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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Os devaneios educacionais de Gustavo Ioschpe


Não sou critico da revista Veja, pelo contrário, diferentemente de muita gente e em especial daqueles que são da mesma área que eu, considero que esse veículo tem qualidades, pois se mostra como um dos poucos a denunciar sem meias palavras o governo autoritário, populista, demagogo e corrupto que comanda esse país. A coisa é diferente quando se trata de Gustavo Ioschpe, um dos colunistas de Veja, economista e especialista em educação. Já li vários de seus artigos e o tom sempre é o mesmo, isto é, a ideia de que a educação vai mal no Brasil em virtude da má formação de muitos professores.
As análises de Ioschpe a respeito do tema são de uma simplicidade estarrecedora. É verdade que especialmente na rede pública, vários professores chegam à sala de aula sem repertório e conhecimento devidos. É um problema sério que deve sim ser levado em conta, mas daí creditar a falência da educação brasileira principalmente a esse fator ou, pior ainda, apontá-lo como o único - o que se evidencia da leitura de Ioschpe - só pode ser fruto de reflexões grosseiras.
A formação dos professores é só um aspecto, dentre tantos outros, que deve ser considerado ao se pensar sobre a educação brasileira. Antes de tal, que nem chega a ser algo de difícil resolução, existem questões de espectro muito mais amplo, mais difíceis de serem percebidas e, logicamente, de propedêutica bem mais complicada. Em primeiro lugar, a atual sociedade em que vivemos, acentuadamente massificada e narcisista, certamente não favorece o processo de ensino-aprendizado como elemento capital na formação do cidadão. A sala de aula deixou de ser o loco privilegiado na busca do saber. Aliás, o saber entendido dentro de uma perspectiva humanista e científica, deixou de ter a valorização devida. Em países como o Brasil, nos quais a democracia, a ciência, a tecnologia, a política e a cultura ainda engatinham combalida e tortuosamente, os valores defendidos e praticados pela imensa maioria da população estão bem longe do que a sala de aula e o professor têm a propor. O problema começa desde casa, pois os pais da atual geração de estudantes, eles mesmos já não nutriam grande apreço pelo conhecimento. Os valores cultuados pelos estudantes não se coadunam com a boa educação, o que se agrava mais ainda na medida em que a obtenção das informações, matéria-prima para o saber, muitas vezes passa longe da escola e do professor e chega por meio de canais  que, quando mal utilizados pelos alunos, - o que ocorre quase sempre - tornam a qualidade dessa mesma informação bastante ruim, além dela vir fragmentada, resumida e mal formatada. O acervo de informações no qual o estudante busca a matéria-prima é conflitante com o tipo de orientação que a escola oferece, uma vez que este (e incluo aqui o bom uso da tecnologia) não é imediato, é mais complexo, exige mais atenção, mais reflexão e mais empenho em sua absorção, tudo aquilo que não combina em nada com a cabeça dos jovens e que a massificação tende a desvalorizar. Tem-se aí um problema de dimensões bastante grandes e cuja solução talvez ainda esteja longe de ser alcançada. Ioschpe gosta de abordar o "professor do século XXI", o que é válido, mas se esquece de refletir a respeito da sociedade e do próprio aluno do século XXI.
Outro ponto merecedor de análise, mas pouco debatido no mainstream, é o interesse exclusivamente mercadológico do qual padecem muitas escolas da rede particular. Está mais do que enganado aquele que pensa que o ensino privado é um mar de rosas. Abundam escolas de péssima qualidade nesse nicho educacional. Sempre defendi que o objetivo do lucro é um direito de qualquer empresa privada e negar isso é peroração ideológica de botequim, no entanto, quando se trata de uma escola, a busca pela rentabilidade jamais pode colocar o processo pedagógico em segundo plano. O nome de uma escola e, consequentemente o alcance que ela terá como investimento, só pode e só deve ser feito a longo prazo e desde que a instituição sempre pense na qualidade do ensino em primeiríssimo lugar. Escola boa conta com bom público, já escola ruim, no longo prazo, vira fabricante de canudos. E que professor pode dar jeito nisso?
Cabe ainda salientar o que concerne à estrutura didática que as escolas oferecem. Na rede pública, esse é um problema sério, havendo estabelecimentos nos quais falta até mesmo carteira. Livros e computadores, então... Falar em educação de qualidade num ambiente assim seria o mesmo que montar uma biblioteca sem livros. E mesmo na rede particular, muitas vezes também falta estrutura. É evidente que a dimensão hi-tech  em que vivemos torna necessária, além do professor, a presença de equipamentos que possam mediar o ensino-aprendizado, facilitar e tornar mais fluída a comunicação do mestre para com seu público.
Não há milagre, não há professor capacitado, por mais que sua formação seja boa, se o contexto desfavorece. É fácil culpar a figura do mestre, como é também um grande equívoco e até uma irresponsabilidade, pois exime governo e sociedade de seus deveres quanto à questão. Não há professor, por mais capacitado que seja, capaz de oferecer educação de qualidade se os obstáculos entre ele e o alunado e entre a sociedade e a correta forma de pensar sobre o papel da escola e do conhecimento se fazem presentes de maneira tão forte em uma sociedade de massas e num país subdesenvolvido.
O professor, assim como o aluno e o todo que forma a sociedade, é partícipe de um contexto desfavorável. Urge refletir sobre ele, sendo um bom começo para tanto, se dispor a pensar como e porque a busca pelo conhecimento é fator essencial no desenvolvimento de um país. É certo que a culpabilização reducionista dos docentes em nada irá ajudar, muito pelo contrário, sr. Ioschpe.

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