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domingo, 20 de novembro de 2011

Manifestações muito válidas de indignação


O filósofo político Renato Janine Ribeiro escreveu no Estado de São Paulo de hoje um artigo ("Inimiga da república") versando sobre a corrupção no Brasil. Segundo o autor, é um assunto que não pode ser tratado a partir de viés partidário, ou seja, a crítica à corrupção tem que ser total e incondicional, não somente feita se estiverem em jogo preferências por um ou outro partido. Assim, quem fica indignado contra corrupção praticada pelo partido X, deve manter postura idêntica se for levada a cabo pelo partido Y, do contrário, estará incorrendo em extrema incoerência.
Janine está certíssimo nesse aspecto, porém, parece não ir a fundo nas implicações morais que seu próprio ponto de vista enseja. No mesmo artigo o autor julga que as manifestações de indignação dirigidas aos corruptos são vazias, uma vez que aqueles que criticam não oferecem propostas para o Brasil. Aí cabe então a pergunta: desde quando ser intolerante em relação a um modo de agir criminoso exige, como complemento, indicar propostas? Um professor de ética como ele não poderia desconsiderar jamais que, se existe uma situação na qual a moral é jogada no lixo, ser intolerante em relação a esta situação adquire um valor por si só.
O pior é que Janine usa o Facebook como fonte para corroborar sua ideia. Convenhamos que a rede social não fornece o melhor indicativo quando se tem o objetivo de refletir acerca da política de uma nação, sobretudo se essa nação é o Brasil. A maior parte dos brasileiros não saberia propor soluções aplicáveis para a política brasileira, simplesmente porque não possui instrumental para tanto e porque vivemos sob uma democracia representativa, na qual cabe justamente aos representantes eleitos a tarefa de coordenar as ações políticas. Se eles não o fazem em nosso país, tem sido acima de tudo por conta dos gravíssimos e frequentes desvios de conduta, logo, tudo que seja para repudiar a corrupção é de total validade e importância. A democracia brasileira ainda não se consolidou e está longe disso, o que nos revela que seria esperar demais que os brasileiros fizessem, no momento, algo além do que se indignar contra a corrupção, um mal que se instalou nas entranhas da política nacional.
Janine teria se saído bem melhor se constatasse o mais evidente, isto é, o fato de que são poucos os brasileiros que se mostram indignados contra uma corrupção que se tornou institucionalizada no governo do PT, partido que sempre se colocou como paladino da ética enquanto esteve fora do poder. Depois que o conquistou, passou a tratar do tema como preciosismo/moralismo burguês. O populismo lulista soube se aproveitar bem dos desejos mais prementes da população carente e mesmo de boa parte das classes médias urbanas, o que resultou na passividade política que domina a fragilizada democracia brasileira. Bom para quem ocupa o poder e que pretende mantê-lo sobre traços autoritários.
Por sorte, e talvez por uma centelha de percepção, o cenário dá sinais de mudança, aponta que a intolerância contra a corrupção tem aumentado, sendo isso exatamente o que nosso autor observou no Facebook. Ao mesmo tempo em que a rede social representa apenas uma excrescência do universo político, pouco ainda diante de tantas mazelas, é também motivo para se ter alguma esperança, afinal de contas a passividade reinou sozinha de 2003 para cá, levando o lulismo a um grau de aceitação e aprovação completamente incompatíveis com o governo que era realizado. Notando que existem indicativos de alteração na atmosfera, Janine poderia ter visto a coisa de modo positivo, mas como alguém que ainda consegue enxergar no PT um partido comprometido com a democracia, acaba por ir na contramão daquilo que ele mesmo condena, acertadamente, como sendo partidarismo, ao invés de intolerância contra a corrupção em essência. O autor deveria ter a coragem e o desprendimento necessários para atacar a corrupção insitucionalizada no governo petista, reforçando que foi com Lula e obedecendo ao discurso, à postura e as medidas do ex-presidente, que as práticas políticas ignominiosas passaram a ser não só aceitas, o que já é uma aberração, mas também legitimadas. Toda corrupção, por mais ínfima que seja, merece repúdio, mas é a corrupção sistemática e institucionalizada que mais torna enferma a vida política de um país, pois é aí que passa a ser vista como algo corriqueiro, levando por sua vez, à apatia e à passividade da população. Se o povo tem dado algumas demonstrações de estar farto de tamanha corrupção, fenômeno observado por Janine, é motivo de louvor que não pode ser desprezado.
O autor crê que a discussão política no Brasil é pobre, uma afirmação absolutamente óbvia, sendo estranho, desse modo, que ele negue a validade de sinais que apontam uma possível mudança de direção. É significativo que mais pessoas estejam se manifestando contra a corrupção no Brasil, daí a querer que o brasileiro adquira uma cultura democrática que lhe capacite a propor soluções para o país, é algo que demanda, além de paciência, mudanças em outras esferas, como a educação, o que de maneira nenhuma, no entanto, retira a importância de se manifestar veementemente contra os corruptos. Para que haja o estabelecimento de cultura democrática no Brasil, arranjo bem mais complexo e rico do que se tem aqui, é necessário que o brasileiro comece a pensar e sentir a liberdade como fator mais valioso em sua experiência de cidadão. Só então, passará também a admitir que Estado centralizador e assistencialismo não são os responsáveis pelo desenvolvimento de uma nação, bem como poderá se dar conta de que a liberdade e a democracia exigem o cumprimento de deveres - não só o exercer de direitos - que são, por definição, elementos construtivos da verdadeira liberdade. Caso isso venha a acontecer algum dia, poderá ser percebido nos espíritos das pessoas, em seus costumes e nas leis da sociedade, não só nas expressões residuais de redes como o Facebook. Nesse caso, que até pode ser visto como idealizado, temo que certas paixões ideológicas, tais como demonstradas por Janine, ainda assim fariam dele um insatisfeito.

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