Depois da chamada "Delação do fim do mundo", mais um episódio que colocou na berlinda proeminentes e idolatradas figuras políticas da esquerda brasileira, vários adeptos da sinistra ideologia desde já estão procurando juntar os cacos na tentativa de reerguer seus bandidos de estimação.
É claro que a coisa toda chegou a tal ponto que os esquerdistas não podem mais simplesmente blindar e defender diretamente quem os representa - até mesmo Vladimir Safatle deu uma criticada em Lula - tendo restado somente a estratégia segundo a qual "todo mundo é podre", "todo mundo é igual" ou "não foi o PT que inventou a corrupção". Juca Kfouri, sociólogo uspiano (um dos inúmeros antros de formação e disseminação de ideias esquerdistas, falidas e geradoras de miséria econômica e opressão política), aproveitou novamente uma de suas colunas esportivas para dar pitaco em política, afirmando a respeito do embate Moro vs. Lula - na verdade não um simples confronto entre dois agentes individuais, mas sim um vis a vis representativo da oposição entre todo cidadão de bem, trabalhador de verdade, honesto e pagador de impostos, aviltado pelo Estado e pela classe política contra justamente um Estado infestado de discurso, espírito e práticas tipicamente esquerdistas, um Estado agigantado, totalmente ineficiente na prestação de serviços, um Estado sanguessuga e que nada oferece em troca, um Estado que, aparelhado pela ideologia e pela politicagem mais rasteira, visando somente o poder pelo poder, não tem peias em roubar cifras imensuráveis do erário público, um Estado que desde a Constituição de 1988 adota a famigerada retórica dos "benefícios e conquistas sociais", do "desenvolvimentismo", do "coletivismo", do pobrismo e da vitimização para, no fundo, se estabelecer como um "Estado camarão", segundo a formulação de Bolívar Lamounier, patrimonialista e que faz a sociedade lhe servir - que o mesmo "poderia ser evitado se não fossem os erros de muitas décadas". Para Kfouri, evidentemente cínico e mal intencionado, os erros teriam sido evitados se o PT fosse alçado ao poder antes de 2002, de tal forma que haveria então mais tempo para estruturar o Estado como ora se apresenta, portanto, mais tempo para a esquerda se aproveitar dele sem que os escândalos viessem à tona com tamanha força.
Na ótica dos esquerdistas o PT é vítima do sistema, pois este o corrompeu e o fez se distanciar de suas diretrizes originais. Pura balela, pura falácia! O PT nunca mudou a essência de seu cerne ideológico. Essa gente é tão pervertida que a partir de agora pretende lavar as mãos na própria sujeira com o objetivo de dar a entender que o lamaçal no qual se encontra o país é fruto das políticas de seus opositores. Nesse sentido, o fabianismo esquerdista do PSDB e o pragmatismo situacionista do PMDB, aliado do PT e sem o qual este não teria se mantido no poder por 13 anos, são "neoliberais", "de direita", "conservadores" e outras baboseiras do mesmo quilate.
Enquanto oposição, o PT se colocava como detentor único e ilibado da ética e da justiça, composto por quadros dotados da mais iluminada "consciência social" (vide acreditar na luta de classes e na suposta desigualdade social gerada pelo capitalismo), portadores de uma visão de mundo superior (entenda-se marxismo), conhecedores da fórmula infalível para erradicar os males do presente e instaurar um Futuro perfeito (a revolução, antes proletária, hoje cultural) - nada mais antiliberal. O mesmo PT que, nas palavras de José Dirceu, um de seus maiores mentores intelectuais, "não rouba e não deixa roubar"... e que depois de permanecer no poder durante 13 anos, pobrezinho, foi cooptado pelos abutres malfeitores, tendo se tornado "igual a todos os outros", o que serviria como uma espécie de vingança e de lição de moral contra "a classe média paneleira" que só atacou os petistas. "Viram só? Não éramos APENAS nós"! Quanto cinismo daqueles que não apenas não moveram uma palha para barrar a corrupção, como fizeram dela um mote!
Não é necessário mais uma vez esquadrinhar que a concepção de Estado esquerdista é inexorável quanto aos resultados que ora vivenciamos, não é necessário pela enésima vez mostrar por A+B que a corrupção foi estabelecida como modus operandi, como prática de governo sob a égide do PT, não é necessário repetir ad aeternum que todo o aparelhamento esquerdista, tanto no âmbito da política, quanto também fora dela - fator importantíssimo - foi programada desde um bom tempo de caso pensado para minar o dissenso e infectar por dentro o frágil e incipiente sistema democrático brasileiro. O mais desalentador é observar que o discurso da esquerda ainda é capaz de confundir a muitos e que assim ela se renova debaixo das fuças dos desavisados. É assim que os Kfouris já estão mexendo pauzinhos para passar a ideia de que eles não têm nada a ver com isso.
Em teoria, Marx propusera o fim do Estado, mas obviamente, e por vários fatores que excedem este artigo, foi incapaz de precisar quanto tempo levaria para que tal ocorresse, até porque em sua obra inexiste uma análise histórica do Estado e do sistema parlamentar. Calejados pela complexidade da realpolitik e também pelas vantagens que dela se pode obter, os continuadores de Marx, desde a Revolução Russa e até hoje se mostram como ferrenhos defensores da atuação estatal sobre a economia e sobre as vidas dos indivíduos. Reformar o Estado brasileiro de modo a torná-lo enxuto, eficiente, não-interventor, bem menos burocrático e livre daquela surrada ideia sempre exaustivamente presente em períodos eleitorais, de acordo com a qual, para que a democracia exista e se mantenha, basta votar - e cujo resultado é eleger políticos estatólatras que se locupletam da máquina pública- é algo completamente fora de questão para esquerdistas, afinal, o Estado que aí está é o seu sonho de consumo há um século.