O sr. Nirlando Beirão é um jornalista que passa despercebido em todas as esferas, já que não contabiliza nenhum préstimo digno de nota em sua atividade profissional. Ele já circulou pelas redações de certos veículos de imprensa com orientações políticas e ideológicas bastante díspares entre si, o que talvez esteja na raiz do que possa ser apontado como um caso de alma fragmentária, deplorável defeito daqueles que, por desconhecimento, ausência de convicção ou intelecto reduzido, não são capazes de construir uma personalidade sólida e digna de respeito. Se não fosse por um artigo publicado a respeito do foie gras, o sr. Beirão continuaria no limbo da insignificância, mas uma vez que o destino inexorável dos meros escrevinhadores é se destacar apenas pela extrema negatividade, fui obrigado a lhe enviar uma resposta. Segue abaixo:
Devo afirmar que discordo integralmente de V.S.ª com relação ao artigo "Goela abaixo" publicado em O Estado de São Paulo neste domingo (13/10).
De
fato, a legislação que proíbe a comercialização do foie gras não
protege outros animais, todos eles vítimas de uma pecuária/avicultura e
de uma indústria alimentícia cujas considerações éticas em relação aos
mesmos se tornou absolutamente nula (basta um mínimo de informação e a
leitura de certos autores como Jonathan Safran Foer para saber do que se
trata). Contudo, mesmo se fosse de tal modo, o senhor estaria
igualmente vociferando. Some-se a isso a constatação óbvia de que a
produção do patê envolve uma crueldade ainda mais exacerbada do que
comumente se nota nas demais formas de se obter alimento com a criação
de animais.
Comer um fígado supersaturado de gordura, um fígado doente, produzido às
custas de evidente artificialiadade e brutalidade vai bem além de uma
questão de paladar. Liberdade? Seria mais digno, sem dúvida, se a
abolição de modos alimentares selvagens e vetores de todo tipo de
prejuízo individual e coletivo partisse de um exame de consciência por
parte de cada um mas, a começar por suas ideias, é uma utopia das
maiores. E não adianta o senhor apelar para artifícios retóricos e
falsamente historicistas na tentativa de justificar que um animal seja
submetido a extremos de crueldade, pois se formos lançar mão desse tipo
de argumento, iremos elencar uma miríade de atos considerados normais em
tal ou qual época e sociedade: o que o senhor pensa sobre canibalismo,
ordálias ou execuções públicas? Tosco relativismo!
É curioso,
inclusive, como o senhor manipula o relativo e o universal sem critério
algum, chegando ao cúmulo do ridículo quando afirma ter "visto" gansos
"felizes", inferindo tal interpretação a partir do instintivo grasnado
desses animais. Ora, a partir de quais categorias chegou a essa
conclusão? Categorias humanas desvinculadas da existência fisiológica
dos gansos, revelando um argumento filosoficamente vazio. Seria o mesmo
se um homem das cavernas visse a senhora sua mãe ou sua irmã sendo
estupradas e daí concluísse que elas estivessem se sentindo felizes. Por
outro lado, do ponto de vista biológico, já se sabe há um bom tempo que
animais dotados de sistema nervoso estão sujeitos ao desconforto, ao
medo e à dor, sendo que obviamente não se trata de eles estarem
preocupados com o que nós sentimos em relação a eles próprios, mas da
compaixão que é devida por nós aos seres sencientes, por uma questão de
racionalidade, bom senso e nobreza de espírito, qualidades que devemos
sempre almejar e praticar. E voltando ao tema da liberdade, cujo
conceito o sr. usa tão mal (tome contato com a reflexão de Irving
Babbitt a respeito da liberdade centrípeta e depois ouse refletir algo
acerca disso), pesquisas no campo da psicologia e das neurociências têm
apontado que seres humanos incapazes de um mínimo de sensibilidade para
com os animais, geralmente não carregam a liberdade como valor.
A alimentação vegeteriana/vegana, muito mais rica, variada, econômica e
ecologicamente viável e isenta de crueldade não precisa nem do bife do
dia a dia, nem de outras nojeiras apontadas como "iguarias". Alimentação
que carrega todas as recomendações possíveis, mas que é ridicularizada
por formadores de opinião como o senhor, ou até mesmo por comerciais de
cerveja dirigidos a jovens de mente vazia, desprovidos de cultura e
valores morais.
Por fim, e não menos ridícula, foi a suposição de
que o turismo gastronômico em São Paulo estaria ameaçado se legislação
parecida se difundisse mais. Fique tranquilo, a proibição da "iguaria" é
uma exceção. No mais, é puro preciosismo de um cidadão que parece viver
em torre de marfim, chafurdando no foie gras, acreditar que a proibição de comercializar o execrável patê vá comprometer o turismo gastrônomico da metrópole. Problemas graves e que interferem de maneira decisiva na qualidade de vida dos sujeitos, como a péssima mobilidade urbana, a carência de áreas verdes, a poluição dos rios, a insegurança e a
violência, estes sim atuam seriamente no comprometimento de qualquer tipo de turismo na cidade, não apenas o gastronômico.
Ao invés
de escrever artigos dignos de pasquim, seria mais proveitoso se o sr. se dirigisse a um restaurante vegetariano
indiano da região da Paulista para constatar que o mundo possui fronteiras
mais amplas do que o limitado e pútrido universo do consumo de carne e
derivados.