Dada
a riqueza e diversidade culturais que fazem parte do Brasil,
facilmente, pode-se afirmar que o patrimônio cultural do país está
espalhado por todo seu território. Os monumentos históricos, os
sítios arqueológicos, os museus e bibliotecas se fazem presentes
nos quatro cantos do Brasil, seja em áreas mais próximas ao
litoral, seja em locais situados na imensidão do interior.
No
entanto, é preciso considerar que o conceito de patrimônio sofreu
uma ampliação a partir de meados do século XX, passando a abarcar
não apenas os bens materiais, mas também as manifestações
imateriais (teatro, música, dança, ritos, culinária...), e os
conhecimentos que dão suporte a tais práticas, ou seja, o chamado
patrimônio imaterial(2). Dessa
perspectiva, o patrimônio cultural não se restringe somente àquilo
que foi oficialmente definido como sendo dotado de valor histórico
ou artístico (uma igreja do Período Colonial ou uma moeda cunhada
em comemoração à Proclamação da República, por exemplo), pois
vai além, abrangendo ainda as apropriações coletivas e
individuais, testemunhos da memória e da história de um povo e das
inúmeras comunidades que o compõem.
De
acordo com tais apontamentos, e já procurando responder ao primeiro
questionamento proposto, é correto pensar que o patrimônio
cultural, não só o do Brasil, mas o de qualquer país ou sociedade,
está em todos os lugares, mas mais do que isso, no cotidiano das
gentes, no seu saber-fazer, em todas as manifestações artísticas e
ritualísticas que trazem embutidos seus sentimentos, seus costumes,
sua memória, sua identidade, sua pertença, enfim, sua história. Um
patrimônio, cuja marca principal, por assim dizer, é a diversidade
cultural.
Ninguém
poderá negar a extrema importância da ampliação do conceito de
patrimônio e do reconhecimento da imaterialidade como um dado sem o
qual o assunto permaneceria incompleto e incapaz de atingir o cerne
de inúmeras manifestações culturais que tecem a rica trama do
cotidiano das sociedades. Não sei exatamente como outros países têm
tratado a questão, embora seja perceptível que no mundo
desenvolvido, o cuidado em relação aos monumentos históricos, bem
como a valorização, em todos os sentidos, no que se refere a museus
e outras instituições culturais, são intensos. Reconhecer a
existência do patrimônio imaterial e estabelecer mecanismos que
possam contribuir com sua preservação não implica, evidentemente,
em esquecer o patrimônio material. Em função de várias experiências que já tive no Brasil e depois de fazer a
leitura de Educação patrimonial:
histórico, conceitos e processos (3),
fica a impressão de que tudo que não se encaixa dentro de uma
certa visão populista é logo relegado ao status de "atraso
conservador".
Quem
percorre nosso país de norte a sul e de leste a oeste, infelizmente, se
depara com inúmeros monumentos e construções históricas
abandonadas e sujeitas ao vandalismo. Falta pessoal para fiscalizar,
falta estrutura que possa fazer do turismo uma atividade rentável e
sustentável, falta educação para tornar o patrimônio reconhecido
e valorizado, não apenas, em termos imediatos, porque ele mantém
relações com esta ou aquela comunidade, mas porque, em âmbito mais
geral, é obra do espírito humano, porque carrega valores que de
alguma forma condensam aspirações estéticas, históricas,
religiosas... As pinturas rupestres da serra catarinense, que
pouquíssimos conhecem e cuja divulgação e preservação dependem
de um punhado de abnegados, ou o complexo de estátuas e esculturas
barrocas de Bom Jesus de Matosinhos, muitas delas vandalizadas pelo
turismo massificado e pela ausência de cuidados, são apenas dois
exemplos que atestam o descaso com o patrimônio brasileiro.
Educação
patrimonial: histórico, conceitos e processos (4),
em muitos momentos, soa como mera e descarada propaganda
governamental. Em nome de um apego populista ao comunitário, ao
local, ao regional, não sobra praticamente nada a respeito do
patrimônio material. Ainda que as políticas governamentais
alcançassem sucesso quanto à preservação do patrimônio imaterial
(o que seria extremamente louvável, mas que na prática só tem
revelado a ineficiência burocrática do Estado brasileiro –
quantas comissões, quantos comitês, quantos órgãos, quantos
seminários e oficinas... ?), nem assim se justificaria a negligência
no que concerne à necessidade de preservação dos bens materiais,
como se esse aspecto já estivesse plenamente resolvido e como se
nossos monumentos recebessem a mesma atenção e cuidado que se
verifica em Pompeia ou em Paris.
Para
finalizar, dois apontamentos: em primeiro lugar, é preciso romper
com o culturalismo pós-moderno, que confunde funcionalidade com
valor, e segundo o qual, tudo o que existe em termos de cultura,
apenas por existir, merece beneplácito (nesse sentido, touradas são
abjetas e execráveis por sua crueldade e sofrimento imputado a seres
vivos, bem como a música funk
atual não tem valor cultural nenhum, já que não traz nada positivo
no que se refere à estética ou aos valores que cultua); e por falar
em funk,
não deixa de ser um paradoxo que tanto apego populista demonstrado
por nossas autoridades, venha tendo resultado inverso ao
alardeado, ou seja, a cultura popular está cada vez mais tributária
de importações estrangeiras, como o próprio funk e o rap, ao passo
que alguns regionalismos genuinamente brasileiros caíram no completo
esquecimento.
Só
posso pensar que estejamos bem distantes da correta preservação de
nosso patrimônio...
NOTAS
1. Este texto foi apresentado ao programa de especialização em Museografia e Patrimônio Cultural do Claretiano-Centro Univesitário para a disciplina "Educação Patrimonial e Educação em Museus", sob a tutoria da Profª. Elza Silva Cardoso Soffiatti. A partir das leituras indicadas, deveriam ser respondidas as seguintes questões: "Onde está localizado o patrimônio cultural do Brasil"?; "Como ele está sendo preservado"? Na versão aqui presente, fiz levíssimas modificações.
2. Verbete “Patrimônio” in DESVALLÉES; Andre; MAIRESSE, François. Conceitos-chave de museologia. Tradução e comentários de Bruno Brulon e Marília Xavier Cury. São Paulo: Comitê Brasileiro do ICOM / Pinacoteca do Estado de SP / Secretaria de Estado da Cultura, 2013, pp. 73 a 77.
3. FLORÊNCIO, S. R. et al. Educação patrimonial: histórico, conceitos e processos. Brasília, DF: Iphan/DAF/Cogedip/ Ceduc, 2014.
4. Idem, ibid.
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