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sábado, 22 de dezembro de 2012

Onivorismo: a falácia do condicionamento biológico


"O ser humano é onívoro". Lançando mão deste argumento, muitas pessoas procuram justificar sua escolha em se alimentar de carne. Destaco a palavra "escolha" pois é disso mesmo que se trata quando o assunto é a alimentação na contemporaneidade. Note-se que a afirmação "o ser humano é onívoro" é determinista, dado que remete a uma condição biológica, enquanto as escolhas alimentares orientam-se a partir de lógica bastante distinta.
Será que quando alguém come picanha, linguiça de porco, peixe crú, ou qualquer outro tipo de carne, age movido por uma questão de determinismo biológico, algo que impele o sujeito irremediavelmente sem lhe oferecer oportunidade de escolha? É claro que não, basta pensar por instantes e logo se conclui que aquilo que comemos é puramente escolhido. Na pior das hipóteses, comer carne é um hábito que pode até ser difícil deixar de lado, mas sempre, em última análise, é uma escolha. Hábitos, por mais arraigados que sejam, podem ser mudados se houver força de vontade, sobretudo se forem hábitos perniciosos. Assim sendo, o argumento do onivorismo logo cai por terra. No entanto, é possível recorrer à Antropologia e à História para torná-lo ainda mais refutável.
Biologicamente, animais como o leão ou o lobo são carnívoros, o que significa que na natureza, evidentemente sem o mesmo poder de escolha que o ser humano possui, eles estão condicionados a caçar e se alimentar de carne. Um cão doméstico, como todos sabem, é diferente. Não vivendo em estado selvagem, ao contrário dos lobos e dos cães selvagens, - seus ancestrais - ele adquiriu hábitos humanos, isto é, além da carne, passou a se alimentar também de frutas e legumes, tornando-se onívoro como o Homem. Nesse caso, não houve escolha por parte do cão, mas um dado biológico foi modificado pelo processo evolutivo: a domesticação alterou a condição biológica do cão; do exclusivo carnivorismo do canis selvagem para o onivorismo do canis familiaris. Ressalte-se que atualmente já existem no mercado rações compostas apenas por ingredientes de origem vegetal, o que permite que cães sejam mantidos com alimentação vegetariana. Se até o cão doméstico, desprovido da opção do que comer e cujos ancestrais são carnívoros, consegue viver tranquilamente à base de alimentação vegetariana, o que pensar a respeito do ser humano?
No período Pré-Histórico, durante milhões de anos desde o surgimento dos primeiros hominídeos até bem depois do advento do Homo sapiens sapiens, quando a agricultura se sistematizou por volta do ano 10.000 a.C., os grupos humanos viveram sob a condição do nomadismo. O alimento não estava disponível a todo momento, era preciso ir atrás dele: alimentar-se, por eras a fio, foi algo fortuito. Qualquer um há de convir que quando a comida não está à disposição assim que a fome bate, a escolha com relação aos alimentos fica em risco. Tal situação era regra no mundo pré-histórico, mas não atualmente e, ainda que a pobreza possa causar exatamente o mesmo efeito, não é uma regra para grande parte dos habitantes do planeta, que escolhem tudo aquilo que querem comer.
A evolução é um fato na história humana. Graças à tecnologia, a produção alimentar alcançou níveis que geram excedentes enormes de alimento, por isso não há fome em massa, como acreditava Thomas Malthus. Se muitos ainda passam fome no século XXI, o problema é socioeconômico, agravado, diga-se de passagem, pela pecuária. O certo é que ninguém sai por aí caçando para tentar obter alimento. As pessoas vão ao supermercado e lá encontram uma variedade ampla de alimentos que não contêm carne. A maioria, contudo, escolhe comprar carne, não devido ao onivorismo biológico do ser humano, mas porque quer comer carne, ou porque, aparentemente, a alimentação é um hábito tão trivial que não suscita para esta mesma maioria perguntas como: "de que modo são criados os animais?"; "de que modo são abatidos?" Ou a mais crucial delas, que envolve exatamente a possibilidade de escolha: "é preciso realmente comer carne"?
O Natal é um época, talvez mais do que qualquer outra, na qual a escolha dos pratos que farão parte da ceia mais se aplica. É uma oportunidade ótima para tomar a decisão definitiva de se tornar vegetariano. Como se observa, o argumento do onivorismo é facilmente refutado em vista da existência de inúmeros alimentos isentos de carne. Posso aceitar que muitas pessoas tenham dificuldade para se livrar do hábito de comer carne, mas elas não podem se furtar aos questionamentos filosóficos e ecológicos passíveis de reflexão uma vez conhecidos os malefícios econômicos e espirituais inerentes à pecuária. Se esconder atrás de um condicionamento biológico que não resiste às transformações de fundo antropológico e histórico pelas quais a humanidade passou ao longo de milhões de anos, é somente mais uma frágil tentativa de não encarar de frente as responsabilidades que a alimentação compreende.

2 comentários:

  1. fala contra o determinismo do onivorismo mas fa a a favor do determinismo do vegetarianismo. R U MAD?

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    1. Roberto, o determinismo é o argumento que enxerga o onivorismo como condição biológica. À medida que coloco a alimentação como uma questão de escolha e o vegetarianismo como uma opção ética, é exatamente o contrário de adotar perspectiva determinista. Você precisa ler novamente...

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