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terça-feira, 5 de maio de 2009

Isto é Brasil!

Em seu excelente estudo A dança dos deuses (título sugestivo...), o historiador Hilário Franco Junior salientou brilhantemente a ideia de que o futebol é reflexo da sociedade, uma metáfora dela, por assim dizer. Ao contrário do que pensaria um marxista ortodoxo, a análise desse esporte de massas - penso eu que especialmente no caso brasileiro - permite delinear a fundo traços mentais e culturais típicos de nossa sociedade.
Vejamos alguns episódios que transcorreram no último domingo, quando das decisões de vários estaduais país afora. No Pacaembu, palco da contenda derradeira entre os alvinegros incolores, um da Baixada, outro de Itaquera, uma reportagem da ESPN Brasil mostrava a mãe do goleiro Felipe, vestida em jocoso traje afro (esse detalhe é importante!) a torcer pelo filho. Normal até aí..., absolutamente insana e incoerente, no entanto, o modo como ela o fazia, pedindo a Deus que o time adversário fracassasse e que a equipe de seu rebento obtivesse sucesso. Deus?! Não vou argumentar em favor da dúvida de sua existência, não estou hoje a fim de despertar a fúria dos pios. Não é esse o cerne da discussão. Mas, se Deus de fato existe, algo que o maior dos crédulos não tem como provar, iria Ele estar preocupado com futebol? E o time adversário de Felipe, Deus voltaria as costas para todos os seus jogadores? Deus escolheria um lado, enquanto deixaria o outro sucumbir sem piedade? Que injusto esse Deus, exemplo de falta de misericórdia e fraternidade! Mas, ... a mãe de Felipe, vestida com trajes afro! Teria a dona Rita provocado a ira dos espíritos das religiões tribais africanas, ao misturá-los erraticamente - para não falar em heresia, um conceito ocidental -, com a fé no Deus cristão? Segundo atestam os preceitos xamânicos do tribalismo africano, os espíritos, quando contrariados, espalham sua ira como forma de vingança. Reza braba, dona Rita, oxalá,... ops, que Deus vos proteja!
Em uma praça da zona Norte de São Paulo, a torcida de Itaquera comemorava o título Paulista. Uma senhora foi entrevistada e afirmou ter sido a conquista "coisa de Deus", na sequência, quando o repórter perguntou se ela esperaria os jogadores chegarem ao local, a pia senhora respondeu que sim, além disso, só sairia de lá no fim da festa e ainda por cima, para seu deleite, enforcaria o trabalho na segunda feira. Ai Deus! Se a caricata personagem conhecesse a ética protestante, jamais mataria a lida. Segundo o pensamento teológico de Lutero e Calvino, magistralmente estudado pelo sociólogo alemão Max Weber, o trabalho purifica a alma e conduz ao Reino dos Céus. Pobre senhora, irá para o inferno!
No estadual saquarema, o time da Gávea alcançou o tricampeonato jogando contra o escrete da estrela solitária (que grande novidade o Botafogo perder!). Ainda no gramado, Cuca, o técnico rubro negro, comemorava e concedia entrevistas. Gosto do Cuca, como jogador, possuía boa técnica e ganhou uma enormidade de títulos, como treinador, vinha até então sendo qualificado de competente, mas muito triste, subserviente e pé frio. Cuca mereceu o título estadual, ainda que o nível deste não sirva como parâmetro para nada. Mas eis que Cuca comete um ato de inconfundível mediocridade espiritual, ele que pode até ser considerado um homem de cultura acima da média; ao ser perguntando sobre a conquista, lá pelas tantas diz "Deus quis assim..." Deus?! De novo Ele? Não Cuca, não! E Deus lá vai se importar com o Flamengo? Que se importasse ao menos com o Botafogo, tão sofrido e humilhado! Impossível ser mais injusto que esse Deus! Bruno, goleiro do rubro negro, defendeu duas cobranças de pênalti na partida, uma no tempo normal, outra na decisão por tiros livres. O mérito, ahhh, essa palavrinha tão desconhecida dos brasileiros, o mérito foi do Bruno, ele é o maior responsável pela conquista, não Deus!
Episódios banais do cotidiano, que porém muito revelam. Não são de causar surpresa, a mentalidade fatalista do brasileiro está em cada esquina, em cada conversa nas rodinhas de amigos ou no balcão do boteco, até na TV. Em estudo publicado há pouco tempo, o sociólogo Alberto Carlos Almeida constatou que 60% dos brasileiros acreditam que Deus molda por completo o destino das pessoas ou, no mínimo, creem que ele o afeta em boa parte. É a religiosidade do populacho! Em pleno século XXI o Brasil possui uma enorme massa de ignorantes. Tivesse sido o povo brasileiro instruído com base no protestantismo anglo saxão, forma de religiosidade característica de sociedades letradas e modernas, saberiam nossas gentes que de acordo com a ótica protestante a ignorância é coisa do demônio, prima-irmã de Satanás. Não há nem como citar o budismo, religiosidade nascida no distante Oriente, muito mais uma filosofia, alicerçada em sofisticado racionalismo. Budismo, infelizmente, não combina com o fatalismo verde e amarelo.
O Brasil é um país subdesenvolvido na economia, pobre na cultura, pois não valoriza o que tem de bom e ainda imita o pior do estrangeiro. Ó Deus, rogai por nós, Todo Poderoso! Por que é assim, por que Deus não olha por esse país, por que não nos coloca no rumo certo do desenvolvimento, ao invés de se preocupar com futebol?! Precisa responder? Isto é Brasil!

2 comentários:

  1. Apesar de ter uma idéia formada a respeito de uma Força Superior que rege o universo e que até poderia ser chamada de Deus ou outro nome ,isto não importa, concordo com sua crítica,mas não se esqueça que vivemos em meio a milhões de seres essencialmente primitivos. Só não acho que espiritualidade seja sinônimo de ignorancia, tudo depende do entendimento. Patricia

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  2. Sim, claro, concordo!
    Não sei se dei a entender, mas não quisera eu afirmar que espiritualidade é sinônimo de ignorância. Eu também tenho a minha espiritualidade. Voltaire, por exemplo, pensava nessa Força Superior como uma engenheira do Universo, uma força criadora, mas que depois disso, deixara que o Cosmos seguisse suas próprias leis, físicas e biológicas. É o que se designa por teísmo.
    O que critico e deploro é o fatalismo, como se um possível Deus fosse se preocupar com futebol e ainda por cima, de forma parcial e injusta.
    A propósito, muito obrigado pelo presente de aniversário!

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