O futebol uruguaio voltou a ser forte. Talvez ainda não seja possível afirmar que a constatação é definitiva, mas o cenário futebolístico recente oferece pistas convincentes para se pensar que estamos diante do renascimento da velha Celeste Olímpica. Bom para o futebol da América do Sul, bom para o futebol mundial.
O Uruguai dominou o esporte durante a primeira metade do século XX, ganhando duas medalhas de ouro em Olimpíadas (Paris 1924 e Amsterdam 1928), fato que rendeu à seleção nacional o apelido de Celeste Olímpica e duas Copas do Mundo, em 1930, realizada no próprio Uruguai e, vinte anos depois, no Brasil. A final do mundial de 1950, disputada no dia 16 de julho daquele ano no estádio Mario Filho, mais conhecido como Maracanã, e construído exatamente para ser palco dos jogos mais importantes do evento, constituiu-se em uma das partidas mais dramáticas do futebol e o resultado, uma enorme zebra. Quanto ao drama, a qualificação é das mais legítimas, visto que a circunstância de uma final de Copa do Mundo é inerentemente dramática, além do que, o Brasil buscava seu primeiro título em mundiais, jogando em casa e com o estádio lotado. Ter saído na frente e depois levar a virada dos uruguaios, só aumentou ainda mais o desespero da torcida e dos jogadores brasileiros. O já falecido goleiro Barbosa foi injustamente apontado como bode expiatório pela derrota e, mais do que ninguém, ele sentiu o drama no fundo da alma, pois passou o resto de sua vida carregando o pesado fardo do fracasso.
Se a dramaticidade do jogo foi violenta, não se pode contudo, como muitos acreditaram e alguns ainda acreditam, defender a ideia de que a vitória da Celeste por 1x2 tenha sido realmente uma zebra. Não foi! Pesou no episódio o velho e manjado ufanismo brasileiro. Relatos dão conta de que o clima de “já ganhou” havia se instalado nas mentes da imprensa e do torcedor verde e amarelo bem antes da bola rolar. Cegueira diante do poderoso adversário, desprezo pela história, deu-se de ombros face à tradição de um escrete bi-campeão olímpico e vencedor da primeira Copa. Como mais tarde escreveria magistralmente Jules Rimet, “tudo estava previsto, menos a vitória do Uruguai”.
Obdulio Varela era o capitão do time em 1950, talvez o exemplo mais perfeito de jogador-líder que o futebol já produziu. Nas conversas que antecederam o jogo e na preleção, foi ele quem tomou a palavra. Enalteceu os brios e lembrou que futebol se decide dentro das quatro linhas (naquela época, ao menos). Em campo, mostrou a raça e a liderança habituais. No quesito técnico, Andrade, Julio Perez, o soberbo Schiafino e o veloz e oportunista Gigghia se encarregariam do resto. Maracanazzo consolidado, Uruguai campeão, contra tudo e contra todos.
Depois disso o futebol uruguaio foi minguando progressivamente. Ainda se mostrou forte em termos de clubes até os anos 1980, mas a seleção nunca mais conseguiu repetir os feitos grandiosos do passado, exceto por alguns títulos de Copa América, competição que se degradou acentuadamente e incapaz de refazer a grandeza da Celeste. De cerca de vinte e cinco anos para cá, até mesmo os mais tradicionais clubes uruguaios, Peñarol e Nacional, caíram no marasmo, juntamente com a equipe nacional. Francescoli e Recoba foram jogadores acima da média, insuficientes porém para curar a mediocridade de um futebol que parecia condenado a viver apenas de lembranças.
Após décadas de inexpressão, o quadro começou a dar mostras de estar mudando. A Copa da África do Sul em 2010 foi o marco da inflexão. Nessa competição, a campanha da Celeste ficou acima das expectativas, um quarto lugar bastante significativo e o prêmio de melhor jogador do torneio merecidamente concedido a Diego Forlán, craque que apresentou um futebol altamente qualificado nos gramados sul-africanos. Agora em 2011, depois de tanto tempo, o Peñarol resgatou a grande tradição da qual ele mesmo havia se esquecido e voltou à final da Libertadores. É digno de nota e de saudações que a força da camisa Carbonera esteja novamente disputando títulos, sobretudo quando se verifica que as equipes que mais vinham representando o Uruguai na mais importante competição de futebol da América do Sul são times genéricos e sem torcida. Não sei se o Peñarol irá se sagrar campeão, considero o Santos favorito e chego a torcer para que Muricy Ramalho, de longe o melhor técnico em atividade no futebol brasileiro, obtenha sucesso e vença o título continental, mas é fato que a reascensão do futebol uruguaio, passa necessariamente pelo reavivamento de sua tradicional agremiação.
O futebol, a meu ver, ficou mais chato nos últimos vinte e poucos anos, excessivamente defensivo, monótono. Fora de campo, permeado pela celebrização e pelo sucesso fácil. Essa derrocada coincide exatamente com o colapso da tradição uruguaia. Faço votos então, em tempos de um barcelonismo que encanta por ser o antípoda da modorra predominante, para que o renascimento do futebol uruguaio, aquele que, juntamente com o argentino, melhor alia garra e técnica, possa a seu modo contribuir para a valorização desse esporte naquilo que ele possui de mais abrilhantador, algo um tanto raro de se observar em nossos dias.
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