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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Mercado gerador de riquezas e preservador da liberdade: o que um sociólogo de esquerda é incapaz de entender


Perdi a conta do número de vezes em que o sociólogo Jessé de Souza apareceu nas páginas de O Estado de São Paulo de um ano para cá, tendo se tornado o maior habitué deste veículo de imprensa. Para quem já teve Daniel Piza, a coisa está brava! Para quem ainda acredita que predomina o pensamento de direita na mídia brasileira, uma revisão de conceitos cairia muito bem. Para quem defende o debate e o espaço para o dissenso, algo que não faz parte do ideário esquerdista, diga-se de passagem, toda reflexão é saudável e passível de críticas...
Pois bem, uma das bizarrices mais gritantes das análises de Jessé - e são tantas que não podem ser tratadas em uma exígua postagem - reside na maneira pela qual o sociólogo considera a questão da corrupção, deixando de enxergá-la como uma falha humana que se faz presente mais ou menos intensamente de acordo com o ambiente jurídico-normativo em vigência e ainda em função do respeito (ou falta dele) que os indivíduos nutrem pela ética e pela moral. Jessé promove um corte epistemológico esdrúxulo quando trata do Estado, que ele idolatra, e do mercado, que é fruto de seu ódio. Ora, filosoficamente, é possível e plenamente correto separar as dimensões da sociedade no intuito de compreender a fundo os conceitos que permeiam cada ordem de fatores que compõe a experiência humana: Platão, Aristóteles, Guilherme de Occam, Pascal e André Comte-Sponville, cada um a seu modo, trouxeram contribuições de grande valor para o tema, assim por exemplo, caso se queira discutir a respeito de moral, é no campo universal e atemporal da ética e dos valores que a discussão deve encontrar seus instrumentos de análise. Um método do tipo evita confusões epistemológicas como é típico na obra de Marx, que trata da ciência econômica como se esta fosse recheada de valorações morais ao mesmo tempo que subordina os elementos da moral e da ética à suposta base estrutural da sociedade, sem levar em conta as especificidades de cada dimensão social, além de só observar as relações entre tais dimensões a partir de um feixe que sempre converge para o econômico-material.
Se tomarmos o problema da corrupção como um fato que deriva da inobservância de valores éticos e morais e, sabendo ainda, de acordo com a filosofia pascaliana, que a ordem moral, dada sua abrangência, prevalece sobre outras nas quais o aspecto técnico e pontual confere a tônica, tal como na Economia, é fácil refutar Jessé de Souza, para quem é possível eliminar a corrupção no âmbito do Estado, mas jamais no mercado, lugar, segundo ele, da exploração capitalista. Mistureba conceitual marxista...
Segundo Jessé, o que ele chama de classe endinheirada, - talvez sem se dar conta de que a apropriação de lucros e dividendos públicos no Brasil ocorra quase que inteiramente por parte daqueles que controlam os mecanismos políticos, leia-se, os próprios políticos e os apaniguados do poder - tem interesse na corrupção da esfera estatal para que o mercado reste como opção de virtude e eficiência. Pergunta-se: que mercado pode haver se a forma de atuação do Estado é concentradora de tão demasiado poder e não respeita as regras jurídico-normativas? E ainda, que mercado é esse no qual os competidores se resumem a uns poucos donos do poder? - poder político vinculado ao Estado que o sociólogo tanto exalta. Mercado tupiniquim? Se for esse, que se façam as devidas adjetivações! Jessé não vislumbra a relação entre a necessidade de um Estado eficiente, enxuto, transparente e cumpridor de leis para que o mercado possa existir e funcionar bem. Se há interesse na manutenção do Estado corrupto, e quem assim deseja são aqueles que detêm o poder político e econômico, então isso se dá justamente com o objetivo de tolher a existência do mercado, que não pode se sustentar sem um ambiente jurídico-normativo sólido e fiscalizado que preserve o caráter de impessoalidade e garanta a concorrência, por si só uma característica que se opõe à centralização do poder. Tirar proveito do poder político é justamente uma forma de não se submeter à competição de mercado, na qual a isonomia dos concorrentes deve ser preservada em todos os sentidos.
Uma vez que o sociólogo em questão, haja vista as conclusões que defende, jamais tomou contato com a obra de qualquer pensador liberal, ele é incapaz de perceber que a concentração de poder político nas mãos do Estado, tipo de estruturação inerente ao socialismo, além de abolir todas as liberdades, faz com que o desejo de igualdade, sua justificativa, não passe de mera utopia, pois tratar de modo igual pessoas diferentes só tem como efeito a acentuação de desigualdades. A única igualdade que pode haver é de fundo político, que se desdobra em igualdade perante as leis e igualdade de oportunidades. Ao invés de diferenciar ordens para identificar com clareza quais conceitos operam em cada uma delas e para delimitar seu campo de atuação, Jessé promove uma mutilação artificial entre Estado e mercado sem jamais procurar definir o que cabe a cada um e as relações entre ambos, mas depositando no mercado a velha e insustentável tese marxista da exploração capitalista. Além do mais, ele não analisa o problema da corrupção como um dado decorrente da falibilidade humana a ser coibido com respeito às leis e à moral, mas sim como se fosse uma prática provinda exclusivamente da busca por lucro e por interesses particulares, coisas que, se almejadas dentro do aparato jurídico-normativo, não podem ser condenadas, bem como, caso transgridam a legalidade, devem ser punidas normalmente, o mesmo valendo para o Estado, que não é essencialmente mau ou bom, mas teoricamente sujeito aos mesmos imperativos. Todavia, anticapitalistas como Jessé não são capazes de entender que o Estado planejador e interventor, pela necessidade de controlar todos os aspectos da vida individual e coletiva, característica sem a qual não existe socialismo, acaba se tornando invariavelmente um Estado corrupto, impossível de ser mantido sem recorrer a meios espúrios, uma vez que os imperativos legais representam um freio às ações totalitárias desse tipo de organização.
O moto perpétuo da esquerda é: "Estado benfeitor, mercado gerador de exclusão", pensamento pueril e redutor, algo que, deve-se reconhecer, também é costumeiro entre alguns liberais que invertem a fórmula. O correto entendimento do tema depende da defesa de um Estado que zele pelo ambiente jurídico-normativo e que coíba as transgressões com base na lei, sem margem para brechas, negociatas e inobservâncias, o que vale tanto para as próprias tecituras estatais, como para as relações de mercado. O combate à corrupção segue a mesma lógica, independentemente do meio no qual ela surge e em nada tem a ver com considerar a corrupção como exclusividade disto ou daquilo. Por sua vez, a defesa do capitalismo de mercado não é uma bandeira do liberalismo por este acreditar que as práticas mercantis estão aprioristicamente isentas da possibilidade de haver corrupção, porém, simplesmente pelo fato de ser o único tipo de arcabouço econômico capacitado a oferecer igualdade de oportunidades, gerar riqueza e sustentar as liberdades política e econômica, que andam a par e passo. Para que tal situação seja possível, o Estado deve necessariamente primar pelo cumprimento da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, como consta inclusive da Constituição brasileira. Quem acha que observar tais imperativos é plausível em um sistema socialista, ou sofre de cegueira ideológica e jamais ousou se despir das fraldas do marxismo, ou então, não liga para nada disso, ou seja, não pode reclamar da corrupção, seja em qual esfera for.
Uma historieta elucidativa serve como bom exemplo no intuito de findar este artigo: em 2013 fui professor de um aluno cujo pai é famoso nos círculos da intelectualidade esquerdista; o fato é que esse aluno foi reprovado devido à falta de postura, comprometimento e notas aquém do mínimo necessário para a aprovação, tendo assim deixado de aprender o essencial para dar seguimento à sua vida estudantil; inexplicavelmente indignado com a justa e cabível reprovação, o pai do aluno interpôs recurso junto à Diretoria de Ensino. Não é ilegal, mas é imoral. Para bom entendedor...

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