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domingo, 19 de maio de 2013

Intelectuais ou intelectualóides?


No mundo idiotizado da atualidade, várias demonstrações cotidianas de jornalismo rasteiro e de pseudointelectualismo levam grande quantidade de pessoas a pensar que as discussões políticas se resumem a um dualismo simplista entre os defensores dos pobres e oprimidos e os reacionários preconceituosos. Nem é preciso destacar que tais estereótipos dicotômicos não passam de manifestação da própria idiotice que povoa a mente dos incautos: nesse sentido, os primeiros constituem a esquerda, paladina da "justiça social", já os segundos compõem a direita saudosa dos privilégios dos ricos e poderosos sobre as camadas sociais mais baixas. Como se a absurda falsidade dessa construção já não bastasse, qualquer matiz se perde diante de uma simplificação tão grotesca.
Os estereótipos servem bem a leitores de um veículo como a Carta Capital, revista cujas páginas são repletas de publicidade governamental, fato mais do que suficiente para retirar desse mesmo veículo qualquer credibilidade. Acontece que em um mundo idiotizado, politicamente correto e cheio de intelectualóides formados em cursinhos pré-vestibulares ou em ambientes acadêmicos que não podem e não querem ir além de Marx e dos marxismos, o slogan da justiça social, ainda que inteiramente desprovido de conteúdo crítico e reflexivo, seduz como canto de sereia. É assim que o Almeidinha surge como o estereótipo do direitista anti-intelectual (quase um oxímoro), promovendo o orgasmo coletivo entre os intelectualóides da esquerda. Dentre estes, nenhum pensamento que não esteja alinhado com suas doutrinas merece ser qualificado de "intelectual", como se não existissem Aristóteles, Edmund Burke, Tocqueville, Goethe, H. L. Mencken, Irving Babbitt, Michael Oakeshott, Raymond Aron, Evaldo Cabral de Mello, Roberto da Matta, José Murilo de Carvalho...
H. L. Mencken, vale destacar, era dono de um tipo de mentalidade que se torna mais escassa a cada segundo nos dias de hoje. O crítico estadunidense se mostrava um iconoclasta incapaz de fazer concessões ao que quer que fosse. Um dos aforismos mais categórigos de Mencken afirma: "todo homem digno é contra o governo sob o qual vive". De conotações inconfundivelmente liberais, a ideia contida em tal pensamento deveria ser exemplo para os intelectuais. Todavia, o que ora observamos em países mergulhados no atoleiro autoritário, como o Brasil, é o exato oposto: falsos intelectuais do establishment, imbuídos da arrogância típica daqueles que concedem a si mesmos e ao grupo a que pertencem o apanágio de detentores únicos da intelectualidade. A questão vai bem além do que considerar o que é ou não conversa de intelectual, pois ao menos aprioristicamente, todo assunto bem abordado pode ser trazido à tona na discussão de um fato, de uma conjuntura ou de uma estrutura. "Lógica da criminalidade", "superlotação de presídios”, “sindicato do crime”, “enfrentamento”, e “uso excessivo da força" talvez sejam apontados como "papo de intelectual", em sentido pejorativo, não pelo Almeidinha, mas sim por aqueles que caem na ladainha populista e no relativismo, que aceitam o jeitinho brasileiro, que passaram a ver na corrupção algo aceitável e até mesmo legítimo, por aqueles que são tomados pela catarse da retórica messiânica, lacaios do poder, para os quais as maiores preocupações normalmente são as novelas globais, o BBB ou o futebol, sobretudo o futebol do time do governo. "Contexto histórico", "mudanças conjunturais", "falhas na legislação", "deveres e direitos do cidadão", "novas pesquisas científicas", "inversão de valores", "cooptação", também são temas que suscitam amplas discussões intelectuais, o que não é devidamente levado em conta pela esquerda de quem faz e de quem lê a Carta Capital.
Um país populista, gramsciano e autoritário, uma política tomada por partidos fisiológicos, sem mecanismos de representatividade, uma elite política - hoje comandada pelo PT - que soma cada vez mais privilégios, práticas corruptas e servilistas, nepotismo, aparelhamento da máquina pública, gastos altamente equivocados do erário público, tais são os males observados corriqueiramente no Brasil. A manutenção desse status interessa aos que estão alinhados com o governo, enquanto aos verdadeiros intelectuais, cabe o papel da crítica, porém, os intelectualóides que se julgam intelectuais, no geral são adesistas do estado petista. Além de fugirem de suas responsabilidades porque o ideologismo tacanha lhes fala mais alto do que a reflexão isenta, os intelectualóides também descem aos níveis mais baixos da sordidez e da desonestidade intelectual quando se põem a desqualificar pensamentos opostos, estratégia comum e a única a restar face às inconsistências de um ideário que os estudos históricos, políticos, sociológicos e filosóficos empreendidos por pensadores argutos já cansaram de desmentir. O uso de argumentação ad hominem é o último reduto dos ignorantes e chega a ser cômico notar um intelectualóide xingar quem pensa diferente lançando mão de termos como "fascista". Ser a favor da precedência e da liberdade do indivíduo perante a nação, o estado ou a cultura, da abertura política e econômica, crer no progresso científico e defender a observância da legalidade e da moralidade constituem um corpo de ideias cem por cento contrário ao fascismo.
Neste Brasil onde, como apontava Daniel Piza, estudiosos do campo das Biológicas e das Exatas não são vistos como intelectuais, não chega a ser de todo surpreendente que caiba aos intelectualóides a atribuição de falsos estatutos de intelectualidade. Evidentemente, aos que não se encaixam no estreito panorama ideológico da esquerda, cada vez mais incapaz de enxergar o próprio umbigo a fim de perceber o quanto ela mesma é reacionária, os politicamente incorretos como Mencken são associados com o tal do Almeidinha, estereótipo rigorosamente incongruente, tão apartado da realidade brasileira quanto o pensamento esquerdista.

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