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terça-feira, 27 de outubro de 2009

O mito do Povo Feliz


De modo geral, como já cansei de destacar neste espaço, o brasileiro praticamente não possui senso da realidade. O brasileiro é festivo, adora o prazer fácil, mesmo que efêmero e o pior disso, é que confunde felicidade com prazer. É devido a essa visão das coisas, que muitos dentre nós costumam afirmar que "apesar de tudo, o Brasil é um país bom porque nosso povo é feliz". Em nome de uma suposta "felicidade", esquece-se o "tudo".
A felicidade, levando-se em conta uma análise filosófica do termo, e até mesmo científica, haja vista o avanço no campo da neurociência nos dias de hoje, é um estado da mente, um estado interior, subjetivo, que pouquíssimo mantém relação com dados da realidade externa. Não existe parâmetro definitivo e único para medir-se objetivamente a felicidade, não pelo menos no sentido mais comum do termo, que é justamente aquele que muitas pessoas querem fazer valer. Considerada essa colocação, quando se discute a respeito dos problemas de um país, o que interessa são os fatos passivos de quantificação e qualificação objetivas, tais quais o acesso ao lazer, à cultura, a renda per capita, as condições de saúde e educação. Não são necessariamente aspectos que determinam grau de felicidade, seja de indivíduos, muito menos de uma sociedade, e nem faz parte do escopo das ciências estatísticas aplicadas à análise social, medir a felicidade de uma nação, algo que seria impossível e inócuo.
Não há fundamento algum em afirmar que um país é bom porque seu povo é feliz. Trata-se de um equívoco grosseiro, próprio da mentalidade brasileira, que não diferencia, como já exposto, felicidade de prazer e que pouco domina a noção de que desenvolvimento e prosperidade são conceitos objetivos, assim como subdesenvolvimento, pobreza e miséria. Obviamente é possível ser feliz na pobreza e infeliz na riqueza, as religiões e algumas tradições filosóficas ensinam tal coisa, São Francisco de Assis e os estudos de Durkheim sobre o suicídio fornecem mostras convincentes que evidenciam as duas asserções. Isso serve para indicar que os problemas de um país nada têm que ver com a felicidade das pessoas. Que cada um seja feliz em seu estado particular de espírito. Existem aqueles que se sentem felizes sendo masoquistas, há os que "são felizes por serem católicos", já eu, sou feliz por ter a certeza de que as religiões são falácias fantasiosas e por prescindir totalmente de qualquer mensagem religiosa. Há os que são felizes por terem formado uma família, há os que preferem ser solteiros e felizes, existe também quem seja feliz com sua escolha profissional e com seu trabalho, há por outro lado, pessoas inteiramente insatisfeitas com a atividade que exercem, tal qual esse que vos escreve. Há exemplos infindáveis. Nada disso exime o cidadão de estar atento e de considerar as tantas mazelas que fazem parte do cotidiano desse país. É a velha noção do reconhecimento, por parte desse cidadão, de que ele possui responsabilidades e deveres. Do contrário, se fosse uma questão de "felicidade", o cidadão deixaria de lado sua condição pública e se tornaria um autômato autossuficiente, vivendo dentro de uma bolha apartada do mundo exterior. Lá dentro, ele poderia curtir sua felicidade. Muitas sociedades caíram ao longo da história justamente pelo fato de que as virtudes públicas foram jogadas para escanteio em nome do prazer privado. Foi assim na Grécia pós Guerra do Peloponeso, na Roma do Baixo Império ou, como no nosso caso, das democracias massificadas da contemporaneidade, perigo já apontado pelo grande Tocqueville.
Com tudo isso, não estou afirmando que outros países não têm problemas, pois todos eles os têm, em maior ou menor grau. O ser humano é imperfeito e, dessa forma, os problemas de uma sociedade são parte dela, independendo de serem os problemas do Brasil, da Holanda, da China... O que muda, é essencialmente a forma de encarar os problemas e o modo como são pensadas as possíveis soluções ou amenizações dos mesmos. Dar de ombros e desdenhar dos problemas não conduz à felicidade alguma e confundir festividade tola com desenvolvimento e prosperidade é próprio de uma visão de mundo irresponsável e fantasiosa.
Felicidade é um aspecto subjetivo. Problemas, soluções, desenvolvimento e prosperidade são dados objetivos, passíveis de análise social, pertencem ao coletivo de uma nação, não a um estado de espírito individual. O brasileiro é alheio à realidade, faz de conta que a corrupção na política, a guerra civil no Rio de Janeiro e em São Paulo, ou a nossa péssima educação não são com ele. Brasileiro quer "curtir", por isso estabeleceu-se entre nós o mito do Povo Feliz.

Um comentário:

  1. Algum verme digital postou para esse artigo um comentário imbecil, digno do mais puro analfabetismo, que nada tinha a ver com o assunto exposto. Obviamente recusei.

    Um recado para vossa senhoria: sendo quase analfabeto e, evidentemente incapaz de discutir ideias, aconselho que vá fazer exercícios manuais na região pélvica, algo que pouco irá requerer de seu cérebro limitadíssimo.

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