A primeira vez que fui dormir com a sensação de que vivo num país sério foi quando o marqueteiro do ex-presidente Lula, Duda Mendonça, foi preso por prática de rinha de galo. Obviamente, voltei à realidade quando nada aconteceu a ele e o delegado, responsável pela prisão, foi transferido.
Recentemente, tive essa mesma sensação. Não é para menos, afinal, não é sempre que se tem uma decisão favorável à liberdade de expressão. Muito menos, quando se defende o direito de falar sobre maus tratos cometidos contra animais.
Em 2007, os organizadores do rodeio de Barretos, Os Independentes, ingressaram em juízo contra a PEA - Projeto Esperança Animal, uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) por esta haver divulgado em seu web site informações sobre todo tipo de sofrimento a que os animais são submetidos nesse evento.
Todas as informações eram baseadas em laudos elaborados por médicos veterinários que atestaram o quanto é cruel se utilizar o sedém (artefato de couro que aperta a região dos testículos do boi, fazendo-o pular como um touro bravio) e dar choques, pontapés e socos no touro, ainda no brete, antes de sair para a arena. Não há um laudo, mas vários provando a mesma coisa, ou seja, que rodeios causam maus tratos nos animais. Faço aqui, apenas, um resumo minúsculo diante do vasto estudo realizado pelos profissionais que verificaram, para se ter uma ideia, que os animais de rodeio deveriam ter a diminuição das pupilas devido à grande exposição às luzes do evento, porém, ocorre o inverso, a dilatação das pupilas (midríase), que é uma das reações do animal ao medo e ao sofrimento. A esta reação, acrescente-se a taquicardia, o aumento da pressão arterial, entre outras.
Não temos conhecimento de laudos que atestem que o animal pula porque é bravio e que os animais não sofrem. O que existe é um laudo que afirma que o animal pula porque sente cócegas.
Há dois pontos que parecem muito pouco verossímeis nesse laudo. O primeiro é a dúvida quanto a saber como alguém consegue provar que um animal sente cócegas. A não ser que o touro caia no chão, de barriga para cima, se matando de tanto rir, não vejo como provar de outra forma. O outro detalhe é que tal laudo foi assinado por um médico veterinário que era membro dos Independentes. Parcial, não-isento, portanto.
Voltando ao processo, apesar de toda informação divulgada ter sido baseada em documentos e fatos, já que a PEA publicou os nomes da maioria das empresas que patrocinavam rodeios, para que as pessoas que levam suas vidas de acordo com princípios éticos, repudiando empresas causadoras de qualquer mal aos animais, pudessem fazer suas escolhas, a PEA foi condenada por um juiz de Barretos a retirar todo o material do site sob pena de multa diária. Inconformada, a associação recorreu, contando com a experiência e conhecimento dos desembargadores do Tribunal de Justiça. Outra decepção, pois a corte manteve a censura.
Importante registrar aqui que o site não mencionava o rodeio de Barretos e sim, falava em “rodeios”. Os magistrados ignoraram isso, cedendo aos apelos do autor da ação, imaginando (sim, porque não leram a defesa) que estava escrito que Barretos maltrata animais.
O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal na esperança de se reestabelecer a liberdade de expressão, direito fundamental garantido pela Constituição Federal. Foi o que ocorreu e, numa decisão histórica, o Ministro Joaquim Barbosa devolveu à associação, à população e ao país o direito de se expressar e estar ciente da verdade. Verdade essa que ganha ainda mais importância na medida em que vai contra uma máquina poderosa e rica, que movimenta empresas, políticos e interesses, verdade que defende seres que não falam, não votam e que não têm poder nem dinheiro, mas que têm direitos em relação aos quais é dever do ser humano estar atento, zelar e respeitar. Basta que uma pessoa decida fazer o que é certo para que as coisas funcionem como deveriam. Parabéns ao ministro e obrigada! Agora nos resta aguardar pela decisão do Plenário do STF. Se os demais magistrados seguirem o relator, os animais agradecem.
* Este texto foi escrito por Fernanda Bonagamba, no qual eu apenas colaborei com algumas linhas.
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