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terça-feira, 15 de maio de 2018

Uma breve nota sobre Israel e o esquerdismo



1. Israel é um país livre e democrático, características odiadas pelo terrorismo islâmico e por todos os ideólogos da esquerda, amantes, como não poderia ser de outro modo, de regimes autoritários/totalitários. Só para ser ter uma ideia de como o ideologismo esquerdista é absolutamente rasteiro e contraditório, ao mesmo tempo que tece loas de amor ao fanatismo islâmico, é contrário a qualquer dogma religioso ocidental.

2. O Hamas é um grupo terrorista cuja intenção nunca foi, não é e nunca será a de manter a paz e uma situação harmônica no Oriente Médio e na Palestina, mesmo que o Estado Palestino seja criado. O surgimento de um Estado Palestino não é causa suficiente para que cessem as atitudes extremas do Hamas, não é nem mesmo uma causa pela qual o grupo luta.

3. O Hamas promove ataques terroristas constantes contra Israel. Quando sofre represálias, o que faz parte das próprias intenções do grupo terrorista, utiliza escudos humanos com o objetivo de criar mártires e demonizar o inimigo que está se defendendo.


4. O terrorismo tem como seu modus operandi o ataque furtivo contra civis. Desde sempre. Elementar.

5. Odiar Israel e desejar o seu fim, como é corriqueiro no pensamento de esquerda, não guarda nenhuma diferença em relação ao sentimento antissemita. E a esquerda chama a direita de nazista...

6. O governo israelense comete erros quando trata da questão Palestina.

7. A criação de um Estado Palestino é uma causa totalmente justa.

A moral da história é que aqueles cujo intelecto ainda é assaltado pelo ranço esquerdista e, assim sendo, incapazes de reconhecer as verdades enumeradas de 1 a 5, não estão autorizados a defender os itens 6 e 7. Simples.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Gregor Samsa de Perdizes


Primeiro dia de aula e os calouros iam se conhecendo enquanto levavam trote dos veteranos, um trote até certo ponto leve e descontraído. José Leandro Nagato se mostrava um rapaz tímido, recatado, chegava até mesmo a ser meio medroso e a vontade de se integrar ao restante daqueles que formavam sua turma de calouros esbarrava fortemente na insegurança, francamente visível no olhar. Talvez eu tenha sido o primeiro a puxar papo com ele sobre o longo período que a partir daquele momento abria as portas do desconhecido sobre nós e logo pude notar que o garoto vindo do interior era, como se diz, gente boa, o tipo do sujeito que não faz inimigos. Fala mansa, grande dose de ingenuidade e uma expectativa que, embora contida, possuía vigoroso potencial germinativo, algo que naquele início era o que de melhor um novato prestes a iniciar seu curso superior poderia ter. Nagato reunia qualidades que faziam enxergar nele uma margem fecunda de crescimento.
Os primeiros meses foram passando e Nagato, na faixa dos dezoito ou dezenove anos de idade, era ainda cru como uma pedra rombuda, mas seu interesse e o empenho que empreendia a cada desafio davam gosto de ver. Ele carregava uma miríade de dificuldades que estavam ali exatamente para serem superadas construtivamente e, ao contrário da maioria, não sucumbia a tais exercícios. Como era de esperar, foi sendo lapidado e seu repertório teórico e prático ganhava implementos importantes à medida em que cumpria etapas. Quem iria duvidar daquele garoto?
Trata-se de um clichê afirmar que a vida é feita de escolhas, mas clichês são verdades simples já examinadas, por isso muitas vezes caem em esquecimento, o que não é bom indício. Conforme um indivíduo aumenta sua gama de conhecimentos e aprimora seu intelecto, aumentam igualmente suas responsabilidades em função de que o olhar sobre a realidade, sempre encantadora, ao mesmo tempo em que exige cuidado para não haver deslumbramentos, invariavelmente inebriantes, expande ângulos e horizontes. O fator de complicação se dá porque diante desse novo espectro, a quantidade de escolhas a serem feitas cresce exponencialmente é e necessário sabedoria para realizá-las, do contrário, um caminho tomado de maneira equívoca e inadvertida, em várias situações, não permite retorno. Cabe ter em mente a diferença fundamental entre conhecimento e sabedoria: o primeiro é específico e obtido por meio da reflexão a partir das informações recebidas, já a segunda, assume um caráter geral e não tem finalidade pragmática imediata, pois seu uso se dá no interior do sujeito, sempre visando coisas maiores e perenes. A sabedoria não vem de algum lugar, ela se desenvolve - ou não - como uma espécie de Providência que nos é fornecida em termos de potência pelo Deus particular que habita o âmago de cada um de nós. Sempre acreditei que não adianta pedir nada a Deus além da capacidade de discernimento entre o certo e o errado, sendo todo o processo que começa em virtude disso, de responsabilidade única e exclusiva do indivíduo. Se o senso de responsabilidade fenece, a pessoa se vê em grande perigo e apenas o potencial de sabedoria atua como remédio repositor contra esse turvamento, sendo que o maior e o melhor esforço que o ser humano pode prestar a si mesmo é a manutenção da responsabilidade. Não há sabedoria sem autodomínio moral.
Nagato chegou em um ponto no qual sua bagagem de conhecimentos específicos se assemelhava a uma cristaleira repleta de objetos de boa qualidade a serem guardados e preservados, daí em diante estando pronta a se aprimorar quase que naturalmente. Nesse mesmo ponto, nevrálgico para qualquer pessoa, momento de inflexão que poderia proporcionar ganhos de caráter inestimável e vitalício, Nagato fraquejou e fez as escolhas erradas. Talvez por imaturidade, talvez por embevecimento, ou um misto desses dois vampiros da alma, faltou-lhe a interioridade cuidadora, faltou-lhe a precaução crucial que paulatinamente o conduziu à trágica metamorfose e à aniquilação moral. Imerso em um turbilhão de vaidade, seduzido pelos aplausos de grupos ligados ao establishment, ele deixou de estar atento ao senso de responsabilidade que permeia as escolhas corretas, ficou com o flanco aberto ao assalto dos bajuladores, dos doutrinadores e de toda a sorte de más influências que o ambiente que frequentávamos era pródigo em fazer espreitar por detrás de cada brecha, tornando-o incapaz de reconhecer o mal disfarçado sob a pele de cordeiro.
Da segunda metade do curso em diante, Nagato passou a usar seu conhecimento sem qualquer sabedoria, sem responsabilidade, deixando não apenas de guardá-lo e preservá-lo, mas esgotando a chance de aprimorá-lo, já que então não havia mais um norte moral a ser buscado, não havia mais finalidades nobres a serem almejadas. Todo aquele alicerce construído com esmero agora apodrecia rapidamente, atacado pela peste do relativismo, da inversão de valores, do autoritarismo e da vã autoindulgência. Com isso, ele se tornou pior a cada dia que passava, tanto como postulante ao bacharelado como em termos pessoais, o que era ainda mais abominável. Um dantesco espetáculo de degradação tomou conta das entranhas do outrora promissor Nagato, típico exemplo de desperdício.
O Gregor Samsa kafkiano foi vítima de um arranjo em relação ao qual ele não engendrou de forma direta, tendo pecado pela falta de percepção apriorística. Nagato, o Gregor Samsa de Perdizes, perdeu de vista o senso de responsabilidade e, consequentemente, o potencial de sabedoria, assim ocasionando diretamente sua própria metamorfose destruidora. O personagem de Kafka nos impele a um sentimento de pena, tal como Nagato, todavia, o rapaz que tinha tudo para brilhar mas se deixou levar por trilhas nefastas, acaba não retendo nem mesmo o fio de dignidade ensejado pela pena e, embora sempre lamentemos por um potencial ser jogado fora tão estupidamente, no fim das contas, pelo fato de ter sido responsável por sua degradação, talvez ele não mereça nada mais do que o limbo.

sábado, 3 de março de 2018

O caso de Rodolpho Branco


No primeiro semestre de um curso universitário de Humanas, pode-se encontrar basicamente quatro tipos de calouros: 1) aquele que ali está porque anteriormente teve sua mente moldada de acordo com os ditames da ideologia esquerdista dominante, sendo que a universidade é apenas um prolongamento do que ele já julga conhecer [de todos os tipos, esse é o que tem mais chance de completar o curso, ainda que muitas vezes demore anos a fio para tanto, levando-o aos trancos e barrancos, sem compromissos com estudos na acepção do termo e exercendo dentro do campus uma militância política truculenta e de cunho intelectual altamente imbecilizado]; 2) aquele que não sabe ao certo porque escolheu estar ali, se mostrando perdido, deslocado e sem nenhum rumo [de forma mais geral, o aluno que se enquadra nessa classificação desiste do curso antes mesmo de terminar o segundo semestre]; 3) aquele que ingressa no curso em busca de conhecimento e da formação de uma visão de mundo profunda, de um propósito de realização intelectual baseada na construção de ideias a partir da interlocução com uma ampla diversidade de autores, inclusive e sobretudo com os que não são alinhados aos cânones acadêmicos, tais quais Marx, marxistas e derivações, como a Escola de Frankfurt [este grupo compõe uma minoria silenciosa e confidencial com boas chances de concluir a graduação, mas é obrigado a travar uma luta interna quase que diária contra o próprio ambiente universitário que, se não estiver respaldada em grande força espiritual, logo faz o esforço soçobrar e 4) aquele que faz o curso com objetivos estritamente pragmáticos, ou seja, se formar para possuir um diploma de nível superior, um tipo bastante raro nas Humanas, mas ainda assim verificável.
Rodolpho Branco, rapaz de seus 17 ou 18 anos, silhueta rotunda e atarracada, compunha um perfil curioso que não se enquadrava totalmente em nenhuma das quatro categorias acima listadas. Talvez o segundo tipo fosse o mais próximo de sua figura pessoal, mas embora perdido em grande medida, ele mantinha algum grau de politização típico do primeiro tipo, contudo, lhe faltavam o engajamento e a disposição para a ação direta que caracterizam o militante de esquerda, além disso, ele também não fazia a menor questão de propagar cotidianamente o beabá daquela turma, sendo que não possuía nem sequer o parco repertório da marxologia. Branco era um largado que, vez por outra, soltava despreocupadamente algum clichê esquerdista, sem nenhum objetivo político, sem nenhum compromisso estratégico. Para se ter ideia, já em termos de visual, um elemento importante na composição do estereótipo do militante esquerdista, Branco desviava totalmente do padrão com seu boné, bermudão largo, comprido e tênis de skatista. Evidentemente, em seu íntimo, ele não gostava nem um pouco dos Estados Unidos, mas de maneira contraditória, assim como todos que renegam a cultura ocidental, a democracia verdadeira e a defesa incondicional da liberdade, seus atos e costumes entravam em choque com as ideias, todas elas deformadas e bizarras.
Nas rodinhas de conversa Branco rapidamente revelava aos convivas suas ridículas idiossincrasias, próprias de um espírito dos mais pobres. Certa vez ele contou com orgulho que havia causado vômito - descrevendo até mesmo os detalhes do mesmo - no irmão pequeno de uma namorada após lhe fazer cócegas incessantes. Em outra ocasião, discutindo a respeito de música, afirmou que Ronnie James Dio era desprezível porque não evoluía, que Rock Progressivo era um estilo burguês (outro exemplo dos clichês de esquerda que ele escutava e reproduzia sem realizar análise e julgamento próprios) e também que qualquer barulho poderia ser considerado musicalmente válido. Ora, se qualquer barulho é música, então como ele poderia proferir desqualificações a artistas e estilos musicalmente bem mais elaborados do que barulho, apenas pelo fato de não apreciá-los?! Para Branco, certamente, o barulho do irmão da namorada vomitando era mais interessante que música de qualidade.
Em um dos últimos episódios dos quais me recordo de Branco destilando sua sapiência, discutia-se sobre a ditadura militar no Brasil e ele, obviamente precisava dar a demonstração de conhecer alguma coisa em relação ao assunto  (todo indivíduo que entra em um curso de Humanas, mesmo que não esteja preocupado em manter qualquer compromisso amplo e de prazo que vá além dos quatro anos regulares, se sente na necessidade de articular algum palavrório acerca de questões que perfazem o arcabouço básico do metiê): lá pelas tantas, declarou: "era uma época em que minha mãe comia arroz com limão!" Se a mãe de Branco era pobre à época da ditadura, teria ela se recuperado economicamente na década de 1980, período de hiperinflação? Deveras improvável. Talvez um pouco mais para frente, quando da estabilização monetária dos 1990. Mais crível. Em algum momento a família de Branco, ou quem quer que fosse que lhe oferecia respaldo financeiro, venceu a penúria da fase dos milicos, só assim para ele usar tênis Vans... Bem que ele poderia ter criticado a ditadura em seu aspecto político, ou melhor ainda, se falasse do sucateamento do Banco Central, um dos fatores geradores da hiperinflação, que aí sim fez muita gente comer arroz com limão depois que o governo havia se tornado novamente civil, mas isso já seria exigir muito da capacidade de nosso estranho rapaz.
A aula de Teoria da História I realizava-se aos sábados pela manhã, uma inesperada e involuntária forma de selecionar pessoas em se tratando de um ambiente esquerdista. Qualquer um que não levasse aqueles momentos de acordo com a mais pura seriedade, com o mais profundo interesse e com o mais esmerado esforço não poderia chegar a lugar nenhum em termos de conhecimento e formação como historiador. Ali, desde as primeiras palavras enunciadas por aquela professora, criatura que apareceu como uma espécie de Providência para quem estivesse interessado em enfrentar os desafios que ela propunha sem precisar torná-los abertamente manifestos e só os revelando tacitamente, confidencialmente, nas recônditas entrelinhas, ficava estabelecido às mentes virtuosas que um caminho estreito e difícil estava se abrindo, um caminho que deveria obrigatoriamente ser precorrido caso os presentes quisessem buscar algo a mais. Em um desses sábados olhei para Branco e o vi desenhando absorto nas últimas páginas do caderno, língua dobrada no canto da boca, como quem se dedica a uma tarefa, lápis e borracha nas mãos para traçar e dar acabamento a um tipo de grafite desses que se observa em muros públicos... O mundo caía ao seu lado, e ele ali, se divertindo, como se não houvesse nada além do seu desenho.
Branco não durou dois semestres na faculdade, nunca mais o vi, nunca mais soube nada dele. A pequena parte de sua história aqui narrada está longe de ser um caso de horror à moda de Charles Dexter Ward, mas não deixa de ser um caso bizarro e, a seu modo, perturbadoramente assustador.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Lixo acadêmico - uma experiência (e um pouco de análise)


Em minha graduação, eu frequentava regularmente a faculdade no período da manhã para cursar o Bacharelado, mas já a partir do terceiro semestre, dei início à Licenciatura, cujas aulas ocorriam à tarde ou à noite, dependendo da disciplina.
No quarto semestre eu me matriculei no curso que levava o nome de Estrutura e Funcionamento da Educação Básica (uma inutilidade do começo ao fim, apenas para encher linguiça e grade curricular), o que demandava ir à faculdade uma vez por semana no turno da noite, se não me falha a memória, às terças-feiras. Com o passar do tempo, o nome da professora me fugiu completamente e apenas lembro que se tratava de uma gordona meio insondável, distante, cujos modos passavam a impressão de que, exceto pelos elementos puramente mecânicos e ideológicos, ela não sabia exatamente qual era seu papel ali. Claro, porém, que ela não fazia cerimônia em deixar transparecer sua concepção política de esquerda. Havia um aluno chamado Legnaro que era o queridinho dela, um rapaz bem articulado em relação ao palavrório revoltado, típico de palanque, que é comum a todo marxista. Legnaro se mostrava extremamente ligado na aula, participativo, complementava quase tudo que a professora colocava como argumento e ela, claro, aprovava com um largo sorriso e comentários elogiosos. Em muitos momentos, se alguém chegasse à sala de aula, caso não fosse pelo fato de que Legnaro sentava-se na carteira e ela na cadeira que acompanhava a mesa do professor, iria pensar que quem ministrava a aula era ele ao invés dela.
Para se ter uma ideia da monotonia daquele curso, os diálogos entre a professora e Legnaro eram o que de mais interessante acontecia, não, evidentemente, porque oferecessem reflexões a serem aproveitadas, mas devido ao fato de que observá-los um concordando com o outro e, por parte dele, a tentativa bem sucedida de obter a aprovação dela, compunham cenas que beiravam o cômico, apesar de serem trágicas.
Tem-se aí um exemplo simples e corriqueiro do pensamento único de manada que domina completamente um curso de Humanidades nas academias brasileiras. O sujeito treina o linguajar mais típico de um revolucionário comuna e rapidamente se torna capaz de despejar a manjada e rasteira meia dúzia de palavras de ordem contra a burguesia, o capitalismo e a propriedade privada. O marxismo é um instrumento eficaz de doutrinação porque seu corpo teórico, embora relativamente extenso no que tange a aspectos econômicos, cabe em poucas frases de efeito naquilo que tem de mais sedutor frente a jovens tolos e revoltados, que é seu elemento político, de sentido mais imediatista e que não requer nenhum apuro filosófico, nenhuma concepção elaborada sobre a história ou sobre a complexidade das relações humanas.
Assistir às conversas da professora com Legnaro era sem sombra de dúvida um espetáculo de tragicomédia, pois a coisa funcionava como se ambos estivessem com todo o discurso completamente pronto e acabado, apenas aproveitando aqueles momentos para exteriorizar o "conhecimento" na direção da plateia amestrada, tal qual o mesmo fosse fruto de uma força arrebatadora, indiscutível, elevada ao mais alto grau de magnanimidade. Os demais alunos apenas deveriam absorver aquele bálsamo emanado de duas pessoas iluminadas, muito acima dos simples mortais. Era patético e me causava ânsia de vômito, mais ainda em função de que a maioria dos alunos realmente se mostrava boquiaberta diante do enlatado repertório, como se fosse algo inovador, como se estivessem frequentando um rito de iniciação, prestes a adentrarem ao mundo da sabedoria marxista, redentora da humanidade. Detalhe: discursos como aqueles eu escutava como um moto perpétuo desde o Ensino Fundamental II, chamado de Ginásio à minha época. Enganar trouxas no interior de um ambiente supostamente qualificado em termos de intelectualidade é a coisa mais fácil nesse Brasil, mas mais ridículo do que isso é o fato de que quem se propõe a enganar é tão trouxa como aqueles que engana!
Se no período matutino o ambiente universitário já era contaminado pelo pensamento único de esquerda, durante a noite, a coisa se tornava mais acentuada, mais aterradora, mais potencialmente inebriante para mentes frágeis, vazias, carentes de individualidade, de imaginação, de poder de escolha e de propósitos nobres, propícias portanto a servir de repositório para aquele catecismo profano. A atmosfera pesada e sufocante que fui obrigado a vivenciar por quatro anos e mais especialmente durante o quarto semestre é algo que não sou capaz de descrever com toda a propriedade que a tarefa exige. Resta somente que o leitor procure imaginar um local um tanto quanto mal cuidado, iluminado aquém do que se faz necessário em ambiente que deveria ser de estudos, povoado por muitas figuras caricaturais, como por exemplo, um sujeito usando boina e cavanhaque angulado, fumando cannabis e dissertando em tom professoral, expressão corporal altiva e repleto de gestos -  talvez tentando imitar a postura de Lenin em cima de um palanque - sobre o Estado e a revolução.
Esse é, salvo certas exceções em termos de instituições e cursos, o ambiente acadêmico brasileiro de onde saem os "especialistas" Fake News, os sociólogos e tutti quanti que aos trancos e barrancos se formam na mais rasteira marxologia para depois serem convidados a falar sobre assuntos que não dominam nem no nível dos rudimentos (viram Pedro Abramovay e Alba Zaluar emitindo opiniões a respeito da intervenção na Segurança Pública do RJ?). Esse é o ambiente acadêmico que reproduz a chusma de homens-massa sem um pingo de alta cultura, como adiantou José Ortega Y Gasset há noventa anos, fedelhos que desconhecem todo e qualquer pensador que não esteja alinhado à doutrinação (até mesmos os alinhados eles conhecem mal e porcamente), mas que não têm vergonha de gritar baboseiras para quem quiser ouvir.
O Brasil só mudará com uma profunda renovação da intelectualidade. E isso, se vier a acontecer, demorará centenas de anos.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Um curso com Noel Remo


Volto hoje depois de muito tempo com um conto que remete a determinado episódio de minha época de graduando. Em breve, escreverei mais uns dois ou três com o objetivo de retratar os absurdos e as agruras enfrentados no curso de História. Não há dúvida de que alunos universitários espalhados pelo Brasil afora se veem diante de situações semelhantes àquelas que vivi e, dependendo de seu caráter, de sua orientação política e do grau de compromisso que colocam para si próprios, encontram grande dificuldade em aceitar situações que, para outros - pouco ou nada afeiçoados pela busca do conhecimento -  são vistas como normais ou mesmo passam bastante desapercebidas. Depositar altas expectativas em algo que deveria naturalmente ser sério e levado com a mais esmerada responsabilidade, muitas vezes, pode ser absolutamente frustrante.
O nome verdadeiro do personagem do conto foi modificado por questões éticas - não que ele merecesse esse respeito, pelo contrário, mas ética é algo que se tem ou não, independente do sujeito ou do objeto envolvidos. Boa leitura!
***
O professor Noel Remo entrou na sala de aula, olhou com alguma dose de desdém e arrogância para os alunos que o aguardavam e começou a arranhar um portunhol arrastado e difícil de ser compreendido. Suas calças, com a barra pela canela, e os calçados, alguma coisa entre um sapato meio cano e um coturno, somados ao aspecto geral de sua pessoa, causavam uma impressão bizarra. Alunos, inevitavelmente, julgam pela aparência. Muitas vezes erram redondamente, em outras, a própria bizarrice, aos poucos, vai se revelando o menor dos males... . Ele ministrava a disciplina História Contemporânea - não me lembro mais se Contemporânea I, II, III..., me recordo apenas que o primeiro texto - e um dos únicos minimamente trabalhados por ele - tinha R. H. Tawney como autor.
Após decorridas algumas aulas Remo propôs uma espécie de seminário que deveria ser realizado a partir de um conjunto de textos previamente selecionados por ele. A atividade era em grupo e nosso texto foi... o Manifesto do Partido Comunista! Àquela altura - deveria estar no 5° semestre, algo assim - eu passava por uma espécie de catarse quando me deparava com escritos de Marx. Desde o início do curso, as overdoses cavalares do barbudão de Trier eram recorrentes até mesmo em disciplinas nas quais a ementa pouco ou nada tinha a ver com alguma coisa saída da pena daquele que ensejou a fina definição de Raymond Aron, "o marxismo é o ópio dos intelectuais". Marx não me assustava mais, não me surpreendia em nada, eu já sabia a essência de suas ideias, já conhecia bem a sua linguagem e a maneira pela qual ele tendia sempre a simplificar o mundo e as relações sociais. Não posso negar que foi positivo ter lido Marx à exaustão; quanto mais eu o lia, quanto mais o estudava, quanto mais submetia seu pensamento ao teste da realidade histórica e social, mais me afastava dele, mais me tornava ávido em refutá-lo. É claro que eu ainda não dominava por completo a crítica ao marxianismo/marxismo, missão que até hoje faz parte de meu roteiro intelectual (autores críticos de Marx e de suas ideias não fazem parte do rol bibliográfico acadêmico), ainda assim, já naquela época eu havia descoberto leituras extremamente proveitosas, um pouco por sorte, um pouco porque eu sempre estivera atento às raríssimas brechas que de vez em quando se abriam no claustro de esquerdismo e anti-capitalismo que me sufocavam no cotidiano de aluno universitário. Posteriormente, atuando de forma autônoma, fui ampliando continuamente meus conhecimentos em relação à crítica de Marx, aspecto que, devo confessar, muito me orgulha.
Voltando ao seminário, expusemos o assunto e fizemos as devidas considerações diante de um impassível Remo que, durante todo o tempo de exposição, limitou-se a proferir as seguintes palavras: "podem falar mal de Marx, podem falar mal dele". Nenhum membro do grupo havia dito nada desabonador acerca do autor do texto, pois apenas estávamos procurando deslindar os elementos internos do mesmo, sem lugar, pelo menos até aquele momento no qual fomos bruscamente interrompidos, para julgamentos ad hominem (embora muitos possam ser aplicados no caso de Marx). Indignado, mas quieto, fiquei pensando que Remo, possivelmente, tivesse prestado bastante atenção à minha expressão facial blasé, afinal, como um marxista poderia conceber que um aluno seu se mostrasse desprovido de qualquer empolgação ao tratar do hiperbólico e colérico Manifesto?! Ou, por outro lado, minha postura talvez fosse o reflexo da própria falta de originalidade e de apuro bibliográfico e historiográfico por parte do professor..., contudo, além de mim, outros alunos nem tão avessos a Marx estavam apresentando o seminário junto comigo. No fim, Remo não atribuiu nota alguma ao seminário.
Isto posto, o foco deste conto não é Marx, mas sim Noel Remo. A disciplina por ele ministrada foi algo tão inútil, tão sem substância, tão superficial, que as poucas lembranças advindas de suas aulas são tragicômicas. Modestia à parte, eu fui um excelente aluno universitário e, mesmo quando um professor ou a matéria me desagradavam, situação comum em vista da insistência enfadonha de muitos professores em torno dos mesmos temas, clichês, conclusões ridículas, do maniqueísmo entre os bons (os esquerdistas portadores de uma missão redentora) e os maus ("os porcos burgueses capitalistas" e os "alienados", "os mantenedores do status quo opressivo e dominador"), minha dedicação não deixava de existir e não foi diferente com o próprio Remo.
Em determinado momento do curso, ele aplicou uma avaliação em relação à qual não tive grandes dificuldades. Os critérios de avaliação eram totalmente subjetivos: MB (muito bom), B (bom), R (regular), RU (ruim). Essa sopa de letras era ainda mais problemática à medida que precisava ser convertida em uma média de zero a dez que representaria a média final na disciplina. Tirei "B", mas o que representava um "B"? Um 7.5, segundo raciocínio lógico-matemático, porém, nada que se referisse a Remo possuía teor lógico.
Mais para o fim do curso, outra avaliação e, desta feita, atingi um "MB". Tratava-se de um 8, de um 9.5, de um dez? Como traduzir aquele vago conceito em um número? Nem mesmo Remo tinha resposta para tal pergunta.
O curso chegou ao seu final, um alívio para mim! Como era chato e maçante ouvir aquele sujeito, que não demonstrava nenhuma nobreza de espírito ao dar aquelas aulas, nenhum contentamento, que não realizava o mínimo esforço para trazer um autor diferente, para ensaiar uma linha de raciocínio alternativa que fugisse do marasmo acadêmico esquerdista. Remo, então com 76 anos de idade, só se entusiasmava nos momentos em que alunas se debruçavam sobre sua mesa no intuito de dirimir alguma dúvida ou simplesmente trocar com ele palavras ao vento. Certa vez ele tocou no braço de uma aluna e disse: "ahh, olha aqui, um fiozinho do meu bigode na sua roupa". Sim, ele fez isso, chegou a esse ponto!
Quando fiz a consulta eletrônica de meu boletim, eis que lá constava na disciplina de Remo a nota 5. Obviamente, eu não entendi como poderia ter levado um 5 se nas avaliações obtive "B" e "MB". Será que ele havia detestado o seminário a respeito do Manifesto? Mas como, se nem ao menos atribuiu uma nota ou sequer fez algum comentário que não aquele já mencionado? Não, as coisas não estavam batendo! Que raio de cálculo o cretino fez?! Cálculo?
Fui obrigado a pedir a famigerada Revisão de Nota. Dias depois da requisição, uma funcionária do departamento liga em minha casa (uma funcionária!) informando que Remo, face ao pedido, havia solicitado um trabalho sobre o programa de seu curso. Lá fui eu para o computador munido do tal programa - que o professor não cumprira em quase nada, mesmo em se tratando de um roteiro trivial - para fazer o trabalho. Entreguei no prazo estipulado e, decorrido mais um tempo, em nova consulta ao sistema, verifiquei que minha média tinha subido para 8, com o quê me dei por satisfeito. Era preciso encerrar com aquilo, virar a página!
Anos se passaram e comecei a pensar que o fato dele ter solicitado o trabalho depois de ter atribuído uma média sem pé nem cabeça foi um grande absurdo, afinal, eu não deixei de cumprir as obrigações e a incongruência era toda da parte dele. Que raio de cálculo o cretino fez?! Cálculo? O cara era um perfeito idiota! Um perfeito idiota latino-americano, esse personagem tão bem descrito e analisado por Plínio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa, praga mais comum em um curso de Humanidades!
Até hoje não me conformo em ter sido tão trouxa ao aceitar fazer o trabalho! Deveria ter batido o pé, soltado os cachorros, gritado aos quatro ventos que ele estava totalmente equivocado, que ele tinha obrigação de rever uma média atribuída sem critério nenhum! Revisão de nota significa que uma média obtida deve ser revisada a partir do que já foi avaliado erradamente!
Como tão bem trouxe à baila Yuri Vieira, a vida acadêmica no Brasil é uma tragédia! E ainda tem gente que se orgulha de um diploma e acredita que com isso vira intelectual e adquire o direito de opinar a respeito de tudo, ... e com o máximo de pedantismo!