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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Alexis de Tocqueville: as múltiplas dimensões da história e a questão da igualdade


O ano de 2009 faz completar o sesquicentenário da morte de Alexis de Tocqueville, historiador, sociólogo, filósofo, jurista e moralista francês do século XIX, herdeiro da mais genuína tradição iluminista.
No Brasil, pelo menos até o momento, o fato não foi nem sequer minimamente comentado. Trivial, pois se até nos maiores centros de estudos de Humanidades, como a França, terra-mãe do próprio Tocqueville, ou a Inglaterra, o marxismo ainda predomina largarmente, o que dizer de um país no qual os estudos do tema somente ressoam o que ocorre no Velho Mundo? Justiça seja feita, a exceção fica por conta da editora Martins Fontes, que lançou edição atualizada de O Antigo Regime e a Revolução, um dos clássicos do autor.
Tocqueville, sua obra e todos aqueles que não têm receio em seguir suas ideias, são mal vistos em boa parte dos círculos acadêmicos das Humanidades, tudo, evidentemente, devido a preconceitos ideológicos. Sua origem nobre, apesar do berço nunca ter moldado seu intelecto, bem como o caráter liberal de sua obra, o tornam oposto ao marxismo e à concepção de história das esquerdas revolucionárias. Curiosamente, a grande maioria de seus detratores nunca leu nada de seus escritos, tendo ouvido falar dele apenas superficialmente, como um conservador. Teria acontecido comigo na própria graduação, não fossem a isenção e o conhecimento de professores como os grandes Ottaviano de Fiore e Alexandre Hecker. A ignorância em relação ao pensamento de Tocqueville é ainda normal, se considerado o fato de que os "revolucionários" nem mesmo leram a fundo aquilo que veio da pena do próprio Marx, quanto mais a daquele que é seu antípoda.
A comparação entre Tocqueville e Marx é sempre profícua, já que a despeito da enorme vantagem do segundo em relação à divulgação da obra, o poder de explicação imensamente superior do primeiro fica patente quando o assunto é o valor das reflexões de ambos. Enquanto Marx, possuído por sua visão progresso-cientificista e sustentado pelas verbas do burguês velado Engels, deu à história o peso de uma marcha pré-programada e unívoca, necessitando para tanto elaborar um esquema cheio de etapas simplistas e desprovidas das outras dimensões históricas que não a econômica, Tocqueville erigiu a linha mestra de suas ideias sempre estando presente no palco das ações humanas. Por um lado, como político na velha França, por outro, como pesquisador de campo - algo evidentemente raro na historiografia - na novíssima América da democracia moderna. Ao invés das tautologias classistas de Marx, que lhe fizeram pensar nos sujeitos históricos a partir de características unidimensionais, sem atentar para a noção de que a política, a cultura, a filosofia, a mentalidade, podem elas mesmas direcionar as relações de classe, Tocqueville, de forma bem mais clara e perspicaz, viu nos processos históricos da era Contemporânea o emergir de um elemento novo e comum: a igualdade.
A igualdade para Tocqueville é resultado de um processo histórico fruto da imbricação entre as várias dimensões históricas e os sujeitos históricos que perfazem a coletividade, também eles imbuídos e partícipes dessas dimensões. Não é um elemento inexorável, produto único e exclusivo de uma história que não é reconhecida pelo elemento humano, empreendida tão somente pelas forças meta-históricas da Economia, como para Marx, no que então ela não seria mais do que uma consequência da base material. Na obra de Tocqueville, a igualdade é gestada na história, passível de avanços e retrocessos, é uma tendência da modernidade, ratificada ou não de acordo com as variações na forma dos sujeitos sociais entenderem e atuarem sobre as dimensões históricas. Em Tocqueville, a igualdade não é uma situação forçada e a-histórica de condições a fortiori, uma igualdade de resultados, como nas reflexões marxianas, mas sim um desejável sinal de avanço social e histórico fruto da gestão inteligente dos problemas humanos em sociedade, por assim dizer, uma igualdade de oportunidades.
É de suma importância ressaltar que, segundo Tocqueville, a igualdade só é fecunda se acompanhada de liberdade, uma inteligente sutileza teórica do francês, observada por ele na prática, que nos leva a perceber que em sociedades adaptadas à modernidade, os interesses individuais se coadunam com os públicos. Já no caso de Marx, a liberdade só chega (na realidade não chega, mas sim a opressão da ditadura do partido único) após o banho de sangue da revolução, desfecho da necessidade pré-estabelecida da derrubada da "sociedade burguesa" e instauração do comunismo, típica aberração de uma teoria que perde de vista qualquer elemento de ética iluminista. Como já frisei em outra ocasião, Marx leu Hobbes, mas não aprendeu muita coisa. Marx não percebeu, assim como os marxistas não percebem, que o comunismo sempre descamba no próprio Leviatã hobbesiano, com a diferença importante de que na obra do inglês, o controle social tem uma base contratual, não revolucionária. O que garantiria a harmonia do estado sem classes se o primeiro impulso humano é a autopreservação? Marx é muito mais um romântico, fanático pelo lumpem e pelo anti-semitismo, do que um discípulo do Iluminismo.
Tanto Tocqueville como Marx foram homens do século XIX e, enquanto o primeiro observou a tendência da igualdade na contemporaneidade, o segundo previu o fim do capitalismo. Passado um século e meio desde então, não só o capitalismo mostra capacidade de renovação e, claramente, potencial para reduzir desigualdades, fato que qualquer um que não seja dominado por paixões ideológicas consegue notar, como também a teoria marxiana, invariavelmente quando tentada na prática, pariu os lênins, os stálins, os maos, os pol pots e os fidéis da história. Cada um que escolha quem foi o mais perspicaz...

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