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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A manipulação da linguagem como forma de ignorar a realidade


Nos últimos cerca de 250 anos o ser humano vem sendo quase que frequentemente bombardeado com a ideia segundo a qual a realidade não apenas é algo inatingível, - entendimento, dependendo do enfoque, correto até certo ponto - como principalmente, a aventura que corresponde à busca do conhecimento e que nos deveria servir de motivação moral e existencial, constitui capricho sem importância, concepção perniciosa, no mais alto grau.
É paradoxal que o nível superlativo de desenvolvimento no campo científico e tecnológico observado nesse período tenha sido acompanhado por perspectiva oposta no que concerne ao entendimento filosófico. Mais estranho ainda é o fato de que, se por um lado, os apólogos do relativismo, do culturalismo e do esquerdismo em geral erigiram um muro espesso entre os homens e a possibilidade de se gerar conhecimento, obstáculo apenas passível de ser transposto em caso de aceitação das ideologias e das práxis características de tais corpos doutrinais, elas mesmas eliminadoras do elemento de interioridade no ser humano, por outro, o humanitarismo, que também lhes é típico, induz pessoas desavisadas à crença de que tudo é possível, de que não existe uma ordem moral e espiritual insubornável em relação à qual, em última instância, somos incapazes de promover modificações sob pena de cair no totalitarismo e justificar as maiores atrocidades em nome de causas abstratas e filosoficamente execráveis. As doutrinas que descartam a moral e que tentam fazer da experiência humana um jogo de forças e de vontade de poder jamais poderão legar qualquer ensinamento a respeito da maneira de se lidar com a realidade, dado ontológico que requer resignação, respeito, humildade, coragem e busca de conhecimento.
Não é de se estranhar que, quando não há moralidade, a mentira que assalta a realidade e a distorce de maneira vil, somente de acordo com as conveniências temporais de agentes com objetivos de poder e ávidos por benefícios pessoais, torna-se prática corriqueira. E nunca é demais destacar um dos mantras mais reconhecidamente totalitários, enunciado por Goebbels à época do nazismo, mas já amplamente recomendado e utilizado por Lenin logo após à vitória bolchevique na Revolução Russa: "uma mentira repetida mil vezes se torna verdade".
A linguagem, que no esteio das correntes filosóficas amoralistas (e imoralistas) tanto foi foco de estudos no século XX, ganhou com esses mesmos um status dos mais privilegiados nas tentativas de subornar a realidade. Relativistas e céticos, muito provavelmente por terem percebido que a comunicação de massas rapidamente havia se tornado um processo essencial para que líderes se dirigissem a populações contingencialmente grandes e diversificadas em vários aspectos (é coincidência que todo líder totalitário teve e tenha junto de seu aparato repressivo um departamento de propaganda e um especialista em comunicação?!) na tarefa de conquistar seus corações para a causa ideológica, passaram a defender ferrenhamente a noção de que a realidade não existe (ou de que sua existência não é importante) podendo ser preenchida (ou substituída) inteiramente pela linguagem, um código, não devemos nos esquecer, criado pelo ser humano. Analisada atentamente nesse contexto, a linguagem, antes de servir como campo comum de diálogo e acessório através do qual se pode gerar conhecimento, se torna enunciado da vontade de algum ente poderoso, afinal, assim sendo, ela estaria apta a fazer as vezes do real. Tem-se assim, uma perversa inversão da função da linguagem e do sentido do processo de comunicação. Como identificar uma mentira, nesse âmbito, se o ato de mentir, enquanto tal, não pode ser aferido por algum padrão de realidade?!
Exatamente por ser uma criação humana com função específica, a linguagem não é um Deus ex machina capaz de substituir ou alterar a realidade. A experiência dos homens é complexa, múltipla e se combina a partir de uma miríade de formas e conteúdos de acordo com as atividades que realizamos, inclusive com a linguagem guardando parte considerável em tal arcabouço. Para que seja capaz de exercer sua função na experiência humana, a linguagem necessariamente precisa estar amparada em algo factível, passível de ser imaginado, discriminado e concebido, isto é, ela não é independente da realidade que lhe confere seu núcleo racional, a menos que tributária de uma concepção pobre que não lhe conceda nada que vá além do mero código, sem requerer uma narrativa organizada, uma capacidade de descrever fenômenos e processos com máxima eficácia (ao menos em termos de linguagem denotativa, que é aquela que mais nos interessa para tratar de política e filosofia) e, desse modo, contribuir com a aventura do conhecimento. Em seu caráter intrínseco, a linguagem obedece a determinadas sequências, termos, disposições e componentes que, conforme estejam expressos, assumem significados particulares e que necessitam de discriminação. Também nesse caso, trata-se de um processo construído com base no que é externo à linguagem, ou seja, a própria realidade. Não há como manipular o real fazendo uso da linguagem, pois assim ela se torna estéril, hermética, engessada e desprovida do sentido que lhe confere a possibilidade de gerar conhecimento. Só estando em conexão com a dimensão ontológica é que podemos entender e fazer uso da linguagem como um instrumento a nosso favor, instrumento de entendimento, de conhecimento, de racionalidade, de moralidade, de existência e de experiência.
Sempre que imbecis, caras de pau, corruptos e sem um pingo de caráter dão as caras por aí proferindo discursos baseados não na realidade ontológica, aquela da qual fazemos parte, tenha-se ou não consciência disso, mas tão somente nos estreitos limites de seu mundozinho podre, eles imaginam (com certa dose de razão dependendo do público ao qual se dirigem...) poder vender doses cavalares de mentiras. Contudo, todo indivíduo cônscio, dotado de moralidade e do qual, portanto, a interioridade não pode jamais ser subtraída, carrega consigo a capacidade do discernimento e de identificação do núcleo racional de toda atividade humana. Esses continuarão se opondo e denunciando a vileza torpe dos manipuladores da realidade, afinal, como bem colocou Ayn Rand, "você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade".

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