José Mindlin, o maior bibliófilo brasileiro, faleceu no domingo (28/02), deixando um legado que é tanto material, - os próprios livros - quanto imaterial - a maneira pela qual se dava sua relação com os livros. Assim, cabe uma justa homenagem a essa personalidade que carregava consigo um respeito pela alta cultura como pouco se tem visto hoje em dia.
Ao longo de uma vida voltada ao estudo e, por isso mesmo, indissociável de seu amor pelos livros, Mindlin empenhou esforço invejável e conseguiu reunir a mais volumosa biblioteca particular do Brasil, composta por cerca de 45.000 títulos, número deveras impressionante para um colecionador. No fim da vida, ofereceu um exemplo digno do mais louvável espírito público, doando uma parte de sua coleção, aproximadamante 25.000 títulos, para a biblioteca da Universidade de São Paulo, ainda que a nefasta burocracia brasileira tenha dificultado ao máximo o processo, que durou 15 anos. Na era da virtualidade, quando alguns, apressadamente, vaticinam o fim do livro em formato tradicional, que supostamente cederá lugar ao e-book, Mindlin foi a prova viva do contrário. Depois de morto, seu legado não deve ser esquecido nunca.
Do mesmo modo que acontece com os discos no caso da música, um livro vai além das palavras e ideias que contém. Comprar um livro, como comprar um disco, é um ritual que desanuvia a mente, envolve a procura dos títulos almejados, vasculhando-se livrarias ou sebos, a apreciação da arte da capa, por mais simples que possa ser, a análise do papel, dos tipos utilizados na confecção do texto, até chegar à montagem da bilblioteca, que deve ser sempre um espaço aconchegante e convidativo ao estudo. Tudo isso mostra que ter livros é um hobby fascinante, além da leitura e conhecimento cultural que os bons títulos oferecem. É um certo fetiche, porém saudável. Mindlin dizia que tinha obsessão pelos livros, doentia até, mas que isso não prejudicava a ninguém, pelo contrário. A frieza do e-book jamais irá suplantar a prazerosa atividade de colecionar livros.
Não só por isso Mindlin merece reverências, seu exemplo vai além. Ele não foi um colecionador qualquer, foi um grande colecionador, alguém que valorizava a alta cultura de modo absolutamente devido e, ao contrário do que possa parecer ao observador atido somente ao senso comum, ser um bibliófilo de tanto destaque não fez de Mindlin uma personalidade pedante, longe disso. O sempre arguto Daniel Piza acertou em cheio quando escreveu que ele não precisava de tom professoral para falar sobre livros, falava apenas com prazer e entusiasmo, sentimentos que não se encontram na maioria dos jovens quando o assunto é esse. É desagradável topar com gente metida a intelectual que aborda a bibliofilia com tom empolado e sisudo, que enche a boca e até faz pose para proferir o vocábulo "burguesia". Assim é que as pessoas mais novas não irão mesmo adquirir gosto por ter e ler livros.
Deixei por último a parte mais importante dos livros, sua atribuição mais específica, ou seja, a leitura. Obviamente, também nesse aspecto Mindlin é justamente homenageado. Como já salientado, ele foi um intelectual, além de bibliófilo. São duas qualidades que se complementam, de maneira que colecionar livros que não trasmitam nenhum conteúdo cultural de qualidade, faria do colecionador alguém pobre de espírito, alguém, como tantos, que não sente prazer pela leitura e pelo conhecimento, gente sem curiosidade, incapaz de se encantar pelos sentimentos, descobertas e saberes que uma leitura de qualidade é capaz de conferir. Em outra ocasião, escrevi que não há nada de mau em ler autores de narrativas como Dan Brown, J.K. Rowling, Stephenie Meyer ou Marian Keys, antes ler alguma coisa, do que não ler nada. Contudo, ficar preso somente a escritores cuja temática é mais "light", é também se autolimitar, se furtar à busca de ideias, conceitos e mensagens que proporcionem um enriquecer maior em termos de conhecimento. Por tudo que acabo de redigir, fica claro que defendo uma postura que suscite o prazer em relação aos livros, mas ler não se resume a encarar a imensurável riqueza da literatura como uma brincadeirinha qualquer.
Mindlin sabia que os livros, os bons livros, são uma preciosa janela para o mundo, portadores de um canal para o saber que permitem ao leitor enxergar além das sombras do claustro, não mais do que produtos do limite imposto pela preguiça e pela ignorância. Mindlin se foi, mas seu legado vive.
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