O Zytglogge de Berna, cartão postal no coração da cidade
Goethe, um dos maiores humanistas de todos os tempos, escreveu Viagem à Itália com a intenção de explicar a seus leitores o que tanto lhe chamava a atenção naquele país. Mais tarde, o grande historiador suiço Jacob Burckhardt, em âmbito mais restrito, deu a público seu ensaio sobre a cultura do Renascimento na Itália, igualmente com o objetivo de elucidar as especificidades italianas (florentinas, mais do nunca) que permitiram o despertar do movimento renascentista, bem como seu fascínio próprio pelos elementos culturais adjacentes ao Renascimento. Não é preciso informar que tanto Goethe como Burckhardt tiveram amplo sucesso em suas jornadas, ambos referências de autoridade para o estudo e conhecimento a respeito da Itália. Viajar e conhecer culturas diferentes é uma arte e um exercício filósofico ímpar, algo que nos é ensinado pelos dois mestres em questão.
Estive não apenas na Itália, mas em boa parte da Europa durante o último mês de julho, período de extremo deleite e no qual as reminescências de Goethe e Burckhardt me povoaram a mente. Europa e cultura se confundem, sendo tarefa do viajante atento, tentar deslindar a trama histórica e intelectual que fez e continua fazendo da Europa, afinal de contas, a Europa. Evidentemente, uma tal empreitada transcende em muito um simples blog. No máximo, arriscarei breves insights a seguir.
Particularmente, uma comparação que traz consigo vários desdobramentos foi o que mais me chamou a atenção e, caso se queira refletir acerca do que realmente é qualidade de vida, deve-se obrigatoriamente passar por esse ponto. Trocando em miúdos, os conceitos de cidade e de espaço público são completamente diferentes quando se tem em mente as realidades europeia e brasileira. Vou me abster de escrever sobre o Brasil, já que conhecemos a nossa realidade (ou deveríamos conhecê-la), além disso, basta traçar um perfil urbano europeu para que automaticamente seja feita a comparação com as cidades brasileiras em geral.
Seguramente, é correto afirmar que o centro da cidade é o locus onde a vida se desenrola no continente europeu, centro esse que atua como palco das atrações, todas elas preservadas e devidamente inseridas no espaço, frequentado tanto pela população local, como pelos turistas. No entorno de grandes monumentos como o Coliseu, a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, o domo de Colônia, de museus diversos, parques ou mesmo de prédios públicos como a prefeitura, é imposível não se contagiar com o ritmo alegre e pulsante das cidades do Velho Mundo, um ritmo ágil, movimentado, mas jamais bagunçado e caótico. É ali que se localiza também o comércio, caracterizado pelas lojas de rua, nas quais os turistas encontram variadíssima gama de produtos e ainda os cafés e restaurantes. Esses dois últimos exibem todo seu charme no período noturno, momento no qual a efervescência cultural do centro urbano europeu prolonga sua atividade depois das visitas e passeios realizados de dia. Não há violência com que se preocupar, crianças, jovens, casais, pessoas mais velhas, todos compartilham do que é oferecido por atrações intrínsecas às próprias cidades. O maior perigo se resume à possibilidade do turista mais desavisado ter sua carteira furtada, mesmo assim, apenas em cidades maiores.
Na Europa o cidadão não precisa recorrer à extensões implantadas "artificialmente" no espaço público como forma de lazer. A própria cidade constituiu o lazer, na medida em que vivenciá-la, experimentá-la, é também praticar uma atividade voltada ao lazer. Não à toa, esse mesmo espaço público é convidativo, aprazível, privilegia o contato entre as pessoas, é o local onde a interação cidade-cidadão encontra toda sua plenitude. Em vista de comparações, cabe destacar que os transportes públicos oferecem acesso fácil aos pontos de interesse das cidades europeias, bastando apenas um pouco de paciência incial até pegar-se o jeito para adquirir os bilhetes, comprados muitas vezes em máquinas e para praticar os deslocamentos de acordo com o ponto de referência inicial, ou seja, o local onde se está hospedado. Fora isso, em cidades como Berna, Estocolmo ou Amsterdam, é possível transitar a pé tranquilamente pelo espaço público, de modo que a caminhada se torna um exercício sem igual para conhecer cada pedaço das mesmas, o que traduz exatamente o sentimento de intereção entre o transeunte e a cidade. Notável também, é o respeito que se tem pelos ciclistas, que possuem ciclovias em praticamente todo o coração das cidades, bem como semáforo próprio. Nada mais comum do que se deparar com pessoas de terno e gravata indo trabalhar fazendo uso das duas rodas. Também não surpreende notar que mesmo os idosos não têm preconceito algum quanto ao uso desse fantástico meio de transporte, usando-o quase tão marcadamente quanto crianças, jovens e adultos. Definitivamente, o espaço urbano europeu é culturalmente riquíssimo, organizado, democrático e oferecedor de lazer. Cidades na Europa são sinônimo de qualidade de vida.
Para finalizar, dois mitos a serem desfeitos: em primeiro lugar, é falsa a imagem do europeu mal educado, frio e distante; logicamente, existem diferenças culturais que podem suscitar rusgas, mas um conhecimento mediano de Inglês e regras básicas de boa comunicação bastam para uma relação amistosa. Em segundo, apesar da limpeza das ruas ser bem melhor do que o brasileiro está acostumado, não é correto pensar que não se encontra nem uma mínima sujeirinha no chão, pois elas existem, sobretudo em meses de visitação turística intensa, mas nem de longe se fazem motivo de decepção.
Após esse panorama geral, volto em breve trazendo minhas impressões específicas sobre cada um dos locais que visitei. Até mais!
Quem mora em um país com milhares de defeitos (nosso caso) se surpreende ao ver que tem gente que vive muitíssimo bem.
ResponderExcluirViver bem é sair de noite, a pé, para jantar e voltar a hora que quiser. É não saber o que é trânsito, violência, ignorância e corrupção. Isso é ser feliz.
O brasileiro parece ter uma necessidade de dizer que o Brasil é o melhor país do mundo e eu queria saber o porquê disso. O melhor país do mundo é aquele que respeita o cidadão e isso não existe aqui.
Parabéns pelo texto, Leo!!
Fernanda