Piece Of Mind, uma obra-prima do Heavy Metal legada pelo Iron Maiden está completando trinta anos em 2013. O aniversário do disco é emblemático, não pelo tempo em si, mas por tudo aquilo que ele representa, um marco na construção da música pesada desde o momento primeiro em que se lançou a público. Piece Of Mind é uma espécie de coringa na discografia maideniana, visto que os elementos tipicamente componentes da New Wave Of British Heavy Metal se mostraram latentes nos álbuns anteriores da banda, mas só se estabeleceram em definitivo nele próprio, para a partir de então continuarem como aspectos sempre presentes nos trabalhos posteriores da banda inglesa, a despeito das inovações verificadas em cada disco até os dias de hoje.
Nos três primeiros álbuns do Iron Maiden o grupo procurou criar sua identidade combinando algumas sonoridades tributárias do hard setentista com arranjos trazidos pela NWOBHM. Assim, os riffs de guitarra que tão fortemente marcaram época nos anos 1970, vide as criações de um Tony Iommi, de um Ritchie Blackmore ou de um Michael Schenker, passaram a estar acompanhados do galope de baixo, da dobradinha guitarrística e de compassos mais acelerados. Se em Iron Maiden (1980) ou em Killers (1981) os limites técnicos da produção, bem como os obstáculos provenientes da imperícia e do destempero de Paul Di'Anno determinavam certas dificuldades, o álbum The Number Of The Beast (1982) foi a antessala da sonoridade mais característica do Iron Maiden, conquistada com Piece Of Mind em 1983. Ainda em finais de 1980 o guitarrista Dennis Stratton foi substituído por Adrian Smith, antigo parceiro de Dave Murray em conjuntos menores da década de 1970, mudança que possibilitou a formação de um dueto de guitarras altamente entrosado no plano musical e isento de vaidades no cotidiano do grupo. Para as gravações de The Number Of The Beast, Paul Di'Anno foi devidamente expurgado, dando lugar a Bruce Dickinson. Assim, em The Number... já podem ser notados os elementos que um ano mais tarde se solidificaram como um selo de qualidade maideniano.
Antes que os trabalhos de Piece Of Mind se iniciassem, o excelente baterista Clive Burr, recentemente falecido, deixou a banda para a entrada de Nicko McBrain. Estava completo o line up mais tradicional da Donzela de Ferro. Mas afinal, o que o disco de 1983 guarda de tão especial? Não se trata de resposta simples. Quem ainda guarda o saudável hábito de ouvir música sem ser em formato MP3 consegue captar algo que considero da mais alta importância se o objetivo não for meramente o de passar o tempo, mas sim "degustar" as músicas e captar a atmosfera que um grupo cria, tanto em seus álbuns específicos, como em sua carreira. É também nesse sentido que Piece Of Mind pode ser apontado com um coringa para o Iron Maiden. Se tomarmos músicas de outros discos, como por exemplo, "Rime Of The Ancient Mariner", "The Loneliness Of The Long Distance Runner", "Infinite Dreams", ou coisas mais recentes, tais quais "Sign Of The Cross", "The Nomad", "Dance Of Death" ou "When The Wild Wind Blows", a sonoridade de Piece Of Mind se revela como referencial, embora, não custe repetir, sem jamais desconsiderar as modificações que o Iron Maiden soube implementar com tão acentuada competência ao longo de sua discografia.
A meu ver, as características mais definidoras do estilo musical da Donzela de Ferro sempre começam ao que é externo à sonoridade em si, para depois se complementarem com ela: o clima de agressividade, tão bem mesclado com a riqueza melódica, a temática predominantemente épica ou literária, os riffs cortantes, as guitarras dobradas (tripladas de 2000 para cá, ainda que Janick Gers seja coadjuvante), o baixo potente, funcionando quase como se fosse também uma guitarra de sons mais graves, os solos intensos e sobretudo os licks inconfundíveis, maior contribuição da NWOBHM e que a tornam um autêntico movimento musical, cuja capacidade de "ilustrar" as músicas é perfeita, tudo isso compõe o suculento cardápio de Piece Of Mind. Se a capa do disco não consta como um dos desenhos mais espetaculares de Derek Riggs, até ela própria acaba atuando como uma espécie de porta entreaberta, insinuando ao mesmo tempo que encobre surpresas só plenamente desvendadas com a audição do trabalho (note o detalhe da ilustração e tire as conclusões quanto ao fato de ser ou não ser uma coincidência). Ao travar contato com "Where Eagles Dare", une lettre de motivation de Nicko Mc Brain, "Revelations", "Flight Of Icarus", "The Trooper", "Quest For Fire", muitas vezes desprezada por aqueles que não são capazes de perceber a conexão perfeita que sua sonoridade estabelece com a letra, ou "To Tame A Land", se descortinam um a um os detalhes que fazem do Iron Maiden uma banda auto-referente para o Heavy Metal.
Costumeiramente se designa por clássico o que perdura ao longo dos tempos, análise correta, sem dúvida, mas um tanto incompleta. Um clássico possui influência imorredoura porque carrega a capacidade de servir como referência sem ônus para a inovação criativa, bem como oferece margem para a manutenção de uma identidade livre do risco da mesmice; de certo modo, um clássico conserva a essência, de outro, sempre se reinventa. É por isso que Piece Of Mind sustenta a condição de obra prima, de 1983 até hoje e daqui para a eternidade.
Link para Flight Of Icarus: http://www.youtube.com/watch?v=J3I88wsFKao
Link para Quest For Fire: http://www.youtube.com/watch?v=_ppwIZ0EnXg
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