O preço médio dos ingressos para partidas de futebol no Brasil, atualmente, não é barato. A maioria dos clubes brasileiros possui dívidas significativas e, muitos desses clubes, não têm conseguido gerar receitas, seja em função da gritante falta de organização administrativa que afeta a eles próprios, do descaso da CBF, do calendário do futebol tupiniquim, vetor de campeonatos deficitários e desprovidos de apelo e que impede ainda a realização de pré-temporadas em locais alternativos à praça de cada agremiação, fonte de montantes e marketing largamente adotada pelo europeus, ou devido à distorção promovida pela TV Globo, detentora dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, cuja atuação promove a progressiva "espanholização" do futebol nacional, contribuindo, além disso, com a fuga de patrocinadores, desinteressados de investir em um cenário no qual grande parte dos clubes mal tem a oportunidade de aparecer. Em vista disso, as altas quantias cobradas pelos ingressos acabam se tornando o caminho praticamente único para a obtenção de verbas, mesmo assim, esbarrando na máfia da meia-entrada e devendo-se considerar a questão recente dos programas de sócio-torcedor, em que o pagamento mensal por um plano oferece opções a preços bem mais baixos.
Não defendo que o valor dos bilhetes deva se manter elevado como um todo, descartando a possibilidade dos chamados "ingressos populares", mas no cenário vigente é inevitável que o torcedor venha a se deparar com preços salgados. Alguns clubes têm ensaiado a precificação por demanda, estratégia inteligente pela qual o valor dos ingressos varia de acordo com o apelo de cada partida, o que nada mais é do que uma simples e eficiente lei de mercado, mas que ainda requer maior desenvolvimento e transparência por parte dos dirigentes envolvidos com a coisa.
Comentaristas populistas, vide Flávio Gomes e Lúcio de Castro, conseguem seus minutos de fama com análises rasteiras e recheadas de clichês, como lhes é peculiar. Para eles, está em curso um processo de elitização/higienização do futebol brasileiro com o objetivo de eliminar dos estádios o torcedor de baixa renda, como se o problema girasse em torno do conceito de classe social. Também segundo tais comentaristas, o futebol é uma expressão da cultura popular que vem sendo paulatinamente transformada pelo "futebol negócio".
Visões contaminadas pelo ideologismo esquerdista, além de se mostrarem inúteis, são incapazes de avaliar a complexidade da questão. Em suas vidas particulares os indivíduos agem com base em escolhas e preferências, de modo que nada impede um cidadão de administrar seu dinheiro de acordo com o que melhor lhe aprouver. Há quem prefira ser mais assíduo em partidas de futebol do que comprar livros, ou até do que se alimentar minimamente bem. Por outro lado, é possível ficar juntando dinheiro durante um bom tempo para reformar a casa, comprar um carro ou fazer uma viagem, relegando a ida a jogos de futebol a um segundo plano, bem como gerir os ganhos dando prioridade a fatores como saúde, educação, vestimenta, etc.. E isso não é de hoje: lembro bem dos anos 1980 e 1990, quando
frequentava estádios de maneira regular e cansei de ouvir torcedor
dizendo que havia deixado de comprar leite para poder ir ao jogo. Torcedores cujos ganhos mensais são menores não estão alijados dos estádios: podem obter, legalmente ou não, carteiras de estudante, podem aderir a um plano de sócio-torcedor pagando R$ 20 ou R$ 30 por mês, o que confere bons descontos, podem ainda armar esquemas com organizadas e cambistas (o que não é coibido pelas autoridades), ou simplesmente torrar o que têm e o que não têm indo assistir às partidas. As escolhas valem também, obviamente, para o torcedor mais abastado: ir a um bom restaurante, assistir a um show, comprar um vinho importado ou ir ao estádio ver um bando de perebas às 22 horas em pleno dia de semana? O vazio das arquibancadas, observado desde meados da década de 1980, tem causas múltiplas.
Quem me conhece sabe que tenho ojeriza ao culturalismo, que expurga a liberdade individual em nome de forças culturais abstratas e castradoras, por isso, prefiro admitir a cultura como um fator semi-opcional em relação ao qual as pessoas se inserem mais ou menos em função de suas próprias escolhas, daí justamente a compreensão da cultura a partir do movimento histórico, que lhe confere caráter mutável e aberto. Se algum dia o futebol no Brasil foi realmente expressão da cultura popular, com toda generalização que a ideia traz embutida, sobretudo quando se leva em conta a diversidade cultural que caracteriza um país continental e mestiço, essa cultura se transformou e continuará se transformando. As opções de lazer que hoje estão disponíveis não existiam há trinta ou quarenta anos: internet, TV a cabo, pay-per-view, shoppings, salas de cinema, parques, lanchonetes, tudo isso cresceu de forma exponencial e passou a se apresentar como alternativa em relação aos estádios. É bem verdade que a gama de opções nem sempre é vasta dependendo da cidade ou região, todavia, nesses locais a presença do torcedor nas partidas costuma ser maior. Questão de escolha e de alternativas disponíveis.
Flavio Gomes e Lucio de Castro defendem a continuidade dos campeonatos estaduais, certames deficitários e que deixaram de ter apelo junto às torcidas, aí também um dado revelador de mudanças culturais que eles parecem não notar. A logística que uma partida de campeonato estadual demanda para um clube - pessoal, viagem, transporte, hospedagem, alimentação, material esportivo, iluminação, água e algumas vezes aluguel do estádio - são elementos que, somados às baixas rendas, provocam déficits orçamentários altamente prejudiciais às agremiações. É o cúmulo sustentar a manutenção dos estaduais, que ainda por cima atrapalham o calendário, e depois reclamar dos preços dos ingressos. Risco de violência, horários absurdos de muitas partidas, carência de transporte no acesso aos estádios, dificuldade de mobilidade urbana, campeonatos desinteressantes e mal organizados, elencos repletos de jogadores ruins são fatores negativos que afastam os torcedores dos estádios, independente de classe social. Nunca observo os comentaristas populistas levantando essa temática, quanto menos tentando propor soluções acerca do problema. Se o futebol brasileiro realmente fosse pautado pelo negócio, nos moldes de um Bayern de Munique, por exemplo, não estaria na crise que ora se apresenta. A continuar desse jeito, e tudo indica que assim será, virão outros 7x1 por aí. Motivo para gargalhadas!