi, basta pensar.
Agora, se você não é um esquimó ou membro de alguma tribo indígena, que pesca a partir da utilização de meios artesanais e apenas para a subsitência, abula o consumo de peixes em geral. Vá ainda além, poupe vidas, acabe com o sofrimento e com a dor dos animais, adote uma dieta integralmente vegetariana. Um pingo de racionalidade faz perceber facilmente que uma relação harmônica entre animais humanos e não-humanos é muito mais saudável, contribui com a continuidade e com a qualidade da vida na Terra e nos faz menos violentos e menos destruidores. Tudo isso, obviamente, vale muito mais do que uma simples questão de paladar.