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domingo, 7 de abril de 2013

Pós-modernismo: um paradigma paradoxal


Após a queda do Muro de Berlim e do fim da União Soviética no biênio 1989-91, as teses de matriz marxiana passaram a sofrer com o descrédito entre os próprios círculos da esquerda. Foi a partir de então que o pós-modernismo serviu para preencher as lacunas do universo intelectual esquerdista, momento em que Nietzsche, a Escola de Frankfurt, Michel Foucault, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Roland Barthes e Hayden White tiveram suas ideias conduzidas ao centro do palco, bem como a fama destes filósofos se disseminou como nunca antes se havia notado. Essa onda pós-moderna, a meu ver, jamais abandonou Marx e, Walter Benjamin, como um dos pensadores mais cultuados pelos seguidores do pós-modernismo, não deixa pensar o contrário. Contudo, as reflexões de Marx e dos marxistas foram, sem dúvida, (re)interpretadas sob uma ótica bastante diferente do que se observou ao longo do século XX.
Parecia quase uma certeza há cerca de dez ou quinze anos que o pós-modernismo havia chegado para ficar, enterrando de vez tanto o marxismo tradicional, como o pragmático, restando lugar somente para suas reminiscências românticas combinadas com os paradigmas pós-modernos. O enorme poder de transmutação do marxismo, ora uma teoria histórica, ora sociológica, outras vezes uma filosofia ou uma crítica econômica, ou ainda uma crítica cultural, atuou entretanto de modo a desmentir todas as previsões a respeito de seu fim. Vinte e poucos anos depois do boom pós-moderno, o pensamento de Marx e suas derivações mais diretas voltaram a ser o princípio norteador do esquerdismo na maior parte do mundo ocidental. Isso não significa que o pós-modernismo se tornou um cadáver totalmente decomposto, pois seus paradigmas ainda se mostram presentes em certos círculos acadêmicos periféricos, como eu mesmo pude notar cotidianamente em minha vida universitária e, talvez até mais do que o marxismo, as teorias pós-modernas sempre que encontram alguma lenha para queimar, rapidamente conquistam número razoável de asseclas, o que não deixa de ser algo impressionante. Daí a motivação para escrever - ou reescrever - certas impressões pessoais a respeito desta filosofia.
O cerne do pensamento pós-moderno é a ideia segundo a qual o sujeito não pode carregar pretensões de atingir verdades objetivas, quaisquer que elas sejam e independentemente das diferenças epistemológicas entre os ramos do conhecimento. Fazer uso do termo "verdades" no plural talvez já pudesse ser uma resposta às objeções subjetivistas, mas seria apenas um início de discussão. De acordo com os pós-modernos, o que impede toda busca de objetividade é o fato da subjetividade se impor de modo inelutável e irreversível sobre a atividade intelectual do sujeito, cegando-lhe a compreensão dos fenômenos que perfazem a experiência humana. Imerso em seus interesses pessoais, especialmente naquilo que se refere às tentações do poder, o sujeito apenas conclui aquilo que lhe convém, ou o que está rigorosamente dentro dos limites de seu alcance subjetivo, sempre gerador de falsetes.
O pós-modernismo não considera a capacidade racional, as virtudes e a ética como atributos humanos universais, tampouco a noção de que mesmo nos vários momentos em que tais qualidades faltam aos sujeitos, o conflito interior perante a realidade insubornável proporciona potencialmente ao indivíduo a busca do autodomínio libertador. É difícil imaginar o que sobra quando se descarta esse sopro de vida interior. Um pesadelo egoísta, talvez, mas o que me parece certo é que o pós-modernismo invariavelmente confunde subjetividade - algo que além das conexões com a experiência vivida, é também, o que não deve ser esquecido, uma característica operacional da mente humana - com interesses e relações de poder.
Se, como querem os pós-modernos, a subjetividade encerra os horizontes humanos nos estreitos limites do interesse e do poder, desconsidera-se a apreciação por meio da qual a busca das verdades e da objetividade possível, ainda que muitas vezes uma frágil e árdua aspiração, tem a ver com o próprio desenvolvimento da atividade científica, cuja historicidade e cujas conquistas, quando negadas, colocam os pensadores dessa vertente em situação incômoda..., a não ser que se defenda uma ordália medieval como sendo mais justa do que um processo investigativo minucioso, ou as superstições da área da medicina primitiva como potencialmente mais propiciadoras de conforto ou cura do que tudo aquilo que se descobriu e que foi colocado em prática no âmbito médico em tempos mais recentes.
Maria Odila da Silva Dias, representante ilustre do pós-modernismo no Brasil, declarou certa vez em entrevista, que é difícil criticar esta filosofia enquanto a mesma relativiza o poder estabelecido e retira sua legitimação. Para ela, os conceitos têm história, o que basta para descartar padrões e dados objetivos da realidade. Ora, afirmar que os conceitos são permeados de historicidade é uma observação trivial, não sendo necessário advogar em prol do pós-modernismo para tanto, diferentemente do que salientar que existem conceitos que são formulados a partir do desenrolar da história, mas que podem se estabelecer em definitivo, do mesmo modo que nem só de mudanças se faz a história, mas também de permanências, como muito bem o demonstraram os Annales.
Se a subjetividade é a prisão espiritual e intelectual dos homens, ideia que despreza totalmente o entendimento segundo o qual as aferições de objetividade são externas ao sujeito e precisam sempre da confrontação com o real, tem-se aí exatamente o paradoxo do pós-modernismo, já que fica faltando ao próprio paradigma pós-moderno um referencial, ao menos portador de um mínimo de objetividade, que lhe capacite a desconstruir seus alvos, ou então, das duas uma: 1) só o pós-modernismo escapa das limitações da subjetividade; 2) o pós-modernismo não passa de mais uma forma de subjetividade incapaz de ser uma alternativa ao que ele mesmo reputa ser inválido. Na primeira opção, a presunção contradiz tudo aquilo que os pós-modernos pensam a respeito de interesse e poder, já na segunda, não é capaz de propor nada além de uma desconstrução ad infinitum. É muito paradoxal, é muito pós-moderno.

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