No meu tempo de infância eu gostava bastante da Páscoa. Hoje em dia, continuo a gostar, mas esse apreço vem minguando conforme os anos passam. É evidente que não existe nenhum motivo religioso que explique o fato de eu sempre ter gostado dessa época do ano, pois, além de eu não ser cristão, os motivos me parecem ser de fundo bastante subjetivo e abstrato.
Páscoa combina com outono e, quando eu era mais novo, o outono vinha acompanhado de temperaturas bem mais frescas do que o nefasto verão. No início da manhã e ao final da tarde, o inconfundível ventinho outonal já soprava trazendo o agradável frescor que lhe é característico. Ah, o velho outono, tão gostoso! Atualmente, a estação das frutas mais se parece com uma primavera de dezembro, na qual temperaturas elevadas marcam forte presença. O dueto prazeroso, a combinação perfeita entre Páscoa e outono, se tornou algo raro. Esse pode ser um bom motivo que tenha feito quebrar meu encanto pela Páscoa, mas não certamente o único.
A Páscoa que eu aprendi a gostar enquanto criança era uma época na qual o costume - comercial, é claro, mas muito menos do que hoje - de presentear com ovos de chocolate, bombons e outras guloseimas do tipo lhe conferia um aspecto lúdico saudável. Qualquer adulto que, quando criança, pôde receber esse tipo de agrado, jamais irá negar que a expectativa gerada pelo presente de Páscoa sempre foi das mais gostosas, literalmente. Costumávamos ganhar chocolates dos familiares mais próximos e o almoço do domingo era celebrado com uma espécie de alegria calma e portadora de segurança, diferente do que nos dias de hoje as pessoas costumam associar a esse sentimento. A Páscoa possuía um caráter mais familiar, mais recatado, mais austero e, mesmo que o aspecto religioso nunca tenha tido para mim a menor importância, vale pensar que o espírito confidencial da época derivava, em parte, da tradição cristã.
A Páscoa mudou, para pior. A cada ano que passa, observo que o ar familial e tranquilo dessa época perde espaço para o frenesi desritmado da massificação. Ontem passei na porta de uma loja de chocolates e, ao olhar para o interior do recinto, cuja lotação se encontrava bem acima da capacidade daqueles poucos metros quadrados, notei que os fregueses se agitavam loucamente em busca dos presentes de Páscoa. A Páscoa está ganhando cara de Natal, ele que também perdeu sua característica tradicional, embora há mais tempo. Presentear a rodo, presentear a pessoas distantes, uma celebração restrita ao círculo familar transformada em performance social, afeita ao agito das rodas de amigos e do burburinho incessante do bate-papo comum a elas, eis o espírito da Páscoa das massas. Os modismos de nossa era avançaram os tentáculos também sobre a Páscoa que, assim como já vem ocorrendo com o Natal, tornou-se um happy-hour entre amigos.
Não sei como a Páscoa tem sido comemorada em outros países, mas é curioso que no Brasil, em se tratando de situações cotidianas, nas ruas, no trabalho, nos negócios, na educação, nas quais a impessoalidade deveria ser a tona, o que prevalece é a cordialidade. Já nos momentos em que o aconchego da pertença e da identificação afetiva com pessoas próximas é de bom grado, momentos esses que ensejam lembranças de compartilhamento e de histórias comuns, os laços vêm sendo desfeitos. Estranha inversão, também ela responsável por minha indiferença a respeito da Páscoa pós-moderna.
Um criacionista me informou, sem indicar a fonte, que o diâmetro solar tem diminuído conforme o tempo passa. Sem saber dizer desde quando essa suposta redução começou e se ela é constante ou não, ele a defende na tentativa de refutar as explicações ontolológicas baseadas em evidências científicas, com o argumento de que se a Terra existisse há cerca de 4,6 bilhões de anos, um Sol muito mais agigantado do que é hoje teria engolido nosso planeta ou o teria feito torrar a temperaturas altíssimas, além do imaginável. Depois, fiquei pensando que se a redução solar prosseguir num curso linear, daqui a algum tempo, contrariando tudo aquilo que a ciência vem apontando, as temperaturas na Terra irão dimunuir e a Páscoa voltará a se caracterizar por seu ar outonal. Me animei! O criacionismo poderá salvar a Páscoa ...
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