Sempre que ocorre um feriado pátrio no Brasil, faz-se a manjada pergunta: "as pessoas sabem o significado do 7 de Setembro, do 15 de Novembro?" Em muitos casos não sabem, porém, o cerne da questão não é nem esse. O mais correto seria questionar se o brasileiro reconhece os caminhos históricos que produziram a Independência do país ou que levaram à Proclamação da República. Nesse caso, o desconhecimento de causa é dos mais gritantes. Enquanto isso, a execução do Hino Nacional em eventos esportivos é obrigatória, bem como dentro das escolas, isso sem falar no folder a respeito do Dia da Bandeira, que foi distribuído nesse mês de novembro para vários estudantes brasileiros; segundo o próprio, respeitar e cultuar a bandeira do Brasil denota educação e civismo. Só mesmo em um país débil como esse verifica-se esta idolatria das externalidades, estas tolas abstrações sem nenhum real significado político.
Considerando a Proclamação da República e o Dia da Bandeira, que se situam no contexto destes dias que estamos vivenciando, o besteirol patrioteiro um vez mais surge como uma espécie de falso consolo perante uma população que mal sabe o que se passou em sua história, o que leva muitos incautos a pensarem confortavelmente que cantar o Hino, reverenciar a Bandeira ou louvar uma República anódina lhes confere indulto moral. Haja besteira!
A República no Brasil foi proclamada por militares positivistas, o que é fato, ao contrário do que tem tentado transmitir um certo revisionismo republicano. Mais do que isso, o positivismo ditou os rumos da Proclamação em um período histórico no qual a filosofia positivista já se encontrava para lá de marginalizada no mundo desenvolvido, entretanto, como retardatário no que quer se refira aos processos de desenvolvimento intelectual, foi o paradigma a dar as cartas do republicanismo no Brasil. O lema "Ordem e Progresso" inscrito na bandeira é a marca indelével do positivismo republicano. Reverenciar o positivismo, uma filosofia rigorosamente falha, ainda por cima um positivismo extemporâneo? Definitivamente, algo está muito errado. O que denotaria educação e conhecimento cívico seria fazer a crítica da bandeira, não cultuá-la. Da mesma forma que o bom alvitre manda refletir criticamente acerca do nosso republicanismo de mentira.
A etimologia do termo "república" vem do latim res publica, isto é, "coisa pública". Daí pode se presumir corretamente que em uma república a população deva ter participação efetiva nas discussões políticas. Aqui é interessante recorrer à Antiguidade Clássica, dado que a própria expressão da cidadania se dá por meio da participação política, como ensinou o legado grego. O cidadão, desse modo, é aquele que debate política. Se grande parte da população brasileira nem sequer sabe ao que se refere o 15/11, nem o significado de "república", quanto mais o que é ser cidadão republicano, indaga-se: o Brasil é um país formado por uma maioria de cidadãos politicamente cônscios de deveres e direitos? O "não" que se faz resposta óbvia é capaz inclusive de oferecer pistas importantes sobre o atual regime político brasileiro, uma ditadura gramsciana implantada com tranquilidade pelo PT.
Montesquieu deixou um contributo essencial no entendimento de um regime republicano. Uma vez que um sistema do tipo deve guardar lugar para a participação efetiva da população nos rumos políticos, não pode de maneira alguma haver concentração de poderes nas mãos de quem governa. É daí exatamente que vem a separação dos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário que, para o pleno funcionamento de uma República, precisam necessariamente atuar autônoma e separadamente. Fica então outra pergunta ao leitor: em quais conjunturas históricas desde 1889 até hoje teve-se no Brasil um quadro político com clara separação dos Três Poderes? Um rápido flashback de lá para cá nos mostra na sequência: uma República proclamada por militares de alta patente, o poder das aristocracias agrárias com seu viés claramente patriarcal, uma era de desenvolvimentismos, ora ditatoriais e populistas, ora mais abertos polticamente, mas sempre economicamente centralizadores, ditadura militar, abertura política da década de 1980, uma tentativa atrapalhada de construir a democracia, governo FHC, com controle da economia e fortalecimento institucional, todavia incapaz de reformas importantes, como a tributária, a partidária e a educacional e, finalmente, o gramscianismo PeTralha. Cento e vinte três anos no total, sendo que de republicanismo, não se contabiliza nem um décimo desse tempo.
A historiografia do revisionismo republicano, se é que pode assim ser chamada, pois se resume a poucos estudos, tem afirmado que a República representou um novo sistema político no qual a população depositava esperanças de melhora. "Esperança"?! Um termo dos mais vagos é o máximo que o republicanismo dos militares pode ter representado, o que basta para reforçar a fragilidade de uma conjuntura republicana sem participação civil. O erro é supor que a essência de um sistema político está na sua forma, não no conteúdo. Se a maior parte da população brasileira assistiu bestializada ao desfile militar de 15/11/1889, segundo o famoso dito de Aristides Lobo, tão bem estudado na obra de José Murilo de Carvalho, e nem mesmo sabia - e continua sem sabê-lo - os significados políticos do republicanismo, de que adiantaria depositar esperanças nele? Teria como cumprir deveres e exigir direitos? Assim como a democracia, a república, sua irmã xipófaga, depende de uma cultura a ser exercida no dia-a-dia. Em um sistema verdadeiramente republicano e democrático a população não vive sob ele, o que faria dela não mais do que uma multidão de súditos, a população o faz viver. Em termos hodiernos, a cultura republicana e democrática se traduz na busca constante do resguardo dos mecanismos de representatividade, no incessante debate político e na livre associação, elementos que devido à estrutura política brasileira, sempre pautada na ideia de que a sociedade existe para o governo, quando o correto seria o oposto, não podem ser colocados em prática.
Os mecanismos de representatividade pouco se fizeram solidamente desde 1889, hoje, estão totalmente viciados pelo gramscianismo. O debate político é quase inexistente em uma sociedade de massas dominada pela ignorância. A livre associação não se pode erigir sobre uma centralização tão avassaladora e onde não há federalismo algum. República e democracia no Brasil, só para quem acredita que a reverência aos símbolos pátrios pode fazer as vezes da correta atuação do cidadão em assuntos realmente capazes de propiciar desenvolvimento ao país. Só o que sobra para estes são o falso consolo e as patéticas manifestações patrioteiras de quem se furta a refletir sobre os tantos problemas que afligem esta combalida nação. É a cara do Brasil!
Excelente texto, Leo Basile. Sem contar que o Império foi muito mais ''respublicano'' do que tem sido a República. Aliás, as oligarquias escravistas caíram no colo dos republicanos tanto pela abolição sem indenização quanto pelas intenções do reformismo abolicionista de fazer a reforma agrária (minha monografia é sobre isso).
ResponderExcluirObrigado, Gabriel! Quando possível, dê mais detalhes sobre seu estudo.
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