Certa vez, num livro de entrevistas, a historiadora Emília Viotti da Costa afirmou sempre ter duvidado da existência de uma mentalidade nacional, comum a diferentes classes e grupos em um país tão diverso como o Brasil. Assim, ela fez sua crítica ao conceito de “homem cordial”, formulado por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Equivocou-se a historiadora. Equivocou-se, pois não foi capaz de enxergar que em sociedades de massa, a tendência é justamente o afloramento do que é mais típico de uma mentalidade.
Na década de 1930, quando da publicação da obra norteadora sobre a formação do Brasil, o país consolidava-se como nação, pleiteava, ao menos formalmente, uma colocação dentre as nações modernas e, se assim pudermos chamar, tornava-se um país de massas. Buarque de Holanda, arguto como sempre, viu nesse novo Brasil a emergência da cordialidade como traço mais profundo e mais definidor da mente do brasileiro comum. Advinda historicamente da maneira como fora colonizado o país, a cordialidade encontrou na era Vargas a confluência ideal de fatores humanos para seu estabelecimento definitivo. A cordialidade, se bem entendida, consiste em patrimônio imaterial da cultura brasileira, com todo sarcasmo que isso implica.
A atual conjuntura vivida pelo Brasil, governado por Lula, demarca nitidamente a cordialidade como elemento característico da forma de pensar de nosso povo. Um dos desdobramentos mais evidentes da cordialidade é a comoção gerada por eventos festivos que supostamente conferem à nação um ar de importância e engrandecimento. Ufanismo. Virou moda, de uns meses para cá mais do que nunca, gritar aos quatro ventos que o status alcançado pelo Brasil junto a chefes de Estado e à opinião pública no exterior atingiu níveis altaneiros. O Brasil é o país do momento! Lula é o cara, segundo Barack Obama. O verdeamarelismo se deleita em seu mais intenso orgasmo. Quem acha que não, quem não vê nisso nada mais do que cordialidade ufanista é, segundo o festivo presidente brasileiro, chato, ranzinza e do contra. Vários brasileiros, imersos na euforia e no sambinha de Copacabana, concordam. Não lhes ocorre que a atitude blasé diante do otimismo infundado possa estar embasada em análise fria e racional, distante do picadeiro no qual a cordialidade hipnotiza os incautos.
Em boa parte, a festinha verde e amarela se deve ao fato do Rio de Janeiro ter sido escolhido como sede das Olimpíadas em 2016. Some-se a isso, o outro evento esportivo, a Copa do Mundo do Brasil em 2014. Olimpíadas e Copa do Mundo, eventos efêmeros que durarão um mês, o suficiente para a alegria do povo, o suficiente para quase tornar completo o set list da esbórnia coletiva. Acríticas e seduzidas pela propaganda governamental, característica de governos autoritários, as massas se esqueceram rapidinho do legado do Pan-2007, no qual o dinheiro público foi gasto a rodo, sem que as instalações pudessem deixar legado algum, sequer para a população do próprio Rio de Janeiro. Não vai mudar na Copa, nem nas Olimpíadas, a menos que se crie um comitê civil totalmente independente para fiscalizar os gastos. Mas quem vai pensar nisso enquanto estiver anestesiado pela catarse do verdeamarelismo? Não há, nem de longe no Brasil, cultura democrática suficiente para tal ato. Além disso, os interesses políticos obviamente não permitiriam uma tal ingerência democrática em seus negócios. Seria de um liberalismo político impensável num regime centralizador. O método mais correto, no entanto, seria fazer com que a verba para a construção das instalações necessárias viesse da iniciativa privada. Por razões elementares de cunho ideológico, algo do tipo não é nem sonhado pelo governo, tampouco atenderia aos tais interesses políticos.
Cabe ainda deixar claro que o desenvolvimento de um país nada tem a ver com eventos esportivos que nele se realizem. Não é preciso Copa do Mundo ou Olimpíadas para serem feitas as urgentes melhorias e reformas que o Brasil requer, elas sim geradoras de desenvolvimento. Só que as mesmas não conferem votos, são de efeito a médio e longo prazo, enquanto os eventos esportivos apresentam fachada deslumbrante e destilam o mesmo poder de sedução que faz o barqueiro naufragar perante o canto da sereia. A cordialidade incapacita o povo festivo de enxergar a política do pão e circo por trás desse contexto. Só uma pergunta: diante da falência completa do futebol nas três regiões mais pobres do país, onde os clubes estão endividados até os cotovelos, onde os estádios na maior parte das ocasiões permanecem vazios, o que será feito dos elefantes brancos que estão sendo construídos com dinheiro público para a Copa após o evento? Se alguém tiver ideia, comente, por favor.
Deixando de lado os acontecimentos de fachada e buscando fatores de análise que, por seu caráter mais técnico, não se colocam no horizonte das massas em catarse, torna-se inconteste a falácia da bonança tupiniquim. No que tange ao comércio mundial, a participação do Brasil considerando todos os setores da economia, fica em torno de 2%. Índice risível, que só não é mais baixo por conta do agronegócio. Ora, um país desenvolvido não pode depender apenas do setor primário, além disso, como o Brasil investe pouco em pesquisa de meio ambiente, os efeitos do agronegócio sobre a natureza são pouco debatidos e as possibilidades de atenuá-los estão distantes. Se o Programa Nacional de Direitos Humanos do governo petista for aprovado no Congresso, então até mesmo o agronegócio estará seriamente ameaçado. No setor industrial, o Brasil vem perdendo fatias de mercado, já que os investimentos em tecnologia e logística são parcos, bem como a corrupção sistemática e a carga tributária exacerbada constituem-se em fortíssimos entraves à produção. Finalmente, o terciário pouco qualificado em face de uma educação falida, nada representa em termos práticos sobre a participação brasileira no comércio mundial.
Levando em conta outros aspectos importantes que perfazem o cálculo do IDH, os índices do país se mostram igualmente bem aquém do desejável. É assim com a educação, com a saúde e com a renda per capita. Nesse último quesito, o assistencialismo petista enforca a classe média, a mais produtiva do país, com uma quantidade imensa de impostos e transfere a renda aos mais pobres, sem que isso evidentemente os tire da pobreza e lhes permita acesso a oportunidades.
Há motivos para acreditar que o Brasil é o país do momento? Só entre quem é dominado pelo ufanismo cordial. Há quem sempre vá se lembrar das palavras elogiosas de Obama em relação a Lula, ou que vá ainda mencionar a eleição do presidente festivo como personalidade do ano por jornais da França e da Espanha. Mero joguete diplomático, especialmente em relação à França, que está prestes a vender aviões de caça ultrapassados ao Brasil. Lula vai salvar a Dassault da falência, a fabricante dos jatos. Já de minha parte, eu veria com bons olhos se algum pesquisador brasileiro tivesse faturado um Nobel, mas devo me lembrar sempre que pesquisa e ciência não são coisas afeitas à cordialidade. Nenhum, entre os brasileiros típicos, valorizaria devidamente um conterrâneo ganhador de Nobel. É a cara do Brasil...
Na década de 1930, quando da publicação da obra norteadora sobre a formação do Brasil, o país consolidava-se como nação, pleiteava, ao menos formalmente, uma colocação dentre as nações modernas e, se assim pudermos chamar, tornava-se um país de massas. Buarque de Holanda, arguto como sempre, viu nesse novo Brasil a emergência da cordialidade como traço mais profundo e mais definidor da mente do brasileiro comum. Advinda historicamente da maneira como fora colonizado o país, a cordialidade encontrou na era Vargas a confluência ideal de fatores humanos para seu estabelecimento definitivo. A cordialidade, se bem entendida, consiste em patrimônio imaterial da cultura brasileira, com todo sarcasmo que isso implica.
A atual conjuntura vivida pelo Brasil, governado por Lula, demarca nitidamente a cordialidade como elemento característico da forma de pensar de nosso povo. Um dos desdobramentos mais evidentes da cordialidade é a comoção gerada por eventos festivos que supostamente conferem à nação um ar de importância e engrandecimento. Ufanismo. Virou moda, de uns meses para cá mais do que nunca, gritar aos quatro ventos que o status alcançado pelo Brasil junto a chefes de Estado e à opinião pública no exterior atingiu níveis altaneiros. O Brasil é o país do momento! Lula é o cara, segundo Barack Obama. O verdeamarelismo se deleita em seu mais intenso orgasmo. Quem acha que não, quem não vê nisso nada mais do que cordialidade ufanista é, segundo o festivo presidente brasileiro, chato, ranzinza e do contra. Vários brasileiros, imersos na euforia e no sambinha de Copacabana, concordam. Não lhes ocorre que a atitude blasé diante do otimismo infundado possa estar embasada em análise fria e racional, distante do picadeiro no qual a cordialidade hipnotiza os incautos.
Em boa parte, a festinha verde e amarela se deve ao fato do Rio de Janeiro ter sido escolhido como sede das Olimpíadas em 2016. Some-se a isso, o outro evento esportivo, a Copa do Mundo do Brasil em 2014. Olimpíadas e Copa do Mundo, eventos efêmeros que durarão um mês, o suficiente para a alegria do povo, o suficiente para quase tornar completo o set list da esbórnia coletiva. Acríticas e seduzidas pela propaganda governamental, característica de governos autoritários, as massas se esqueceram rapidinho do legado do Pan-2007, no qual o dinheiro público foi gasto a rodo, sem que as instalações pudessem deixar legado algum, sequer para a população do próprio Rio de Janeiro. Não vai mudar na Copa, nem nas Olimpíadas, a menos que se crie um comitê civil totalmente independente para fiscalizar os gastos. Mas quem vai pensar nisso enquanto estiver anestesiado pela catarse do verdeamarelismo? Não há, nem de longe no Brasil, cultura democrática suficiente para tal ato. Além disso, os interesses políticos obviamente não permitiriam uma tal ingerência democrática em seus negócios. Seria de um liberalismo político impensável num regime centralizador. O método mais correto, no entanto, seria fazer com que a verba para a construção das instalações necessárias viesse da iniciativa privada. Por razões elementares de cunho ideológico, algo do tipo não é nem sonhado pelo governo, tampouco atenderia aos tais interesses políticos.
Cabe ainda deixar claro que o desenvolvimento de um país nada tem a ver com eventos esportivos que nele se realizem. Não é preciso Copa do Mundo ou Olimpíadas para serem feitas as urgentes melhorias e reformas que o Brasil requer, elas sim geradoras de desenvolvimento. Só que as mesmas não conferem votos, são de efeito a médio e longo prazo, enquanto os eventos esportivos apresentam fachada deslumbrante e destilam o mesmo poder de sedução que faz o barqueiro naufragar perante o canto da sereia. A cordialidade incapacita o povo festivo de enxergar a política do pão e circo por trás desse contexto. Só uma pergunta: diante da falência completa do futebol nas três regiões mais pobres do país, onde os clubes estão endividados até os cotovelos, onde os estádios na maior parte das ocasiões permanecem vazios, o que será feito dos elefantes brancos que estão sendo construídos com dinheiro público para a Copa após o evento? Se alguém tiver ideia, comente, por favor.
Deixando de lado os acontecimentos de fachada e buscando fatores de análise que, por seu caráter mais técnico, não se colocam no horizonte das massas em catarse, torna-se inconteste a falácia da bonança tupiniquim. No que tange ao comércio mundial, a participação do Brasil considerando todos os setores da economia, fica em torno de 2%. Índice risível, que só não é mais baixo por conta do agronegócio. Ora, um país desenvolvido não pode depender apenas do setor primário, além disso, como o Brasil investe pouco em pesquisa de meio ambiente, os efeitos do agronegócio sobre a natureza são pouco debatidos e as possibilidades de atenuá-los estão distantes. Se o Programa Nacional de Direitos Humanos do governo petista for aprovado no Congresso, então até mesmo o agronegócio estará seriamente ameaçado. No setor industrial, o Brasil vem perdendo fatias de mercado, já que os investimentos em tecnologia e logística são parcos, bem como a corrupção sistemática e a carga tributária exacerbada constituem-se em fortíssimos entraves à produção. Finalmente, o terciário pouco qualificado em face de uma educação falida, nada representa em termos práticos sobre a participação brasileira no comércio mundial.
Levando em conta outros aspectos importantes que perfazem o cálculo do IDH, os índices do país se mostram igualmente bem aquém do desejável. É assim com a educação, com a saúde e com a renda per capita. Nesse último quesito, o assistencialismo petista enforca a classe média, a mais produtiva do país, com uma quantidade imensa de impostos e transfere a renda aos mais pobres, sem que isso evidentemente os tire da pobreza e lhes permita acesso a oportunidades.
Há motivos para acreditar que o Brasil é o país do momento? Só entre quem é dominado pelo ufanismo cordial. Há quem sempre vá se lembrar das palavras elogiosas de Obama em relação a Lula, ou que vá ainda mencionar a eleição do presidente festivo como personalidade do ano por jornais da França e da Espanha. Mero joguete diplomático, especialmente em relação à França, que está prestes a vender aviões de caça ultrapassados ao Brasil. Lula vai salvar a Dassault da falência, a fabricante dos jatos. Já de minha parte, eu veria com bons olhos se algum pesquisador brasileiro tivesse faturado um Nobel, mas devo me lembrar sempre que pesquisa e ciência não são coisas afeitas à cordialidade. Nenhum, entre os brasileiros típicos, valorizaria devidamente um conterrâneo ganhador de Nobel. É a cara do Brasil...
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