Final de semestre, últimos dias de aula, férias se aproximando. Quórum de alunos mais baixo do que o normal, matéria já ministrada, resolvo fazer uma gincana com alunos do 7° ano, cuja faixa etária média é de 12 ou 13 anos. Comecei perguntando sobre tópicos relacionados às disciplinas que leciono e, à medida que a brincadeira foi se desenrolando, os temas passaram a variar, mas sem que o passado histórico deixasse de ser abordado. Reclamações já se faziam ouvir...
Eis que então assuntos esportivos começaram a ser foco atendendo ao pedido dos próprios alunos. Pergunto quem foi o Campeão Brasileiro de uma data já um tanto distante e a resposta, como era de se esperar, foi errada. Nesse momento, um aluno de desempenho reconhecidamente bastante fraco, dispara: "ahhh, eu nem tinha nascido ainda nessa época!" A partir daí, me enervei sobremaneira com o desdém desses jovens em relação a tudo que é passado, o que já estava claro desde o início da brincadeira, claro, para falar a verdade, desde sempre. Jovens totalmente anti-históricos, jovens levados a pensar tola e arrogantemente, que o mundo surgiu no dia em que eles nasceram. Incomodado, não pensei duas vezes e passei a martelar mais ainda, propositadamente, em coisas já passadas. O tal aluno topetudo e imediatista, como 95% de seus colegas, é torcedor do time sem cores da zona Leste. Um outro de sua equipe e, tão insubordinado quanto ele, também.
Lá vou eu: "quem foi o principal idealizador da democracia corint...?" Resposta: "ahn, o que?!; o que é isso?!" Eles são torcedores incolores e não fazem a menor ideia de quem foi Sócrates. Não pude deixar de continuar provocando: "quem foi Neto?" No máximo, conhecem o comentarista.
Me dirijo a outro aluno, desta feita, um palmeirense que costuma ter bom desempenho: "que jogador do Palmeiras marcou 2 gols na final do Paulista em 1993, quando o alviverde massacrou seu rival por 4x0?" Não obtenho resposta. O jovem palmeirense, depois que cito Evair, diz que já tinha ouvido falar "desse cara" através do tio.
Garotos que não sabem o óbvio, isto é, que a grandeza dos times para os quais torcem é tributária da história dessas agremiações. Questão que tem a ver também, além do imediatismo, com a carência de ídolos. Na era da Internet e da hiperexposição, todos eles sabem, mesmo os que não ligam para futebol, quem são Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho ou Adriano, essas celebridades vazias que deixam o profissionalismo e a postura passarem bem distante, mas que mesmo assim se tornam ídolos de uma geração anti-histórica e incapaz de boa imaginação. Alguns poderão sair em defesa de seus ídolos de barro e afirmar que eles fizeram história. Será, todavia, que terá sido por seu passado que são tão conhecidos? Temo que não.
Mudo de esporte, abordo o vôlei, segundo na preferência do brasileiro, responsável em tempos mais recentes, por conquistas superiores ao futebol. Pergunto a respeito de um dos nomes dentre os campeões olímpicos de 1992... nada! Carlão, Paulão, Maurício, Tande, Giovane, Marcelo Negrão, são figuras completamente desconhecidas por esses jovens. Com isso, é esquecida também a primeira medalha de ouro em esportes coletivos conquistada pelo Brasil, esse país que irá sediar Olímpiada e no qual os atletas fora do mainstream treinam a duríssimas penas. Os jovens têm ainda menos noção de quem seja Robert Scheidt. Um lá, malemal sabe sobre Gustavo Kuerten, Maria Esther Bueno, evidentemente, nem em sonho! Lembremos que eles próprios pediram perguntas que tivessem o esporte como tema. Nem é preciso avisar que em assuntos diversos verifica-se o mesmo alheamento em relação a nomes ou acontecimentos que se imortalizaram, seja na área em que for.
O imediatismo desses jovens é claramente um malefício terrível, porém, não o imediatismo em si, mas as consequências que ele carrega. Um imediatismo inerentemente e, por definição, anti-histórico e que, como indiquei acima, responsável pela incapacidade imaginativa. Quem possui uma imaginação completa - e devo frisar aqui que estou considerando o fenômeno imaginativo não em seu sentido banal de fantasia, mas sim como a habilidade de perceber, conceber e discriminar - estará apto a exercer uma existência verdadeiramente profícua, dado que só a imaginação completa e em seu sentido filosófico, aliada à razão, que assim estará isenta de ser uma razão puramente mecânica, é capaz de nos legar o sentido superior de interioridade humana.
Aqueles que assumem conduta imediatista e, portanto, anti-histórica, estão apartados do potencial libertador da história, como ensinou Benedetto Croce, pois jamais poderão imaginar de modo completo. O imediatista, quando muito, pode atingir o estágio da percepção, o primeiro e mais basilar das etapas imaginativas. Uma percepção, todavia, sem que se procedam as mediações necessárias e possibilitadas pela relação passado-presente, não poderá avançar rumo a qualquer tipo de concepção. Por sua vez, a ausência de concepção impede que se chegue à etapa final do processo imaginativo, que é a discriminação, ou classificação, para usar um vocábulo mais recorrente, haja vista que não há como classificar sem comparar, algo só tornado possível a partir de uma maneira histórica de pensamento, que fornece os parâmetros e termos comparativos.
Estamos num tempo em que o imediatismo e suas consequências afetam sobretudo os jovens, mas o andar da carruagem aponta de modo cada vez mais claro que não tardará o momento no qual este será um mal comum nas gerações adultas, até porque os jovens de hoje estarão mais velhos amanhã. Então, nada mais faltará para que o problema da degenerescência moral esteja completo. A história e a capacidade de imaginação se farão ainda presentes, mas quem saberá usá-las, quem poderá tê-las como instrumentos de valorização da interioridade humana?