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sábado, 17 de setembro de 2011

Nenhuma ovelha negra para o marxismo


Escrevi há tempos o artigo intitulado A inglória tentativa de salvar Stalin, procurando delinear evidências históricas que ajudam a desmentir qualquer possibilidade de conferir ao ditador totalitário algo de positivo e que o isente do horror que comandou.
Um liberal, por princípio, se coloca em posição de absoluto antagonismo aos que defendem o regime stalinista. No entanto, a linha de pensamento pró-Stalin tem uma vantagem, ou seja, permite identificar claramente a doutrina comunista e todo o ideário daqueles que a adotam. É também uma postura mais autêntica, na medida em que não precisa fazer uso de distorções para assumir o pensamento de Marx em seus fundamentos, ou pelo menos, o mais próximo possível deles.
Na década de 1950, antes mesmo da abertura dos arquivos de Moscou, portanto sem dispor de muita documentação, mas dotado de enorme percepção histórica, Waldemar Gurian, com seu brilhante Bolshevism: An introduction to Soviet Communism, até hoje infelizmente sem tradução para o Português, foi um dos primeiros a concluir que jamais houve ruptura de preceitos entre Marx, Lenin e Stalin. Depois desse estudo pioneiro, autores como Leszek Kolakowski, Czseslaw Milosz, Orlando Figes, Robert Service, Simon Sebag Montefiore e Robert Gellattely, já dispondo de farta documentação acerca do totalitarismo soviético, confirmaram aquilo que Gurian havia trazido à tona. Na década de 1960, alguns anos após o escancaramento dos crimes stalinistas, vários escritores, políticos e historiadores romperam com o comunismo. Outros, por apego ferrenho à ideologia, continuaram fiéis à tradição de Marx e, assim sendo, mantiveram-se igualmente fiéis a Stalin.
Apesar do stalinismo estar vivo até hoje, inclusive motivando estudos recentes que buscam mais do que nunca reabilitá-lo para o grande público, - daí o artigo que escrevi - a corrente stalinista não é majoritária dentro do pensamento de cunho marxista. Tal papel cabe à vertente leninista, que de sua parte insiste em afirmar que Stalin é a negação dos ideais de Marx, a ovelha negra do marxismo, protagonista de um regime brutal que nada teve a ver com a teoria exposta pelo pensador alemão. Lenin, segundo essa visão, seria um homem virtuoso, bem intencionado, cujo grande objetivo foi curar a Rússia dos males provocados pelo czarismo através da distribuição da riqueza e da mudança para um regime de liberdade política, algo que ele teria consolidado se vivesse por mais tempo. Não é preciso ressaltar que a interpretação leninista não consegue enxergar a figura de Stalin como exato representante da consolidação da revolução de Outubro de 1917, além do fato, mais óbvio ainda, de que a realidade revolucionária sob o próprio Lenin, transcorreu de maneira totalmente contrária ao que estava presente nos discursos e na manifestação das intenções.
Na obra prima de Gurian podemos verificar que a teoria revolucionária veio da pena de Marx, o estabelecimento dos meios táticos concretos ficou por conta de Lenin, algo que qualquer um reconhece e que não é novidade, mas também que a consolidação dos fins a partir da teoria e da tática preconcebidas, coube a Stalin. A luta de classes jamais deixou de fazer parte do regime stalinista, por isso a necessidade constante de impor o terror e os expurgos, situação inerente ao que Marx pregou desde as primeiras linhas do Manifesto Comunista. Não por acaso Stalin sempre ter citado Marx e Lenin como justificativa para suas ações.
O teórico do comunismo nunca conseguiu resolver a questão do motor da história como fator direto das leis da história ou da necessidade da ação revolucionária. O primeiro dos fatores serve somente para desmentir Marx, restando o segundo, não como manifestação proletária, mas sim como resultado das práticas de líderes encarnados por Lenin, Stalin e outros ditadores comunistas. Se Stalin e, logicamente Lenin, em algum ponto contrariam Marx, é justamente com relação ao papel do indivíduo na história.
Analisar intenções históricas querendo com isso isentar alguma personalidade política é uma empreitada arriscadíssima, tentativa cuja chance de incoerências e fracassos é notória. Não é nenhum absurdo acreditar que as intenções de Marx e de Lenin fossem as melhores possíveis. Por que as de Stalin seriam diferentes? Hitler vislumbrava um futuro reluzente para o povo alemão, seus pensamentos e discursos estão repletos de boas intenções. Entretanto, o que conhecemos na história acerca da experiência humana, é aquilo que tem existência prática e real, os métodos. Métodos completamente equivocados quando se trata das doutrinas totalitárias das quais o comunismo, incontestavelmente, faz parte. Métodos tais que jamais poderiam ser reavaliados por seus executores, pois constituintes essenciais de doutrinas que mantêm um descompasso característico para com a realidade, fruto, sem dúvida, do fanatismo que as abarca. Logo nos primeiros meses depois da revolução, Lenin, amparado pelo argumento peremptório do cumprimento da lei histórica, passou a eliminar os sovietes ou qualquer outro suposto inimigo da causa, implantando a ditadura dentro do próprio partido.
O comunismo não pode ser interpretado como uma ideia boa que não deu certo, mas que alguma vez poderá dar. Não, ao contrário, é uma ideia cujos fins podem ser bons na intenção, mas que inelutavelmente conduz a métodos brutais. Marx sempre frisou a violência como elemento característico da revolução, Lenin cansou de dizer que uma revolução sem pelotão de fuzilamento não faria sentido, Stalin institucionalizou os gulags e os expurgos, métodos sem os quais as leis da história não se processariam. Métodos que, analisados historicamente, nos revelam que o marxismo real, aquele que foi posto em prática e que só poderia resultar em um único caminho, não legou nenhuma ovelha negra, mas sim filhos legítimos das páginas escritas por Marx.

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