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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Republicanismo e ideias autoritárias na América Espanhola


A figura pomposa e as ideias apenas aparentemente louváveis de Simon Bolívar são presença mais do que constante nos livros didáticos de História e até de Geografia do Ensino Básico no Brasil, são obrigatórias, uma profissão de fé para cientistas humanos que permanecem ainda hoje centrando suas análises em paixões ideológicas, em conceitos ultrapassados e carentes de rigor científico. Nesses manuais, Bolívar aparece da maneira mais descarada possível como "o libertador", tornando a atuação histórica de homens como Sucre, O´Higgins e sobretudo San Martín, relegada ao plano do absoluto esquecimento. Não para por aí, sendo que o ideário do venezuelano é apresentado de modo a fazer o estudante entendê-lo como perfeitamente plausível, apenas não tendo logrado sucesso devido às forças de uma elite, a qual os autores nem se esforçam para qualificar por quem foi composta ou quais eram seus interesses, que inclusive - e obviamente essa é uma informação omitida - muitas vezes se assemelhavam muito aos do próprio Bolívar.
Fazer da América Espanhola uma só nação pós independente, a Gran Colômbia, nome em homenagem, vejam só os paradoxos da história, a Cristóvão Colombo, o europeu que primeiro pisou na América, ao menos considerando aquilo que é documentado. Esse foi o maior intento de Bolívar, ele que como todo criollo dos séculos XVIII e XIX, estudou na Europa e manteve contato com o pensamento iluminista. Quem enxerga a América Espanhola em toda sua diversidade, quem sabe esmiuçar a mentalidade política de Bolívar e quem principalmente conhece as possibilidades de florescimento de um sistema livre e republicano, logo vê que a ideia bolivariana jamais passou de megalomaníaca e autoritária.
O libertador da esquerda tradicional, na realidade, sempre se autoprojetou como um Napoleão dos trópicos, justo o corso, que na política, representou a negação dos ideais iluministas, inicialmente norteadores da Revolução Francesa. Os trajes militares e o cavalo branco, emulados do déspota europeu, não deixam enganar. Bolívar sempre manteve o claro objetivo de governar autoritariamente a Gran Colômbia e exercer seu despotismo sobre uma massa de gente inculta. O caudilhismo dos chefes locais suplantou o bolivarianismo, mas essa fragmentação do poder, apenas fez surgir filhotes do tirano-pai, não mudou tanta coisa, talvez tivesse sido ainda pior se ele conseguisse seu intento.
O argentino San Martín lutou tanto quanto Bolívar pela independência da América Espanhola, mas seu nome não tem merecido nem sequer mínimas menções em nossos manuais escolares. Ora, por que? A resposta é simples: as ideias de San Martín são contrárias ao marxismo das velhas esquerdas. San Martín fora um liberal-republicano e, ao comandar exércitos de libertação na América Espanhola, desejava que as terras livres pudessem fazer brotar verdadeiras repúblicas nas ex-colônias. Cedo ele notou que a sanha de poder de homens com o mesmo pensamento de Bolívar constituía obstáculo fortíssimo ao republicanismo democrático, além do que a própria ignorância política deixada por mais de três séculos de exploração, tornava pobre o solo da ideia liberal.
San Martín também estudou na Europa setecentista, captou com senso agudo os ensinamentos de Voltaire, Montesquieu, Condorcet, Kant e adquiriu o conhecimento de que sistemas livres nascem do seio da própria sociedade, dependem de uma cultura democrática, que se gesta lentamente nas mentes da população, requerem atuação política, separação entre público e privado, noção sofisticada de ética, gosto pela história, pela filosofia, pelas artes, tudo que infelizmente não se via na recém independente América Espanhola, contexto que serviu de prato cheio para líderes autoritários, entre os quais Bolívar foi só mais um. Diante de tal quadro social, San Martín lavou as mãos e, tendo cumprido o papel na luta pela independência, se retirou de cena e voltou à Europa. A glória pessoal e o poder definitivamente não lhe atraíam, afinal, era um liberal.
Hoje em dia, o maior herdeiro político de Bolívar só poderia mesmo ter surgido num país miserável como a Venezuela. Trata-se de Hugo Chávez, ditador e fanfarrão, cujas ideias vão na contramão do mundo moderno e da integração socioeconômica que a globalização requer. Oxalá o povo venezuelano continue bravo em sua luta pela liberdade do país. Está difícil, Chávez já até espalhou suas crias pelo continente, vide o cocaleiro-déspota Evo Morales, que em nada representa as etnias indígenas bolivianas.
A continuarem os estudantes latino-americanos sendo ensinados que Bolívar foi exemplo de ideário político, o continente permanecerá sofrendo da miséria. Já é mais do que hora de resgatar San Martín de seu exílio.

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