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quarta-feira, 24 de julho de 2013

A figura dominante e as ideias no claustro - um conto

"A ignorância produz atrevimento, a reflexão, vagar". Péricles

"Nada é mais presunçoso do que a ignorância ligada à convicção de que se possui ciência". - Erasmo de Rotterdam

Augusto chegou e tão logo sentou-se para aguardar o início do curso. Estava ali sem grandes expectativas, pois já sabia mais ou menos com o que se defrontaria, mas no fundo, nutria um pouco de curiosidade com relação aos detalhes discursivos, conceitos e ideias que seriam expostos por aquela cuja posição ocupada era francamente proeminente.
Naquele lugar, caso o sujeito estivesse imbuído do desejo de obter conhecimento com vistas ao enriquecimento cultural e, mais sublimemente, como condição fundamental na construção da personalidade e fortalecimento do domínio moral, o esforço necessário se mostrava tamanho, que facilmente fazia soçobrar os menos persistentes. Somente nas brechas, no silêncio confidencial e nos momentos crepusculares é que se conseguia escapar dos lugares comuns impostos pela brutalidade do patrulhamento. O maior dos louvores é merecido a todas (e poucas) mentes isentas e verdadeiramente compromissadas com o saber que ousaram estabelecer pontos fora da curva. Outros, a maioria, preferiam aderir por comodidade, fraqueza de espírito, ignorância, ou uma combinação de tais fatores, ao catecismo que sempre iam buscar no século XIX, reeditando-o sem critério e escrúpulos, ao bel-prazer da vã ideologia.
A exposição de Veridiana seguiu dentro do que Augusto esperava. Era o mesmo discurso que ele já havia escutado um bom número de vezes desde que frequentava aquele lugar. Não mudava a característica imprecisa, sendo que o receituário era transmitido em bloco, sem quaisquer distinções em termos de fase ou de modo a enfrentar os problemas filosóficos, históricos, sociológicos ou econômicos da coisa toda. Uma questão de incapacidade? Sem dúvida, haja vista que a conformação do tipo de pensamento que ali se disseminava não ia além de uma deformidade daquilo que já havia surgido em suas próprias origens, como uma enorme deformação. Entretanto, era algo além de incapacidade, uma deformação não apenas epistemológica, mas sobretudo moral. Qual nível de degradação se atinge no apego irracional a dogmas tão equivocados? Questão difícil! A um pano de fundo que, ao mesmo tempo que se mostrava encerrado em seu fatalismo, nunca deixava de fazer apelos à necessidade da práxis, maneira ardil na tentativa de descartar todos aqueles que não compunham o perfil do "novo homem", somava-se uma série de erros grotescos, de natureza conceitual, ou até mesmo puramente cronológica, factual, quantitativa. Augusto teve uma vez mais a nítida impressão de que o programa era erigido com clara intenção prescritiva, o que não era, de modo algum, uma novidade. Ele se remoía em suas entranhas mentais buscando uma explicação capaz de indicar o motivo do fascínio exercido pela figura dominante, contudo, como não poderia deixar de ser, retornava aos mestres: Ortega y Gasset, Albert Camus, Hannah Arendt ou Isaiah Berlin já haviam oferecido contribuições profundas acerca do tema. Ao contrário do que versava o próprio catecismo transmitido por Veridiana e seus pares, cada vez mais percebia a força das ideias! Para o bem, mas infelizmente, mais para o mal, pois o pensamento dominante é pródigo em verbalizar e adotar a sumária estratégia do descarte de tudo o que não tem explicação no seio de sua rigidez paradigmática. Vem daí sua força sedutora, porque ele simplifica a complexidade do real, cria campos opostos, angeliza e demoniza, recorrendo a um suposto curso histórico como forma de ameaçar quem resiste à sedução. O grande Eugen Von Böhm-Bawerk não pensou em outra coisa quando declarou que "as massas não buscam a reflexão crítica: simplesmente, seguem suas próprias emoções; acreditam na teoria (...) porque a teoria lhes agrada".
Houve uma ocasião em que Augusto se utilizou de Tocqueville e de François Furet para argumentar sobre a Revolução Francesa. Pensadores contrários à corrente dominante. Veridiana iria replicar? Não houve réplica alguma. Polidez por parte dela, ou falta de interesse em promover a discussão? Augusto tentou pensar diferentemente, mas o desinteresse era uma evidência. Veridiana dominava burocracias, gerenciava e atuava no que, cinicamente, designava-se por "produção do conhecimento". A tal ponto sua figura estava cristalizada como dominante, que nada precisava desenvolver como contribuição. Raízes se fincavam desde muito tempo e o domínio era não só pragmático como mental, o pior e mais tenebroso de todos os domínios. Uma grande horda de coadjutores cativos estava sempre pronta a defender a figura dominante de Veridiana. Eles se encarregavam de manter vivas as ideias da doutrinadora, mais ainda do que as ideias dela, as ideias daquele catecismo mundano continuamente reproduzido desde que surgiu e se apossou das mentes da multidão. Todos têm alguma noção do legado concreto da doutrina, mas o legado epistemológico é o mais sombrio, aquele que justifica as consequências passadas e presentes em nome de um futuro falso e inatingível. Figura de força, ideias dominantes. Ideias no claustro. Até quando?

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