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sábado, 29 de outubro de 2011

Paul Di'Anno. Quem?!


Paul Di'Anno, primeiro vocalista oficial do Iron Maiden, é um artista de capacidade no mínimo discutível. Os álbuns Iron Maiden e Killers, os dois primeiros gravados pelo grupo britânico, possuem o altíssimo padrão de qualidade maideniano, fato que se deve exclusivamente à atuação de Steve Harris, Dave Murray, Adrian Smith (que ainda não fazia parte da banda no primeiro disco) e Clive Burr; Di'Anno não foi mais do que mero coadjuvante, um vocalista sempre muito mais afeito ao gênero punk do que ao Heavy/Hard.
Recentemente, o ex-vocalista do IM fez mais uma de suas maçantes aparições, que invariavelmente nada acrescentam à música, e concedeu entrevista na qual, lá pelas tantas, a entrevistadora lhe propôs dar nota de zero a dez para alguns vocalistas. Como seria absolutamente previsível, um dos avaliados foi Bruce Dickinson, que recebeu algo em torno de 7,25. Justificando-se, Di'Anno saiu-se com a tática tipicamente utilizada por quem padece da carência de talento: "Bruce é alguém treinado para cantar, ele não tem emoção". Uma avaliação patética, tremendamente equivocada não só porque o óbvio recomenda nota bem mais elevada, (se Di'Anno fosse elegante e humilde não teria problema em enaltecer a extrema perícia vocal de Dickinson) mas também porque o IM conquistou reconhecimento fenomenal graças inclusive ao trabalho daquele que causa profunda inveja em Di'Anno, o próprio Bruce. Mais ainda: opor técnica e feeling como se fossem quesitos mutuamente excludentes é uma maneira simplista e até mesmo inocente de enxergar a arte. Ninguém pode atestar objetivamente que o feeling de Di'Anno é de causar inveja ou que Dickinson não possua tal dom. Por outro lado, atribuir qualidade técnica é uma tarefa objetivamente verificável e quem ouve Dickinson cantar Hallowed By Thy Name, Alexander The Great, Seventh Of A Seventh Son ou The Talisman, sabe que ele é infinitamente superior a Di'Anno, mesmo quando este demonstra algo mais, como por exemplo, em Phantom Of The Opera.
Fora do Iron Maiden entre 1993 e 1999, Dickinson realizou trabalhos memoráveis como Accident Of Birth e Chemical Wedding, já Di'Anno, desde 1981, nada fez que seja digno de nota. Diante da avaliação de Di'Anno só se pode concluir que a desculpa atrás da qual se refugia um sujeito cujos vocais não representam nada - somente mais um dentre tantos que nunca saíram do anonimato, ao contrário dele, a quem o posto de frontman do IM caiu do céu, acaso rapidamente reparado em função de seu comportamento incompatível com o profissionalismo, além da própria falta de talento - é o discurso manjado que denota inveja e complexo de inferioridade perante a ausência de competência. Di'Anno, quem é você? Não é ninguém, a não ser um cantor insignificante que trinta anos depois de ser despedido do IM continua não sendo capaz de aparecer sem que seja às expensas da banda em que um dia as circunstâncias ousaram colocá-lo. Foi tarde, ainda bem. Up the Irons!

sábado, 22 de outubro de 2011

Torres de marfim: traços do atraso mental latino-americano


A América Latina é mesmo um continente fadado à desgraça. Mais de três séculos de colonização ibérica desprovida de qualquer intuito filosófico ou espiritual, um megalomaníaco personalista com complexo de Napoleão considerado até hoje "El Libertador"; no pós-independência, uma aristocracia agrária tradicionalista ocupando o poder político até o século XX e, depois dela, transmutando-se em seu lugar, uma casta política corrupta e muitas vezes autoritária, aquela que define os rumos da nossa sociedade, não sem a ajuda fundamental dos tolos em catarse que lhe outorgam poder. A pobreza econômica, como nem poderia ser diferente, é fruto desse desenvolvimento histórico peculiarmente nefasto. Quanto à intelectualidade latino-americana, boa parte de seus representantes permanece confinada à estreiteza de visão, atrasada em cerca de 50 anos, que a faz adotar em pleno século XXI as teses do marxismo vulgar.
Diante de uma tal miséria de pensamento, ninguém há de estranhar os paradoxos que abundam no cotidiano desse pobre continente. Poucos, inclusive, são capazes de escapar do véu de ignorância que cobre a reflexão devida, minuciosa e necessária a respeito dos erros da América Latina, algo a fazer destas terras uma massa inerte sempre presa ao atraso - até Hegel, e depois, Marx, já pensavam assim, para desespero velado de seus arautos que abundam por aqui. Apenas quando as pessoas se propuserem a destrinchar o que está por trás de tamanha confusão de ideias e inversão de valores que assolam a América Latina, tarefa difícil, é que poderão, talvez, se indignar contra esse panorama.
Muitos cientistas humanos, enclausurados em suas torres de marfim, enxergam a si próprios como seres iluminados por uma espécie de conhecimento obtido por vias metafísicas. Eles se apegam a mitos, ideias e paixões ideológicas cristalizados pelo tempo, quimeras supostamente imunes às mudanças históricas, mas que na verdade não podem pretender explicar contextos em constante mutação. Uma das grandes contradições inerentes a tais formas mitômanas de pensamento se dá em função delas manterem discursos que recorrem exaustivamente à história, ao mesmo tempo que deixam de prestar atenção ao novo, equivocando-se em relação ao velho. Os fenômenos da mentalidade, geralmente desprezados pelos ideólogos mais radicais, são aqueles que se perpetuam com maior resistência no tempo histórico - tem-se aqui, sendo assim, outra enorme contradição - e que, apesar de tênues, difusos e de requererem análise acurada, quando bem esquadrinhados, fornecem o quadro detalhado de uma sociedade e de sua cultura. Os exemplos que trago a seguir são pormenores aparentemente desimportantes, contudo, extremamente reveladores dos traços mentais que se refletem na cultura e na visão de mundo de uma considerável parcela dos habitantes da América Latina, evidência de como as ideias interferem vivamente na realidade, mesmo que elaboradas em completo desacordo com o real.
O jornalista e historiador Lúcio de Castro, típico representante da esquerdopatia latinoamericana, é alguém que ainda se presta a contorcionismos argumentativos para pensar na ditadura cubana e em Che Guevara como dignos de louvor e elogio. Nessa semana, ele ganhou o Prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo por uma série de reportagens que realizou sobre o Haiti. Lúcio afirmou no dia seguinte à premiação, que o mais importante é estar sempre denunciando o desrespeito aos direitos humanos que vigora naquele país. Não passa em nenhum momento pela cabeça do premiado, que as mazelas haitianas são, em parte, resultado dos problemas internos do Haiti. Daí nem surpreende que ele silencie sobre a absoluta desconsideração que a população haitiana mantenha com relação aos animais. Lúcio pode acreditar, juntamente com os haitianos e sua religiosidade de matriz africana, que os sacrifícios de animais não representam mal algum, pois são oferendas ao deuses. Se tais deuses existem, uma coisa é certa: eles, na verdade, detestam os sacrifícios de animais, do contrário o Haiti teria IDH maior que o da Noruega.
É claro que os direitos humanos devem ser valorizados e que deve haver denúncia quando não forem observados, caso do Haiti, mas se a pobreza lá só fosse devido a isso, resolvê-la seria mais fácil do que realmente é. Além do mais, com que propriedade um admirador de Che Guevara é capaz de abordar qualquer tema ligado a direitos humanos?
Luiz Felipe Pondé é filósofo e colunista da Folha de São Paulo. Suas opiniões políticas são muitas vezes bastante interessantes e isentas de ideologismo retrógrado. Ele já foi, por exemplo, autor de um excelente artigo acerca da Revolução Francesa, desmistificando os turbulentos e violentíssimos acontecimentos que marcaram a época Terror, momento no qual a ideia de liberdade passou tão longe quanto a França dista das Ilhas Fiji. Melhor do que qualquer livro didático que conheço. Por outro lado, Pondé é dono de argumentação execrável quando escreve a respeito de ética. Ele crê que qualquer discussão sobre o tema não passa de blá-blá-blá e que a Filosofia nunca entrou em consenso quando se trata da questão. A menos que Pondé seja da corrente que interpreta a Filosofia como sendo uma ciência, posição praticamente insustentável atualmente, ele se veria obrigado a admitir a falta de consenso em tudo aquilo que é discutido pelos filósofos, dada a natureza especulativa do ato filosófico. Além do mais, se há tema na Filosofia que estabeleça acordo muito maior do que os outros, esse tema é a ética, cuja reflexão aristotélica, datada de mais de 2 milênios, é até hoje a mais poderosa. Se filósofos como o próprio Aristóteles ou Kant puseram-se a pensar nas bases da ética, tal não ocorreu, como defende Pondé, em função da idealização de um mundo perfeito, mas devido ao exato oposto, ou seja, à imperfeição e à incompletude humanas, causas das tragédias da existência do Homem no mundo, como já ensinavam Sófocles, Ésquilo e Eurípedes. É estarrecedor que um latinoamericano, brasileiro, como Pondé, ache que a ética não deva ser assunto trazido à tona, ainda mais quando se vive uma época em que a observância de deveres éticos esteja tão desprezada. O lapso pondeano serve bem para explicar porque ele entende que seres humanos não precisam se preocupar em respeitar animais, afinal, seu especismo antiético não pode reservar lugar para compaixão em relação a criaturas sobre as quais a ética deve existir em grau igual ou maior do que com humanos. Pondé parece ter receio de incorrer na pieguice do politicamente correto, equívoco recorrente da velha esquerda da qual ele não faz parte, mas peca por não perceber que a ética é um elemento de interioridade do indivíduo, não tendo nada a ver com experiência coletiva. Sr. Pondé, de fato, os animais não são iguais aos seres humanos, como pensa Peter Singer,... são bem superiores.
No âmbito do público leigo, o pensamento latinoamericano arrisca colocar as asas para fora das torres de marfim, contaminando desse modo as opiniões daqueles que são míopes histórica, filosófica e politicamente. Há alguns dias o craque argentino Lionel Messi, geralmente avesso a entrevistas, resolveu falar. Deu declarações não a respeito de futebol, mas sobre política e sociedade, defendendo Che Guevara (ele de novo, torcedor do Real Madrid!) e afirmando que o problema das drogas não é responsabilidade da pessoa que se vicia, e sim da falta de oportunidades. Era melhor se Messi tivesse permanecido calado, ele que já foi tema de artigo escrito por aqui para enaltecer sua seriedade e humildade. O jogador do Barcelona mostrou que nada sabe em matéria de história da América Latina, provavelmente derivando a lamentável defesa do sanguinário Che daquilo que ouviu de algum ex-professor seu, filhote de Abimael Guzmán. Como se não bastasse, ao mencionar a questão das drogas, revelou que não reconhece nenhum sopro de vida interior, algo bastante estranho para quem mantém perfil como o dele, eximindo completamente o indivíduo de suas escolhas e responsabilidades.
Na semana em que a abertura da Copa 2014 foi anunciada para o estádio de Itaquera, que está sendo erguido às custas de dinheiro público, algo que já seria um absurdo tremendo mesmo se não fosse destinado a uma entidade particular, como é o caso, imbecis de plantão em redes sociais e fóruns de discussão mostraram seu contentamento. Gente ufanista, ingênua e incoerente, gente que sofre com carência de serviços básicos, mas que põe paixão clubística e patriotismo tolo acima da dignidade, da decência e da cidadania. Gente que não pode reclamar de injustiça alguma, já que aplaude a esbórnia e a manipulação dos políticos, dos dirigentes e da Rede Globo. Há sujeitos tão idiotizados, néscios e estúpidos que chegam ao cúmulo de acreditar que se opor à forma como essa Copa está sendo montada representa "interesses burgueses de quem não quer ver a periferia se desenvolver". Não sei se fico com raiva de tamanha ignorância ou com dó pela facilidade com que se engana esse pessoal.
Assim como suas referências, vide o tal Che Guevara que insiste em assombrar este continente, o idiota latinoamericano apenas consegue pensar com base em oposições antagônicas, lutas de classe e maniqueísmos. Assim, as ideias divergentes significam obstáculos a uma suposta justiça social, apanágio de quem possui "sensibilidade política" e aqueles que as defendem devem ser varridos para que o curso histórico prossiga desimpedido e a justiça se faça. Essa lógica tragicômica determina quatro resultados: 1) a crença em ideias falaciosas, 2) a incapacidade de diálogo e análise da realidade isenta de paixões, 3) a inversão de valores e, o quarto e mais deplorável, o atraso latino-americano. Pobre da América Latina, econômica e espiritualmente.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Que educação?


Sempre afirmei que a educação é o fator primordial para que um país consiga se desenvolver. Continuo com a mesmíssima opinião, mas quando penso no Brasil, e isso já faz um certo tempo, sou obrigado a ressalvar, afinal, não é de modo algum a educação que aqui se tem hoje aquela que irá conduzir o país em bons rumos. Que educação, então? Eis a pergunta a ser colocada.
A resposta é bastante simples: a educação nos moldes da Coreia do Sul, da Finlândia ou da Suiça. Acontece que não é possível, evidentemente, aplicar a mesma educação dessas nações no Brasil como num passe de mágica. Seria preciso, isso sim, desenvolver uma educação propriamente brasileira mirando-se no exemplo fornecido por aqueles que possuem sistemas educacionais virtuosos, missão mais difícil ainda na medida em que a cultura da sociedade brasileira, ao contrário do que se observa nos países citados, não favorece a construção de um projeto educacional bem estabelecido. Ainda que pudéssemos implantar algo do tipo desde já, levaria no mínimo umas três décadas para que se colhessem os resultados.
Fui graduando no passado, sou professor e historiador no presente e, desde o momento no qual de alguma forma passei a estar envolvido com a educação, presenciei situações em que ela é tratada somente como um fim em si mesmo. Na sala de aula da faculdade topei com professores que não acreditavam que a educação fosse caminho para coisa nenhuma, a não ser para a perpetuação de um sistema econômico que eles julgavam falho. Viés ideológico que em nada contribui para pensar sequer na possibilidade de modificar o sistema, caso de perguntar, então, o que eles pretendiam com a atividade docente. Já verifiquei também quem não pudesse admitir que só a educação desse jeito no desenvolvimento de uma nação. Ninguém em sã consciência acha que é o único fator, mas pensa sim que uma educação sucateada e muitas vezes ausente, jamais irá permitir o florescimento e a manutenção de prerrogativas essenciais para a vivência individual e coletiva. Sendo assim, não consigo vislumbrar possibilidade de reflexão acerca de questões que estão na ordem do dia, tais como preservação ambiental, desenvolvimento tecnológico, liberdade política e cumprimento de direitos e deveres sem haver educação para tanto. Vem daí justamente a noção de que a educação não deve nunca ser entendida sem que se considerem seus desdobramentos positivos. Educação tem a ver com formação humanista, uma das únicas utopias que estamos autorizados a aspirar.
No Brasil, as instâncias governamentais têm discutido o aumento da carga horária no Ensino Básico sem atentar para o trivial: quantidade não significa qualidade. O número de dias letivos atualmente já é maior do que foi no passado e isso não melhorou o perfil do sistema educacional no país, pelo contrário. Há ainda aqueles que nunca passaram nem perto de uma sala de aula, mas que ainda assim se atrevem a emitir pareceres supostamente abalizados sobre o assunto, quase sempre atribuindo ao professor as responsabilidades pelo fracasso educacional. Não se nega que certos professores estejam mal preparados, mas nesse caso a culpa é também do próprio empregador que não investe em aprimoramento e em reciclagem, bem como da instituição de Ensino Superior que formou o docente. Nunca é demais lembrar que na maioria das vezes o professor não tem autonomia para poder escolher a melhor didática em situações específicas, é obrigado a trabalhar com alunos de perfil extremamente variado dentro de uma única sala, não raro superlotada, tem que resolver problemas particulares dos pupilos, tem que lidar com preguiça, desinteresse e desrespeito, não conta com apoio pedagógico da coordenação, não conta com boa infraestrutura oferecida pelas escolas, sofre com material didático viciado pela vulgata marxista, atua de acordo com uma legislação extremamente permissiva em relação ao corpo dicente, resultando em aprovações automáticas, e recebe salários baixos.
Além dos tantos problemas internos à escola, ocorrem prejuízos de caráter difuso e de matriz cultural muito difíceis de serem resolvidos. O termo “mercantilização” é exaustivamente utilizado quando se aborda o interesse das instituições de ensino pelos lucros, o que parece uma perspectiva douta, mas não passa de visão politicamente correta, quando muito. Quando se trata da educação básica, caberia aos pais estarem atentos à qualidade da instituição, determinando valor cobrado por qualidade oferecida. Quem quisesse dinheiro fácil sem oferecer bom produto, ficaria em maus lençóis. Infelizmente, esse contrapoder que o consumidor deve exercer não faz parte dos hábitos do brasileiro. Aqueles que condenam o lucro mesmo quando obtido com qualidade, são os mesmos que se veem sem argumentação quando precisam desaprovar o lucro sem razão de ser, patologia típica do capitalismo tupiniquim, que atinge tanto quem vende, como quem compra. No Ensino Superior, a proliferação de universidades seria até mesmo benéfica se a qualidade fosse uma meta, mas como não é, o simples desejo por diplomas acaba satisfazendo a alunos que mal precisam assistir às aulas. Eles pagam para obter a graduação e as universidades vendem canudos. Aqui, o governo que tanto cuida de assuntos que não lhe competem, peca por omissão, já que se os processos seletivos - que na prática não têm acontecido - se voltassem com maior ênfase para o desempenho dos alunos durante os anos de Ensino Básico, o público alvo seria melhor selecionado, forçando os vestibulandos a se comprometerem enquanto alunos escolares; já as escolas, por uma questão de reputação, se veriam mais condicionadas a preservar a qualidade.
Ninguém que analise com critério o panorama educacional brasileiro irá acreditar que esse modelo falido de educação possa resolver os problemas do país e abrir as portas para seu desenvolvimento. Tenho trabalhado repetidamente com meus alunos o tema discutido no presente artigo, sinto porém, que numa sociedade que se acostumou tão passivamente a acreditar em um governo falastrão, assim como criancinhas acreditam em contos de fadas, e para a qual a ignorância e a falta de conhecimento não são considerados prejuízos gravíssimos, nem façam muita diferença, falar de educação de qualidade como fator essencial de desenvolvimento é quase como pregar no deserto. Em tempo: enquanto o PIB brasileiro destinado à educação fica bem abaixo do recomendado pelos organismos internacionais, o governo do PT gasta atualmente, via BNDES, R$ 5,3 bilhões construindo obras em alguns de seus países vizinhos. É a cara do Brasil...

domingo, 9 de outubro de 2011

Francisco de Assis: pensador da interioridade humana


Em 4 de outubro celebra-se o dia de São Francisco de Assis, um dos santos que mais tem atraído o fervor das pessoas. Desde a Antiguidade, não só no Ocidente, mas antes, inclusive, no Oriente budista e confucionista, as questões éticas e as virtudes têm sido trabalhadas como um elemento de interioridade humana, algo cuja consideração no mundo pós-moderno ocidental se mostra em vias de esgotamento. É quase um crime contra a existência humana esquecer que os grandes líderes da história foram pessoas de caráter formado a partir de sólidas bases morais.
No Ocidente, durante a Idade Média, com a prevalência da Igreja Católica, a fé suplantou a filosofia especulativa e os ensinamentos religiosos transmitiram a ideia de que a vida terrena deveria ser orientada com foco no temor a Deus, único caminho para a remissão dos pecados e para a eterna Salvação. Evidentemente, como homem medieval, Francisco inseriu seu pensamento dentro dos parâmetros possíveis à época e, como tal, a fé religiosa foi um aspecto fundamental da regra franciscana. Do contrário, Francisco não teria sido canonizado logo em 1228, apenas dois anos depois de sua morte, tampouco arrebataria tamanha quantidade de devotos, praticantes ou eventuais, nos dias contemporâneos, uma vez que sua mensagem extrai força muito em função do culto que o catolicismo lhe rende.
Por outro lado, e aí começamos a pensar no santo sob uma perspectiva menos convencional e mais confidencial, a meu ver exatamente aquela que desperta maior interesse, se o Francisco católico é o mais conhecido e se sua imagem não pode de modo algum se desvincular da Igreja Católica, há um outro franciscanismo cujo pensamento situa-se em âmbito filosófico, ao invés de religioso.
Um dos problemas historiográficos mais pertinentes e intrigantes que, creio eu, ainda não teve a devida atenção, diz respeito à inserção, ultra rápida, como vimos, de Francisco no interior da ortodoxia católica. No período medieval, enquanto a Igreja Católica formulava essa ortodoxia, precisou definir o que a ela não pertencia, ou seja, aquilo que poderia se enquadrar como heresia, perigo bem maior do que a apostasia, já que os hereges eram parte do ecúmeno católico, diferentemente dos apóstatas, situados mais nitidamente à margem da religião e da Igreja. Não seria nada surpreendente se hoje nossas fontes de conhecimento informassem que o franciscanismo, assim como o arianismo, o joaquimismo ou o catarismo, fosse uma doutrina considerada herética. Teria a Igreja Católica rapidamente inserido o franciscanismo na ortodoxia já prevendo o poder de persuasão de uma parte, ao menos, de sua mensagem? Francisco esteve em Roma tratando com o papa a respeito de sua regra, tarefa na qual foi hábil e contou com a ajuda de autoridades eclesiásticas como o cardeal Ugolino. No entanto, são explicações insuficientes para responder porque o pensamento de Francisco não foi classificado como herético.
A mensagem franciscana, apesar de religiosa, é também filosófica, pois ainda que Francisco admirasse bastante o Evangelho de João e tenha se inspirado nele para estabelecer sua regra, o cerne de seu pensamento é o Cristo dos primeiros tempos, o Cristo anterior à Igreja Católica. A evidência disso é a estrita observância da pobreza, elemento principal do franciscanismo e que se manifestava totalmente contrário à opulência da Igreja, já consolidada na Alta Idade Média. O pensamento de Francisco revela um fortíssimo senso de interioridade e de subordinação do eu ordinário à vontade superior, em seu caso, uma vontade superior que emana de Deus, mas que ao mesmo tempo se traduz em forma de ação cotidiana nas virtudes da coragem, da generosidade, da compaixão por todos os seres sencientes, da humildade, da simplicidade, da doçura e da alegria. A integridade moral, para Francisco, é exercer todas essas virtudes de bom grado e de bom humor, com base na obediência interna que restringe desejos expansivos e destrutivos. A felicidade, assim, é obedecer as virtudes com alegria, tal como Jesus Cristo pregava.
No mundo de hoje, para o cidadão comum, não é mais possível realizar o voto de pobreza, seguindo o exemplo inscrito na regra de Francisco, todavia, a interioridade humana permanecerá sempre como o único depósito confiável da ética e das virtudes, - deveres humanos - algo que confere caráter universal e grandeza de propósitos à mensagem franciscana. A contemporaneidade se encontra repleta de filosofias externalistas, extremamente perniciosas, já que incapazes de oferecer qualquer solução para o problema da falibilidade dos homens. Segundo tais teorias, o fator impeditivo da felicidade humana, nesse caso claramente confundida com prazer, é uma conspiração externa e independente ao sujeito, advinda, seja de fatores econômicos e políticos, ou existenciais num sentido bem superficial. Admitindo a vontade imediata, irrefreada e isenta de reflexão moral como resposta para a libertação, as filosofias externalistas se mostram não mais do que ilusões paliativas, geradoras de degradação progressiva para o sujeito que não atenta para as verdades da interioridade, dado que o real, em última instância, será sempre independente desse sujeito, indiferente e muitas vezes incompatível com os desejos expansivos. É exatamente em tempos como estes em que, apesar do entusiasmo que a filosofia de Francisco de Assis consegue despertar de maneira mais despreocupada, um exame aprofundado de sua mensagem filosófica, nem sempre merecedor da reflexão devida, se faz mais do que necessário.