No final de 2010, o historiador inglês Eric Hobsbawm concedeu uma entrevista ao jornal The Guardian. Dias depois, a Folha de São Paulo publicou-a no Brasil. Reproduzo abaixo o trecho que mais me pareceu aberrante, quando o entrevistado foi indagado acerca do que pensa em relação à participação política tida por ele como modelo.
Diz o entrevistado: “Um bom exemplo [de participação política] é o Brasil, que tem um caso clássico de partido trabalhista nos moldes do fim do século XIX - baseado numa aliança de sindicatos, trabalhadores, pobres em geral, intelectuais e tipos diversos de esquerda - que gerou uma coalizão governista notável. E não se pode dizer que não seja bem-sucedida, após oito anos de governo e um presidente em final de mandato com 80% de aprovação. Ideologicamente, hoje me sinto mais em casa na América Latina. É o único lugar no mundo em que as pessoas fazem política e falam dela na velha linguagem - a dos séculos XIX e XX, de socialismo, comunismo e marxismo”.
Se você, leitor, conseguiu digerir tamanhas baboseiras, o que não é nada fácil, convenhamos, eu gostaria de tecer alguns comentários não sobre Lula, - que logo poderá aproveitar o salário de R$ 13 mil que o PT lhe pagará, ao mesmo tempo que se remói com a falta dos palanques da época de presidente - mas sim a respeito de Hobsbawm. A obra desse intelectual já quase centenário é um best-seller, não apenas entre o público especializado, mas sobretudo entre os leigos. Costuma-se afirmar que Hobsbawm tem o dom do didatismo e da concisão, sabendo como ninguém traçar panoramas lapidares de vários contextos históricos.
Durante a graduação, tive que ler alguns textos de sua pena, fora isso, li também, de maneira autônoma, A era dos extremos, seu guia do século XX, livro no qual ele coloca, dentre outros absurdos, que apenas os comunistas promoveram resistência ao nazismo, bem como se furta vergonhosamente a fazer qualquer mea culpa no que se refere aos crimes do stalinismo. Sempre desconfiei do profundo ranço marxista de Hobsbawm, marxismo do qual - e não está nada sozinho nisso - ele faz uma leitura das mais obtusas. No fim das contas, a melhor definição de seus escritos partiu do excelente Evaldo Cabral de Mello, ao dizer que as "eras" todas do autor inglês se apresentam como "história pronta saída do forno", isto é, sem problematização, sem recortes inteligentes, carentes de rigor historiográfico. Desnecessário frisar que isso se deve ao molde marxista que ele encaixa apriorística e artificialmente em seus objetos de estudo.
Durante a graduação, tive que ler alguns textos de sua pena, fora isso, li também, de maneira autônoma, A era dos extremos, seu guia do século XX, livro no qual ele coloca, dentre outros absurdos, que apenas os comunistas promoveram resistência ao nazismo, bem como se furta vergonhosamente a fazer qualquer mea culpa no que se refere aos crimes do stalinismo. Sempre desconfiei do profundo ranço marxista de Hobsbawm, marxismo do qual - e não está nada sozinho nisso - ele faz uma leitura das mais obtusas. No fim das contas, a melhor definição de seus escritos partiu do excelente Evaldo Cabral de Mello, ao dizer que as "eras" todas do autor inglês se apresentam como "história pronta saída do forno", isto é, sem problematização, sem recortes inteligentes, carentes de rigor historiográfico. Desnecessário frisar que isso se deve ao molde marxista que ele encaixa apriorística e artificialmente em seus objetos de estudo.
No trecho citado de início, Hobsbawm confere conotação positiva à tríade socialismo, comunismo e marxismo. Acontece que as palavras do historiador estão condenadas a duas contradições que ele não enxerga, o que é mais grave no caso de um marxista, que tanto deveria estar atento ao que é contraditório,... pobre Hobsbawm! A primeira contradição é intrínseca ao marxismo (sempre tenho que destacar obrigatoriamente nesse ponto, que não penso nos escritos marxianos, mas na maioria dos intérpretes de Marx) e seria inútil tentar refutá-la, uma vez que a visão do entrevistado o leva a crer ingenuamente que a participação política possa ser fomentada num regime socialista. Já no caso da segunda contradição, a mesma se dá simplesmente pelo fato de Hobsbawm ter demonstrado que nada conhece sobre a política interna brasileira durante o governo de Lula. Como também fica claro pela leitura do trecho, o contexto político latino-americano em geral, igualmente escapa à sua compreensão. Devido à prisão ideológica na qual está encerrado, o historiador enxerga a ocorrência de uma postura trabalhista nas práticas do lulismo, algo que jamais se sucedeu aqui entre 2003 e 2010. No relativo sossego de uma Europa, ela sim trabalhista em muitos casos, e que rompeu com o ódio revolucionário marxista, resultando na UE, Hobsbawm está bem distante de conceber a tradição populista da América Latina, tão bem representada por Lula.
Alguém tem de avisar a esse historiador que ainda não temos em nosso continente, talvez exceto pelo Chile, uma cultura política democrática e, por isso mesmo estranha ao marxismo, capaz de gerar diálogo participativo (mais geral e menos classista) em torno de questões como incentivo à educação, valorização do mérito, da criatividade e da produtividade, elementos que fazem germinar igualdade de oportunidades, não de resultados forçados, como em regimes autoritários. Lula e outros líderes retrógrados e populistas como ele, consistem na antítese - para utilizar um conceito bem marxiano - de qualquer elemento democrático. Na tentativa de corroborar suas falsas impressões, Hobsbawm citou o percentual de aprovação de Lula. Tenho dúvidas quanto aos referidos 80%, número certamente muito mais quantitativo, fruto do próprio populismo lulista, do que qualitativo. Nessa esteira, eu perguntaria ao nosso entrevistado qual foi o índice médio de aprovação de Hitler durante a década de 1930...
A mente embotada de Hobsbawm faz dele um reacionário, termo com o qual a velha esquerda tanto gosta de acusar seus antípodas. Um reacionário equerdista que crê no socialismo como forma de equidade social, que pensa estranhamente que o século XIX (e o início do XX) foram pródigos em políticas de participação social e tributárias da consciência de classe marxista, como se a Primeira Guerra Mundial, nacionalista em essência, não fizesse voar pelos ares o universalismo proletário de Marx. Ainda assim, não posso deixar de observar que nosso entrevistado acertou em alguma coisa: de fato, o Brasil de hoje remete a contextos passados há cem anos ou mais, atrasadíssimo em relação ao mundo desenvolvido. É por essas e outras que o capeta insiste em adiar seu encontro com Hobsbawm nas profundezas do inferno!