Muito já escrevi neste espaço a respeito do tema "planejamento familiar", algo que jamais foi empreendido no Brasil, nem mesmo somente enquanto ideia a ser colocada em debate. Para um país de mais de 200 milhões de habitantes, cuja população, conforme estimativa do IBGE, irá crescer até 2042 e contando com a existência de inúmeros bolsões de pobreza nos quais a taxa de crescimento vegetativo se iguala à de nações africanas e onde muitas mães são adolescentes, solteiras e não podem sustentar nem a si próprias, quanto mais aos seus descendentes diretos, ensinar a refletir detalhadamente e realizar projeções racionais futuras a fim de decidir sobre a quantidade de filhos a serem gerados é altamente positivo e aconselhável, como não negaria nenhum especialista sério. Que o diga o grande historiador Evaldo Cabral de Mello, para quem, caso o Brasil tivesse posto em prática políticas de planejamento familiar desde os anos 1950 ou 1960, estaria atualmente em situação muito melhor.
O planejamento familiar se apresenta inicialmente como um aspecto de caráter econômico, mas evidentemente, ultrapassa em muito a esfera do puro economicismo, já que abarca questões éticas e sociais que se relacionam com o futuro da pessoa que vai nascer e daqueles que a concebem. Além disso, é elementar compreender que a Economia está muito distante de ser um campo do conhecimento restrito aos números, sendo fortemente vinculado a diversos aspectos da sociedade, lição que Friederich Von Hayek explanou há décadas. Tão claras quanto estas questões, também o é a noção de que planejar a família, como o próprio conceito de "planejar" sugere, sempre antecede o nascimento de uma pessoa, o que torna inócuo pensar nas despesas que os pais possam vir a ter depois que um filho já foi concebido. Levar em conta que uma criança necessitará de boa alimentação, cuidados médicos, vestimentas, educação e lazer é, pode-se afirmar, um dever dos pais, o que não faz deles criaturas frias e calculistas, pelo contrário, indica respeito e zelo com relação àqueles que irão colocar no mundo.
Uma das oposições mais importantes entre liberalismo e marxismo reside justamente no fato de que ao invés da primazia do econômico em detrimento das superestruturas, método de análise tipicamente derivada de Marx, os liberais jamais constroem análises em que política, religião e filosofia sejam relegadas ao segundo plano. Não pode haver liberalismo sem padrões éticos e morais, como apontaram Adam Smith e Edmund Burke, tampouco sem um profundo senso de interioridade, como mostrou Irving Babbitt.
Diante disto, é deplorável observar que pseudointelectuais como o sr. José Miguel Wisnik ainda sejam figuras tão recorrentes em países subdesenvolvidos. De acordo com Wisnik, o planejamento familiar corresponde a uma influência "avassaladora do neoliberalismo" sobre as atuais sociedades, uma prática da suposta racionalização econômica, totalizante e direcionadora no mundo de hoje. As palavras do próprio Wisnik, retiradas de um artigo intitulado Regurgitar, nos chegam assim: "O neoliberalismo, enquanto doutrina que propõe a redução formal e
prática de todos os comportamentos humanos à sua expressão econômica [...], e que se propõe a decifrar todas as realidades e
referências supostamente não mercadológicas em termos estritamente
mercadológicos, realiza em grande parte a sua ambição universalizante,
não só na macroeconomia contemporânea, mas também no imaginário
cotidiano dos sujeitos atrelados em rede a seus cartões de crédito e no
impacto em massa da linguagem publicitária com que convivemos a todo
instante". Clap, clap, clap! Um jogo de palavras vazio e hiperbólico, como é característico de todo esquerdista encerrado na limitação ideológica.
Penso já ter discutido o suficiente no que se refere ao planejamento familiar enquanto assunto que transcende à expressão econômica, entretanto, sem conhecer nada da obra de Foucault e imaginando que o filósofo francês tenha feito análises válidas sobre o pensamento liberal que logicamente ele também desconhece, Wisnik recorre a um livro de Geoffroy de Lagasnerie (A última lição de Michel Foucault) para lançar a seguinte conclusão: "entendo que Foucault identificaria no neoliberalismo um papel
significativo na quebra da lógica identitária que trabalha com as
categorias da totalidade, sejam elas as religiosas ou as políticas,
investidas no todo social." Wisnik tira tal conclusão a partir de Lagasnerie, sem estar convencido de que o autor de A última lição de Michel Foucault esteja correto. Mesmo assim, no final do artigo, ele procura no conceito de "hiperdialética" e no bojo da análise de Foucault e de Lagasnerie, a possibilidade de suplantar o "neoliberalismo" através da crítica interna e específica de suas supostas contradições, trazendo à tona as fraturas que quebrariam, "hiperdialeticamente", com a pretensa ação totalizante do "neoliberalismo", estratégia que não estaria ainda plenamente formulada, segundo Wisnik. A linguagem anódina e dadaísta é tragicômica, não só porque o pensamento filosófico que realmente tem algo de sublime a transmitir nos indique que o pós-modernismo de Foucault, inimigo e antípoda de qualquer liberalismo defensor do processo de liberdade como construção interior, não passa de charlatanismo, mas principalmente pela tentativa patética, da parte de Wisnik, de erigir uma reflexão acerca do liberalismo. Primeiro ele atribui falsas premissas marxistas ao liberalismo, depois, se perde completamente com Foucault, um anarquista perturbado e confuso, capaz de tecer admirações à revolução islâmica iraniana. Ao fim de tanta gororoba conceitual, nada pôde restar a Wisnik senão insistir no fim do "neoliberalismo" a partir da "hiperdialética", que ele empresta do pensador carioca Luiz Sérgio Coelho de Sampaio, qualificado pelo próprio autor como "excêntrico". Tem-se então que o "neoliberalismo" contém as armas que destruirão a si mesmo, isto é, um paradigma que visa à totalidade, mas que carrega consigo um potencial fragmentário e, em última instância, libertador. Belo exemplo de paranoia pós-moderna revestida de ranço marxista. Um nada que leva a lugar nenhum!
Wisnik acredita que vivemos em um ambiente tomado pela "avassaladora onda neoliberal", pois pensa que o liberalismo dá as cartas na China, no Oriente Médio, na Indonésia, na Rússia, na África e na América Latina. Quem fizer as contas dos contingentes populacionais de todos esses lugares certamente obterá uma quantidade que perfaz a ampla maioria dos habitantes do planeta. Se o planejamento familiar for um dos elementos constituintes da "avassaladora onda neoliberal", bastará uma simples operação de soma para que a análise de Wisnik se junte à montanha de lixo ideológico que caracteriza o esquerdismo. Avassaladora ignorância!