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segunda-feira, 15 de março de 2010

Não é bom nem amigo aquele que bajula


A mentalidade do povo brasileiro, em geral, o faz acreditar que as pessoas boas e amigas são aquelas que lhe adoçam os ouvidos, que acobertam os erros, que se omitem de apontar equívocos e que invariavelmente aprovam suas atitudes. Esta é uma concepção absolutamente superficial e muito perigosa para qualquer um que se sinta possuidor de amizades com tal tipo de conduta, pois impede o sujeito de enxergar a diferença abissal existente entre o amigo e o bajulador.
O brasileiro gosta de ser bajulado, para seu total azar. Sempre notei esse traço da mentalidade de nossa gente, seja com alunos na escola, nas ocasiões em que os mesmos assumem uma negativa ou reprimenda do professor como se fosse um mero ato de implicância e perseguição, sem lhes passar pela cabeça que há motivos mais profundos para certas atitudes do mestre, no sentido de tentar fazer com que o aluno cresça pedagógica e espiritualmente, seja ainda em situações cotidianas, nas quais um erro claro e notório de alguém é rapidamente perdido de vista em nome de supostas amizades, quando então os "amigos" acorrem aos borbotões para passar o pano na atitude equivocada de quem a cometeu.
O brasileiro médio, dada sua lamentável falta de apreço pela boa cultura, é ainda hoje e, talvez hoje mais do que nunca, incapaz de perceber que toda amizade autêntica deve ser necessariamente desinteressada. É exatamente nesse ponto que se deixa levar pelos cantos de sereia do bajulador, o falso amigo, vaidoso e sempre interessado em alguma recompensa. O imediatismo e o ego afagado por um bajulador fazem com que muitos se deleitem diante das astúcias desse falso amigo. Uma amizade austera e desinteressada requer tempo para que alcance tal patamar, requer renúncias e constantes exames de consciência que reflitam sobre os modos de conduta em cada passo que se dá. Parece algo complicado face a imediatismos e egos massageados.
Mencionei a falta de boa cultura, típica do brasileiro comum, no parágrafo anterior, já que o argumento de autoridade mais essencial nesse assunto é a obra de Plutarco, filósofo greco-romano dos séculos I e II d. C. Infelizmente, como tantos outros, os escritos de Plutarco passam ao largo do que se costuma estudar nesse país. Da maneira de distinguir o bajulador do amigo, escrito pelo autor que acabo de citar, é um tratado filosófico de importância basilar em termos de conhecimento na matéria. Nos dias de hoje, época em que interesses e vaidades tomam contornos menos nítidos e por isso menos notáveis, mas também mais traiçoeiros, eu poderia radicalizar e afirmar que não há como viver em sociedade sem a leitura da obra. Lá pela metade do tratado, Plutarco inicia um dos capítulos com o magistral título "O único meio de lutar contra o bajulador é tomar consciência das próprias falhas". Poucas vezes pôde-se observar algo tão sublime e rico de significados como o que se lê aí. É a aquiescência servil do bajulador que, em nome de seus interesses escusos, infla o ego de sua vítima e a faz cega diante da espreita de quem bajula. É ainda nesse contexto que o bajulador mantém escondido seu íntimo execrável ao mesmo tempo em que exibe a fausta aparência enganadora que seduz aos desavisados. Por outro lado, o amigo verdadeiro avisa, aconselha, dialoga, nunca deixa de ser quem é, pois sua amizade é autêntica, mas muitas vezes, é ele quem passa por invejoso e que vê mal em tudo. O bajulador sempre tenta afastar os amigos verdadeiros, tem a arma da mentira ao seu lado, aquela que melhor funciona contra os iludidos.
Um dia antes de eu escrever essas palavras, uma figura famosa do esporte brasileiro comemorou um gol exibindo uma camiseta na qual pedia que Deus perdoasse as pessoas ruins. A questão é: quem são as pessoas ruins? Enquanto alguns, que parecem não ter atentado para a ocorrência da bajulação e sem que tenham a menor noção do que é uma figura pública e ídolo de muitos no esporte, continuam a afirmar que ninguém tem nada a ver com a vida particular de outrem, sem se dar ao trabalho de analisar que há diferenças entre pessoas comuns e famosas e, mais ainda, fechando os olhos para o fato de que certas condutas podem prejudicar acentuadamente o desempenho e a imagem de um atleta, outros não fogem às críticas de caráter construtivo.
Não sou amigo de Adriano, nem serei, como também creio que seja o caso do excelente Mauro Cezar Pereira, mas sabemos nós dois que, se Adriano ainda quer ser atleta de ponta e ídolo de muitos, terá que, necessariamente, e antes de qualquer coisa, saber que não é bom nem amigo aquele que bajula.

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