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sábado, 25 de maio de 2013

Borussia Dortmund vs. Bayern de Munique: futebol exuberante dentro de campo, gestão eficiente e austeridade nos bastidores


Hoje é dia de final de Champions League, dia de ficar ligado em frente à TV para se deleitar com futebol bem jogado, pautado pelo talento individual, mas mais ainda pelo lado coletivo e pelo toque de bola, elementos que hoje em dia são como agulhas no palheiro em se tratando do escrete brasileiro. O Brasil, eterno país do futuro, de presente caótico, é o ex-país do futebol, dominado que se encontra por interesses extracampo, inclusive governamentais, por cartolas corruptos e incompetentes e por emissoras de TV que arrumaram um jeitinho tipicamente tupiniquim de lucrar com o negócio.
A final alemã da Champions League não tem a ver somente com o belo futebol jogado dentro das quatro linhas por Bayern de Munique e Borussia Dortmund, que chegaram à disputa com total merecimento: está relacionada também, de maneira muito íntima, com o que é praticado fora de campo pelos principais clubes da Alemanha, país pouco afetado pela crise na Zona do Euro. "Austeridade", termo tão abominado pelos estatólatras ainda saudosos da falácia do Welfare State em nações de capitalismo parco, como Espanha, França e Itália, mergulhados em déficits econômicos gerados por governos perdulários e distribuidores de privilégios, representa o maior segredo germânico no século XXI, algo que leva efeitos positivos até os gramados. Não é nem mesmo necessário recorrer apenas aos dois times que hoje irão desfilar em Wembley, bastando mencionar o sucesso da Bundesliga, de longe, o campeonato nacional de maior sucesso no Velho Mundo: gestão eficiente, marketing, estádios invariavelmente lotados e rentabilidade dão a tônica do futebol alemão.
O Bayern de Munique é um gigante desde sempre, presença costumeira em grandes decisões futebolísticas e, a despeito de algumas derrotas traumáticas, fruto do imponderável, estará em campo logo mais para disputar a quinta final de Champions League nas últimas quatorze temporadas, feito que não pode ser atribuído nem mesmo ao Barcelona de Lionel Messi. Os bávaros tentarão conquistar seu caneco de número cinco, título que pode contribuir para fechar com chave de ouro a temporada, dando ao clube a Tríplice Coroa, caso vença hoje e o Stuttgart na Copa da Alemanha, semana que vem. A máxima do técnico Jupp Heynckes não deixa dúvidas quanto às políticas do Bayern: "não gastamos mais do que temos". Não existe acaso para o sucesso do clube da Baviera.
No que se refere ao Borussia Dortmund, a questão é ainda mais interessante. Após a conquista da Champions League e do Mundial de Clubes na temporada 1996-97, o aurinegro da Westfalia afundou em um período de intensa crise que por pouco não conduziu o clube à falência. Depois de chegar ao ponto de vender o estádio, o Borussia começou a mudar os rumos quando recorreu à ajuda de uma empresa alemã de consultoria em gestão e finanças, a Roland Berger. Obedecendo às regras da austeridade e da eficiência administrativa, o Borussia emergiu do atoleiro de modo relativamente rápido: chutou para longe a gastança desenfreada e imprecisa à la Luiz Gonzaga Belluzzo, renegociou dívidas, estabeleceu parcerias inteligentes (naquela que firmou junto ao grupo Signal Iduna, recuperou o estádio), passou a priorizar os interesses do clube, sem dar lugar a atletas, empresários ou comissões técnicas descompromissados com o trabalho e com o sucesso, reduziu custos e, além de investir na base, fez contratações cirúrgicas.
O modelo administrativo do futebol alemão, permeado por gestão eficiente e austeridade, caminha a par e passo com o verdadeiro capitalismo liberal, ao contrário do paradigma vigente em outros países, inclusive no Brasil, cuja característica mais marcante e deplorável tem sido o estabelecimento de conexões escusas entre entidades privadas e poder político. Bayern de Munique e Borussia Dortmund fornecem um exemplo que bem pode servir a um certo clube que padece há mais de dez anos com administrações mafiosas, clube este que talvez seja aquele que mais tem potencial para tentar romper com o status quo do futebol brasileiro. Quanto à peleja de hoje à tarde, será uma excelente oportunidade de se divertir com as jogadas de Lahm, Müller, Robben, Ribéry, Hummels, Reus, Lewandowski, .... E que vença o melhor! Bom jogo!

domingo, 19 de maio de 2013

Intelectuais ou intelectualóides?


No mundo idiotizado da atualidade, várias demonstrações cotidianas de jornalismo rasteiro e de pseudointelectualismo levam grande quantidade de pessoas a pensar que as discussões políticas se resumem a um dualismo simplista entre os defensores dos pobres e oprimidos e os reacionários preconceituosos. Nem é preciso destacar que tais estereótipos dicotômicos não passam de manifestação da própria idiotice que povoa a mente dos incautos: nesse sentido, os primeiros constituem a esquerda, paladina da "justiça social", já os segundos compõem a direita saudosa dos privilégios dos ricos e poderosos sobre as camadas sociais mais baixas. Como se a absurda falsidade dessa construção já não bastasse, qualquer matiz se perde diante de uma simplificação tão grotesca.
Os estereótipos servem bem a leitores de um veículo como a Carta Capital, revista cujas páginas são repletas de publicidade governamental, fato mais do que suficiente para retirar desse mesmo veículo qualquer credibilidade. Acontece que em um mundo idiotizado, politicamente correto e cheio de intelectualóides formados em cursinhos pré-vestibulares ou em ambientes acadêmicos que não podem e não querem ir além de Marx e dos marxismos, o slogan da justiça social, ainda que inteiramente desprovido de conteúdo crítico e reflexivo, seduz como canto de sereia. É assim que o Almeidinha surge como o estereótipo do direitista anti-intelectual (quase um oxímoro), promovendo o orgasmo coletivo entre os intelectualóides da esquerda. Dentre estes, nenhum pensamento que não esteja alinhado com suas doutrinas merece ser qualificado de "intelectual", como se não existissem Aristóteles, Edmund Burke, Tocqueville, Goethe, H. L. Mencken, Irving Babbitt, Michael Oakeshott, Raymond Aron, Evaldo Cabral de Mello, Roberto da Matta, José Murilo de Carvalho...
H. L. Mencken, vale destacar, era dono de um tipo de mentalidade que se torna mais escassa a cada segundo nos dias de hoje. O crítico estadunidense se mostrava um iconoclasta incapaz de fazer concessões ao que quer que fosse. Um dos aforismos mais categórigos de Mencken afirma: "todo homem digno é contra o governo sob o qual vive". De conotações inconfundivelmente liberais, a ideia contida em tal pensamento deveria ser exemplo para os intelectuais. Todavia, o que ora observamos em países mergulhados no atoleiro autoritário, como o Brasil, é o exato oposto: falsos intelectuais do establishment, imbuídos da arrogância típica daqueles que concedem a si mesmos e ao grupo a que pertencem o apanágio de detentores únicos da intelectualidade. A questão vai bem além do que considerar o que é ou não conversa de intelectual, pois ao menos aprioristicamente, todo assunto bem abordado pode ser trazido à tona na discussão de um fato, de uma conjuntura ou de uma estrutura. "Lógica da criminalidade", "superlotação de presídios”, “sindicato do crime”, “enfrentamento”, e “uso excessivo da força" talvez sejam apontados como "papo de intelectual", em sentido pejorativo, não pelo Almeidinha, mas sim por aqueles que caem na ladainha populista e no relativismo, que aceitam o jeitinho brasileiro, que passaram a ver na corrupção algo aceitável e até mesmo legítimo, por aqueles que são tomados pela catarse da retórica messiânica, lacaios do poder, para os quais as maiores preocupações normalmente são as novelas globais, o BBB ou o futebol, sobretudo o futebol do time do governo. "Contexto histórico", "mudanças conjunturais", "falhas na legislação", "deveres e direitos do cidadão", "novas pesquisas científicas", "inversão de valores", "cooptação", também são temas que suscitam amplas discussões intelectuais, o que não é devidamente levado em conta pela esquerda de quem faz e de quem lê a Carta Capital.
Um país populista, gramsciano e autoritário, uma política tomada por partidos fisiológicos, sem mecanismos de representatividade, uma elite política - hoje comandada pelo PT - que soma cada vez mais privilégios, práticas corruptas e servilistas, nepotismo, aparelhamento da máquina pública, gastos altamente equivocados do erário público, tais são os males observados corriqueiramente no Brasil. A manutenção desse status interessa aos que estão alinhados com o governo, enquanto aos verdadeiros intelectuais, cabe o papel da crítica, porém, os intelectualóides que se julgam intelectuais, no geral são adesistas do estado petista. Além de fugirem de suas responsabilidades porque o ideologismo tacanha lhes fala mais alto do que a reflexão isenta, os intelectualóides também descem aos níveis mais baixos da sordidez e da desonestidade intelectual quando se põem a desqualificar pensamentos opostos, estratégia comum e a única a restar face às inconsistências de um ideário que os estudos históricos, políticos, sociológicos e filosóficos empreendidos por pensadores argutos já cansaram de desmentir. O uso de argumentação ad hominem é o último reduto dos ignorantes e chega a ser cômico notar um intelectualóide xingar quem pensa diferente lançando mão de termos como "fascista". Ser a favor da precedência e da liberdade do indivíduo perante a nação, o estado ou a cultura, da abertura política e econômica, crer no progresso científico e defender a observância da legalidade e da moralidade constituem um corpo de ideias cem por cento contrário ao fascismo.
Neste Brasil onde, como apontava Daniel Piza, estudiosos do campo das Biológicas e das Exatas não são vistos como intelectuais, não chega a ser de todo surpreendente que caiba aos intelectualóides a atribuição de falsos estatutos de intelectualidade. Evidentemente, aos que não se encaixam no estreito panorama ideológico da esquerda, cada vez mais incapaz de enxergar o próprio umbigo a fim de perceber o quanto ela mesma é reacionária, os politicamente incorretos como Mencken são associados com o tal do Almeidinha, estereótipo rigorosamente incongruente, tão apartado da realidade brasileira quanto o pensamento esquerdista.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Piece Of Mind: referência há três décadas


Piece Of Mind, uma obra-prima do Heavy Metal legada pelo Iron Maiden está completando trinta anos em 2013. O aniversário do disco é emblemático, não pelo tempo em si, mas por tudo aquilo que ele representa, um marco na construção da música pesada desde o momento primeiro em que se lançou a público. Piece Of Mind é uma espécie de coringa na discografia maideniana, visto que os elementos tipicamente componentes da New Wave Of British Heavy Metal se mostraram latentes nos álbuns anteriores da banda, mas só se estabeleceram em definitivo nele próprio, para a partir de então continuarem como aspectos sempre presentes nos trabalhos posteriores da banda inglesa, a despeito das inovações verificadas em cada disco até os dias de hoje.
Nos três primeiros álbuns do Iron Maiden o grupo procurou criar sua identidade combinando algumas sonoridades tributárias do hard setentista com arranjos trazidos pela NWOBHM. Assim, os riffs de guitarra que tão fortemente marcaram época nos anos 1970, vide as criações de um Tony Iommi, de um Ritchie Blackmore ou de um Michael Schenker, passaram a estar acompanhados do galope de baixo, da dobradinha guitarrística e de compassos mais acelerados. Se em Iron Maiden (1980) ou em Killers (1981) os limites técnicos da produção, bem como os obstáculos provenientes da imperícia e do destempero de Paul Di'Anno determinavam certas dificuldades, o álbum The Number Of The Beast (1982) foi a antessala da sonoridade mais característica do Iron Maiden, conquistada com Piece Of Mind em 1983. Ainda em finais de 1980 o guitarrista Dennis Stratton foi substituído por Adrian Smith, antigo parceiro de Dave Murray em conjuntos menores da década de 1970, mudança que possibilitou a formação de um dueto de guitarras altamente entrosado no plano musical e isento de vaidades no cotidiano do grupo. Para as gravações de The Number Of The Beast, Paul Di'Anno foi devidamente expurgado, dando lugar a Bruce Dickinson. Assim, em The Number... já podem ser notados os elementos que um ano mais tarde se solidificaram como um selo de qualidade maideniano.
Antes que os trabalhos de Piece Of Mind se iniciassem, o excelente baterista Clive Burr, recentemente falecido, deixou a banda para a entrada de Nicko McBrain. Estava completo o line up mais tradicional da Donzela de Ferro. Mas afinal, o que o disco de 1983 guarda de tão especial? Não se trata de resposta simples. Quem ainda guarda o saudável hábito de ouvir música sem ser em formato MP3 consegue captar algo que considero da mais alta importância se o objetivo não for meramente o de passar o tempo, mas sim "degustar" as músicas e captar a atmosfera que um grupo cria, tanto em seus álbuns específicos, como em sua carreira. É também nesse sentido que Piece Of Mind pode ser apontado com um coringa para o Iron Maiden. Se tomarmos músicas de outros discos, como por exemplo, "Rime Of The Ancient Mariner", "The Loneliness Of The Long Distance Runner", "Infinite Dreams", ou coisas mais recentes, tais quais "Sign Of The Cross", "The Nomad", "Dance Of Death" ou "When The Wild Wind Blows", a sonoridade de Piece Of Mind se revela como referencial, embora, não custe repetir, sem jamais desconsiderar as modificações que o Iron Maiden soube implementar com tão acentuada competência ao longo de sua discografia.
A meu ver, as características mais definidoras do estilo musical da Donzela de Ferro sempre começam ao que é externo à sonoridade em si, para depois se complementarem com ela: o clima de agressividade, tão bem mesclado com a riqueza melódica, a temática predominantemente épica ou literária, os riffs cortantes, as guitarras dobradas (tripladas de 2000 para cá, ainda que Janick Gers seja coadjuvante), o baixo potente, funcionando quase como se fosse também uma guitarra de sons mais graves, os solos intensos e sobretudo os licks inconfundíveis, maior contribuição da NWOBHM e que a tornam um autêntico movimento musical, cuja capacidade de "ilustrar" as músicas é perfeita, tudo isso compõe o suculento cardápio de Piece Of Mind. Se a capa do disco não consta como um dos desenhos mais espetaculares de Derek Riggs, até ela própria acaba atuando como uma espécie de porta entreaberta, insinuando ao mesmo tempo que encobre surpresas só plenamente desvendadas com a audição do trabalho (note o detalhe da ilustração e tire as conclusões quanto ao fato de ser ou não ser uma coincidência). Ao travar contato com "Where Eagles Dare", une lettre de motivation de Nicko Mc Brain, "Revelations", "Flight Of Icarus", "The Trooper", "Quest For Fire", muitas vezes desprezada por aqueles que não são capazes de perceber a conexão perfeita que sua sonoridade estabelece com a letra, ou "To Tame A Land", se descortinam um a um os detalhes que fazem do Iron Maiden uma banda auto-referente para o Heavy Metal.
Costumeiramente se designa por clássico o que perdura ao longo dos tempos, análise correta, sem dúvida, mas um tanto incompleta. Um clássico possui influência imorredoura porque carrega a capacidade de servir como referência sem ônus para a inovação criativa, bem como oferece margem para a manutenção de uma identidade livre do risco da mesmice; de certo modo, um clássico conserva a essência, de outro, sempre se reinventa. É por isso que Piece Of Mind sustenta a condição de obra prima, de 1983 até hoje e daqui para a eternidade.

Link para Flight Of Icarus: http://www.youtube.com/watch?v=J3I88wsFKao