Os crimes envolvendo participação de menores de dezoito anos continuam assolando o Brasil. Escrevo "continuam" pois eles acontecem com certa frequência desde a década de 1990, ao contrário do que querem fazer pensar os defensores dos delinquentes juvenis, opositores da redução da maioridade penal. Sem apresentarem argumentação sólida amparada pela realidade, estes afirmam que o clamor da população por maior rigor da lei é movido pela comoção diante do que se assistiu nos últimos dias. As vidas ceifadas barbaramente, não só da dentista queimada viva, de Victor Hugo Deppman, ou da garota atropelada enquanto brincava na calçada, mas também aquelas que foram provocadas por um Champinha ou por um Batoré, já há um bom tempo, - Liana Friedembach foi vitimada da maneira mais horrivelmente cruel há dez anos, para quem não se lembra - parecem não importar para esta gente. Ainda que mais nada além da comoção estivesse pesando na exigência de muitos brasileiros pela redução da maioridade penal, crimes hediondos como estes já bastariam para suscitar um sério debate em torno da questão, coisa que não agrada a quem insiste em fugir da raia. De resto, cabe salientar, é preciso diferenciar meros batedores de carteira de assassinos perversos desprovidos de qualquer sentimento de respeito pela vida, confusão que os chamados "defensores da juventude" não se prestam a desfazer.
O Código Penal vigente no país data de 1940, claramente anacrônico em vista não apenas da atual realidade brasileira, mas da realidade do próprio mundo. Se naquela época julgou-se que menores de dezoito anos não possuíam capacidade alguma de discernimento em relação à ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento em função do desenvolvimento mental incompleto, como versa o Artigo 26, passados mais de setenta anos de pesquisas nas áreas das ciências cognitivas, da psicologia evolucionista e também em virtude do desenvolvimento tecnológico e dos meios de comunicação, que aumentaram à enésima potência os estímulos externos e os apelos que uma criança e um jovem recebem, tornando-os bem menos ingênuos e inocentes do que outrora pudessem ser, permanecer atrelado a uma legislação que não condiz com mudanças históricas tão evidentes não passa de teimosia imbecil. Somado a esse Código Penal anacrônico, o Estatuto da Criança e do Adolescente é mais uma peça de má fé produzida por ideólogos de esquerda crentes no idílio infantil rousseauniano, mais uma das ideias delirantes que costumam fazer parte do arcabouço mental de quem jamais se propõe a prestar atenção na natureza humana.
É muito fácil descer aos porões da ignorância e culpar a outrem por aquilo que é de responsabilidade do indivíduo. Se a sociedade é corrompida, como Rousseau sempre defendeu, ele deveria, ao invés de abandonar seus filhos em um orfanato, protegê-los das mazelas do mundo. Ou então, ele não acreditava em si nem na filosofia que advogava. Aqueles que apontam os adultos de uma sociedade corrompida como responsáveis pelos delitos cometidos pelos jovens, são eles próprios sujeitos históricos capazes de determinar em alguma medida o rumo das coisas, contudo, sempre que uma proposta mais rigorosa de ordenação da sociedade vem à tona, são os primeiros que defendem a manutenção de um status quo altamente degradado. E ainda tacham os outros de reacionários!
Não há dúvida de que a sociedade requer correções, mas não se deve descartar a noção de que tais correções muitas vezes podem chegar por meio de bons exemplos buscados em realidades diversas. Em vários países desenvolvidos, a autonomia do Poder Judiciário é tamanha, que o juiz analisa cada caso em suas particularidades para dar uma sentença independentemente da idade do réu. Se após um julgamento minuciosamente conduzido, a culpabilidade do criminoso, bem como sua capacidade prévia de discernimento do fato ficam evidenciados, a pena devida é aplicada. Nunca é demais ressaltar que essa autonomia de poderes está completamente vinculada ao liberalismo.
Além da incoerência no que se refere à correção que a sociedade sempre exige em seus rumos conforme se passa o desenrolar da história, o que presume a necessidade do debate democrático e o grau sempre salutar de abertura liberal das instituições, a ideia da transferência das responsabilidades é pura dialética de botequim, já que pretende transformar as vítimas em culpados. No lugar de leis previsíveis que possam informar ao cidadão o que ele deve ou não fazer, indicando que punições são passíveis de serem aplicadas em caso de transgressão, aspecto básico de uma sociedade justa e assentada em valores capazes de garantirem liberdade e segurança, coloca-se em prática o relativismo, perdendo-se assim os parâmetros que indicam a diferença entre o certo e o errado. Nesse caso os adultos são responsáveis pelas faltas dos jovens, mas o que propõem os que querem transferir totalmente as responsabilidades? Nada além de um full liberation de fundo anarquista que só promove caos, indiferença, perda de valores e do sentimento de compaixão.
Logicamente, reduzir a maioridade penal sem buscar melhorias no sistema prisional, sem desenvolver um sistema de educação pautado pela qualidade e sem gerar e difundir a alta cultura e o acesso ao lazer, seria uma medida inócua, porém, modificar a lei garantindo a ela um rigor que hoje lhe é cem por cento carente, não exclui essas outras medidas, também plenamente necessárias. Um conjunto de alterações do tipo é algo mais do que urgente para o Brasil, tanto com o objetivo de alertar o menor infrator a respeito da probabilidade de punição em caso de delito, - que deve ser alta - como para lhe deixar claro sobre o que é certo e o que é errado. Se alguém estiver disposto a pensar no dever da sociedade de corrigir o menor infrator para que se diminua a possibilidade de reincidência, é melhor defender tais modificações e nunca mais gastar saliva com ECA, Fundação Casa, ideias rousseaunianas ou afins, romantizações que não resolvem nada e somente fazem a população sofrer.