Protected by Copyscape Original Content Checker

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O PT e a microfísica do poder


Embora o pós-modernismo tenha atribuído a si mesmo ares de pensamento vanguardista, no fundo e em última análise, seu esquerdismo o manteve sempre preso ao arcabouço teórico de Marx. Em Microfísica do poder, Michel Foucault, um dos baluartes do pós-modernismo, escreveu, de maneira geral, que as relações de poder nas sociedades de massa haviam se disseminado por redes difusas que abrangem o cotidiano dos indivíduos, considerando-se aí praticamente todas as trocas (no sentido de relações) que perfazem a vivência dos mesmos. Apesar de ter rompido, até certo ponto, com o conceito (jamais plenamente explanado e definido) marxiano de classe e ter dado maior ênfase ao indivíduo, Foucault não deixou, em momento algum, de permanecer atrelado à questão da dominação burguesa e da base econômica. Assim, segundo ele, os burgueses, pelo fato de serem detentores do capital, não apenas o capital dinheiro, mas principalmente o capital cultural, eram responsáveis por dominar uma massa indistinta de oprimidos. Onde isso desemboca? Na necessidade, de acordo com Foucault e todos os esquerdistas, de superação do capitalismo. O que ficaria em seu lugar é a utopia socialista-comunista como já a conhecemos e, em termos reais, traduzida pela tragédia que representou sempre que tentada na prática.
Desde Tocqueville, pelo menos, os liberais sabem que o elemento político, desprezado pela esquerda, é fundamental para se entender as sociedades, sobretudo aquelas nas quais - e aí estamos pensando no mundo moderno - existe, ou deveria existir, um sistema parlamentar garantidor da resolução de conflitos com base nas leis e na isonomia jurídica. Pelo fato de não haver em Marx uma teoria do Estado, tampouco uma história que dê conta de explicar seu desenvolvimento, tanto o autor de O capital como seus discípulos nunca puderam enxergar que um sistema centralizador invariavelmente gera uma intensa desigualdade política. Se a instauração do comunismo como regime econômico ideal direcionasse a superestrutura, como quisera Marx, então por que Lenin implantou um regime de terror? Não deveria ter a estrutura econômico-material conduzido à harmonia? Não foi o que aconteceu justamente devido à impossibilidade de se apontar o elemento político apenas como acessório secundário, em outras palavras, a centralização bolchevista determinou, como não poderia deixar de ser, um Estado totalitário.
No que diz respeito ao fator econômico, também estão cientes os liberais, graças à contribuição da Escola Austríaca, de que no capitalismo as trocas econômicas ocorrem com base em interesses livres e voluntários de indivíduo para indivíduo. A Economia, nesse sentido, não é uma pesada ciência de gabinete, mas uma dimensão corriqueira da vida humana. A intromissão estatal nos assuntos econômicos nasce da ideia de centralização e, à medida em que o Estado procura controlar o dia a dia de milhares de pessoas, ele apenas poderá fazê-lo a partir de abstrações ideológicas que ferem os mais elementares princípios da Economia, - como fazer cálculo se não há mercado?; como ter a pretensão de planejar se não há cálculo?; como alocar os recursos de modo correto e eficiente; como precificar? Sendo assim, por entrar em contradição com suas próprias premissas, o intervencionismo socialista só se constrói a partir da gritante desigualdade política que o caracteriza e só pode se manter lançando mão de uma política ditatorial. Algum marxista ainda poderia colocar que a meta final do comunismo é a abolição do Estado, ao que retrucaríamos afirmando ser altamente improvável - senão impossível - passar do planejamento econômico socialista, que exige intensa atuação estatal, à sua ausência. Daí advém a necessidade de controle e a consequente ditadura, inerente a esse sistema.
Retornando a Foucault, penso que este acertou no que concerne à difusão das relações de poder e sua consequente abrangência em níveis microscópicos, porém, tais relações devem ser esmiuçadas antes em termos políticos do que econômicos. Quando o pensamento de esquerda passa a dar as cartas no âmbito cultural, quando pauta grande parte da grande imprensa, quando norteia o ensino nas escolas e universidades de acordo com a bússola de Marx, quando aparelha instituições com quadros que lhe são dóceis e subservientes, - até o STF! - quando controla centrais sindicais na mais autêntica tradição peleguista, quando coopta "artistas", "intelectuais" e "jornalistas" para que estes sirvam como porta-vozes, quando possui uma rede de milícias reais e virtuais que buscam vigiar seus opositores, quando faz uso de sua influência para obter lobby junto a empresários, estamos diante do poder - no nosso caso atual, do poder de Estado - que visa controlar o cotidiano dos indivíduos em diversos níveis. Trata-se da própria microfísica do poder que, em sua origem, é política e, enquanto tal, envolve, por tabela, aspectos econômicos. Aqueles que não conseguem observar nesse arranjo a descrição exata do poder de Estado instalado pelo PT no Brasil, ou são cegos e ingênuos, ou de algum modo extraem vantagens dele, isto é, são vetores da desigualdade política que caracteriza sistemas autoritários e ditatoriais.
O poder de Estado não tem a conotação de classe econômica, muito menos advém do capitalismo, como pretendiam Marx (para o qual o Estado funcionava como "comitê executivo da burguesia"), Foucault e todos os outros esquerdistas. É um poder, afinal de contas, fiel ao próprio conceito de poder na sua acepção política autoritária, um poder que, através de redes difusas, microscópicas e, portanto, muitas vezes de percepção nem tão fácil e imediata, abarca e tenta - com altíssimo grau de sucesso - controlar as mínimas relações pessoais. Na minha opinião, não será com manifestações dominicais pré-agendadas que a sociedade cujo clamor pela liberdade, pela isonomia jurídica e pelos valores republicanos de boa governança irá lograr êxito no combate ao autoritarismo petista. Liberdade é algo que costuma exigir posturas mais contundentes e que se estendam por mais tempo do que desfiles de avenida...

Nenhum comentário:

Postar um comentário