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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Reacionarismos de uma mente embotada pelo marxismo


No final de 2010, o historiador inglês Eric Hobsbawm concedeu uma entrevista ao jornal The Guardian. Dias depois, a Folha de São Paulo publicou-a no Brasil. Reproduzo abaixo o trecho que mais me pareceu aberrante, quando o entrevistado foi indagado acerca do que pensa em relação à participação política tida por ele como modelo.
Diz o entrevistado: “Um bom exemplo [de participação política] é o Brasil, que tem um caso clássico de partido trabalhista nos moldes do fim do século XIX - baseado numa aliança de sindicatos, trabalhadores, pobres em geral, intelectuais e tipos diversos de esquerda - que gerou uma coalizão governista notável. E não se pode dizer que não seja bem-sucedida, após oito anos de governo e um presidente em final de mandato com 80% de aprovação. Ideologicamente, hoje me sinto mais em casa na América Latina. É o único lugar no mundo em que as pessoas fazem política e falam dela na velha linguagem - a dos séculos XIX e XX, de socialismo, comunismo e marxismo”.
Se você, leitor, conseguiu digerir tamanhas baboseiras, o que não é nada fácil, convenhamos, eu gostaria de tecer alguns comentários não sobre Lula, - que logo poderá aproveitar o salário de R$ 13 mil que o PT lhe pagará, ao mesmo tempo que se remói com a falta dos palanques da época de presidente - mas sim a respeito de Hobsbawm. A obra desse intelectual já quase centenário é um best-seller, não apenas entre o público especializado, mas sobretudo entre os leigos. Costuma-se afirmar que Hobsbawm tem o dom do didatismo e da concisão, sabendo como ninguém traçar panoramas lapidares de vários contextos históricos.
Durante a graduação, tive que ler alguns textos de sua pena, fora isso, li também, de maneira autônoma, A era dos extremos, seu guia do século XX, livro no qual ele coloca, dentre outros absurdos, que apenas os comunistas promoveram resistência ao nazismo, bem como se furta vergonhosamente a fazer qualquer mea culpa no que se refere aos crimes do stalinismo. Sempre desconfiei do profundo ranço marxista de Hobsbawm, marxismo do qual - e não está nada sozinho nisso -  ele faz uma leitura das mais obtusas. No fim das contas, a melhor definição de seus escritos partiu do excelente Evaldo Cabral de Mello, ao dizer que as "eras" todas do autor inglês se apresentam como "história pronta saída do forno", isto é, sem problematização, sem recortes inteligentes, carentes de rigor historiográfico. Desnecessário frisar que isso se deve ao molde marxista que ele encaixa apriorística e artificialmente em seus objetos de estudo.
No trecho citado de início, Hobsbawm confere conotação positiva à tríade socialismo, comunismo e marxismo. Acontece que as palavras do historiador estão condenadas a duas contradições que ele não enxerga, o que é mais grave no caso de um marxista, que tanto deveria estar atento ao que é contraditório,... pobre Hobsbawm! A primeira contradição é intrínseca ao marxismo (sempre tenho que destacar obrigatoriamente nesse ponto, que não penso nos escritos marxianos, mas na maioria dos intérpretes de Marx) e seria inútil tentar refutá-la, uma vez que a visão do entrevistado o leva a crer ingenuamente que a participação política possa ser fomentada num regime socialista. Já no caso da segunda contradição, a mesma se dá simplesmente pelo fato de Hobsbawm ter demonstrado que nada conhece sobre a política interna brasileira durante o governo de Lula. Como também fica claro pela leitura do trecho, o contexto político latino-americano em geral, igualmente escapa à sua compreensão. Devido à prisão ideológica na qual está encerrado, o historiador enxerga a ocorrência de uma postura trabalhista nas práticas do lulismo, algo que jamais se sucedeu aqui entre 2003 e 2010. No relativo sossego de uma Europa, ela sim trabalhista em muitos casos, e que rompeu com o ódio revolucionário marxista, resultando na UE, Hobsbawm está bem distante de conceber a tradição populista da América Latina, tão bem representada por Lula.
Alguém tem de avisar a esse historiador que ainda não temos em nosso continente, talvez exceto pelo Chile, uma cultura política democrática e, por isso mesmo estranha ao marxismo, capaz de gerar diálogo participativo (mais geral e menos classista) em torno de questões como incentivo à educação, valorização do mérito, da criatividade e da produtividade, elementos que fazem germinar igualdade de oportunidades, não de resultados forçados, como em regimes autoritários. Lula e outros líderes retrógrados e populistas como ele, consistem na antítese - para utilizar um conceito bem marxiano -  de qualquer elemento democrático. Na tentativa de corroborar suas falsas impressões, Hobsbawm citou o percentual de aprovação de Lula. Tenho dúvidas quanto aos referidos 80%, número certamente muito mais quantitativo, fruto do próprio populismo lulista, do que qualitativo. Nessa esteira, eu perguntaria ao nosso entrevistado qual foi o índice médio de aprovação de Hitler durante a década de 1930...
A mente embotada de Hobsbawm faz dele um reacionário, termo com o qual a velha esquerda tanto gosta de acusar seus antípodas. Um reacionário equerdista que crê no socialismo como forma de equidade social, que pensa estranhamente que o século XIX  (e o início do XX) foram pródigos em políticas de participação social e tributárias da consciência de classe marxista, como se a Primeira Guerra Mundial, nacionalista em essência, não fizesse voar pelos ares o universalismo proletário de Marx. Ainda assim, não posso deixar de observar que nosso entrevistado acertou em alguma coisa: de fato, o Brasil de hoje remete a contextos passados há cem anos ou mais, atrasadíssimo em relação ao mundo desenvolvido. É por essas e outras que o capeta insiste em adiar seu encontro com Hobsbawm nas profundezas do inferno!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Pensamentos para colecionar e guardar - por Lilia Moritz Schwarcz


Hoje, venho aqui a postar de modo imprevisto e breve, apenas para destacar e oferecer aos leitores o encontro com a excelente resenha da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz sobre o livro Esperando Foucault, ainda, (Cosac & Naify, 2004) escrito por outro antropólogo, o norte-americano Marshall Sahlins. A obra traz inúmeras ideias em relação às quais mantenho forte apreço intelectual e que marcaram minha formação como historiador, juntamente com outras perspectivas do mesmo tipo.
Sahlins é um daqueles pensadores que não têm medo do conhecimento e suas argumentações constituem exemplo cabal da revanche bem sucedida que o paradigma científico-cognoscitivo travou contra o ceticismo relativista, já nem tanto uma moda como o era há alguns anos, exatamente em face da derrota que lhe foi imposta por quem acredita que a ciência vale a pena.
Paro por aqui e dou todo o espaço ao brilhantismo de Sahlins e Moritz. Se um a cada dez leitores comprar o livro, estarei mais do que satisfeito.

Pensamentos para colecionar e guardar

"Pelo menos no que concerne à antropologia, duas coisas são certas a longo prazo: uma delas é que estaremos todos mortos; mas a outra é que estaremos todos errados. Evidentemente uma carreira acadêmica feliz é aquela em que a primeira coisa acontece antes da segunda". É dessa maneira irônica e a um só tempo irreverente que Marshall Sahlins, professor emérito da Universidade de Chicago e autor de uma série de obras consagradas – como Cultura e Razão Prática, Ilhas de História, Historical Metaphors and Mythical Realities – inicia uma espécie de entretenimento, depois do jantar oferecido pela Associação de Antropólogos Sociais da Commonwealth, em julho de 1993. Publicada pela primeira vez nesse mesmo ano, pela Prickly Pear Press (onde Sahlins é editor executivo), a palestra foi expandida para se transformar nessa publicação que, no Brasil, recebeu verdadeiros requintes editoriais, tal a originalidade do projeto gráfico, que guarda coerência com o próprio estilo pouco comportado do texto.
O ensaio oscila entre momentos de muito humor misturados com questões e impasses vivenciados pela antropologia social e pelas ciências humanas, de uma maneira mais geral. São frases soltas, reflexões isoladas, provocações por todos os lados que vão costurando e relembrando as conhecidas teses de Sahlins. Por sinal, o livro, cuja tradução cuidadosa é de autoria de Marcela Coelho de Souza e Eduardo Viveiros de Castro, traz momentos impagáveis que mais valem ser reproduzidos tal qual aforismos. Ficamos sabendo, por exemplo, que "a realidade é um belo lugar para se visitar (filosoficamente) mas ninguém nunca morou lá". Com relação à velha mania estruturalista, Sahlins contra-ataca com um trocadilho – "don't be Saussure". Isso sem esquecer da referência ao crítico palestino-americano, recentemente falecido, Edward Said: "Em antropologia, há certos problemas para os quais não há Said(a)." Contra o romantismo das etnografias funcionalistas, nada como o antídoto: "Um povo que concebe a vida exclusivamente como busca da felicidade só pode ser cronicamente infeliz." Acerca do tema da alteridade, que marca o próprio nascimento da disciplina, lá vai a máxima: "Se a antropologia é realmente crítica cultural, bem poderíamos trazer de volta Hobbes e Rousseau que tinham ao menos consciência de estar inventando um Outro antitético para fins políticos salutares."
Nem a boa e velha civilização resta impune: "Primeira lei da civilização: todos os aeroportos estão em construção. Segunda lei da civilização: estou na fila errada..." Por fim, um resvalo na história: "Se a antropologia foi por demasiado tempo o estudo dos 'povos sem história', a história andou, por mais tempo ainda, estudando 'povos sem cultura'. Felizmente, toda essa história passada é também uma antropologia (ultra)passada – se não vice-versa."
Mas o livro não é só feito de ironias. Nele encontramos, sempre em pequenas pitadas, a noção de dinâmica cultural, que marcou a obra de Sahlins, e a idéia de que a cultura está sempre em transformação. Na definição do antropólogo "as culturas são como os rios: não se pode mergulhar duas vezes no mesmo lugar pois estão sempre mudando". Sahlins enfrenta também a mitologia da etnografia e a caricatura que parece vincular exclusivamente a antropologia à prática de campo: "etnografia é antropologia ou não é nada". Isso sem esquecer do sarcasmo contra os pós-modernos, que teriam acusado Sahlins de onerar a antropologia com "noções perigosas", negligenciando o caráter politicamente fraturado da cultura. A reação de Sahlins, que já havia dedicado outro livro – Como pensam os Nativos – ao assunto, é breve, mas lapidar: "é sempre bom lembrar que esses povos não sofreram e pereceram apenas para adubar nossos pobres campos intelectuais".
No entanto, o tema mais contundente é também aquele que dá nome ao livro: a questão do poder e o "paradigma du jour", o tema da identidade. Sahlins concentra seu ataque ao que define como a corrente obsessão foucaulti-gramsci-nietzscheana com o poder. Seria ela a mais recente e incurável encarnação do funcionalismo, levando à dissolução de formas culturais específicas, transformadas em efeitos instrumentais genéricos. Definido como uma espécie de "buraco negro intelectual", o poder cumprira o papel de sugar qualquer conteúdo cultural e de transformá-lo em simples "resistência, dominação, colonização, hegemonia e contra-hegemonia". Ao invés de formas culturais encontraríamos termos de dominação, como se tudo que pudesse ser relevante para o poder fosse – apenas – o poder. Além do mais, no lugar de "cultura" seria introduzida a noção foucaultiana de "discurso" e seu desdém reificado pelo suposto caráter antigo e ultrapassado de tal conceito. Vitoriosa seria, por fim, a "mão invisível" do poder, que emanaria de toda parte, saturando relações, instituições, corpos, saberes e disposições. Admirável mundo novo, esse o nosso, que traria consigo um elenco inusitado de personagens, estrelando sujeitos burgueses, sujeitos nacionais, sujeitos pós-modernos, sujeitos coloniais, sujeitos pós-coloniais, sujeitos africanos pós-coloniais...
Assim, se de um lado pode-se dizer que, com essa pequena obra, Sahlins estaria apenas desfazendo (e desconsiderando) seus críticos pós-modernos, por outro, não há como negar a atualidade do debate. Afinal, a cultura, para esse autor, não é jamais um papel em branco onde se inscrevem modelos vindos de fora. Ao contrário, sua absorção passa pela reavaliação da própria estrutura pela história, e vice-versa. Definindo-se como uma espécie de "estruturalista histórico", Marshall Sahlins entende a cultura como uma ordem estrutural de significação, sem descurar da idéia de que seus conteúdos alteram-se diante da história. "Basicamente a idéia é muito simples. As pessoas agem de acordo com circunstâncias de sua própria cultura... O processo histórico se movimenta como um contínuo entre a prática da estrutura e a estrutura da prática." (Sahlins, 1986, p. 72, tradução minha).
É esse processo que Sahlins denomina, em Ilhas de História, como "a reavaliação funcional de categorias", nesse movimento que o leva a nuançar dicotomias rígidas: estrutura versus história, sistema versus evento, sincronia versus diacronia. O desafio é "historicizar a noção de estrutura" e, ao mesmo tempo, verificar como as estruturas se realizam no interior da ordem cultural. Não existem respostas unívocas, uma vez que as próprias Histórias nativas condicionam e redirecionam a incorporação das mesmas. Diante do contexto recente, quando se afirma a imposição da tão falada globalização, as concepções de Sahlins têm o mérito de mostrar que a leitura do capitalismo em países periféricos se dá, também, a partir das distintas lógicas nativas, que geram resultados culturais diversos e, muitas vezes, inesperados. É o "retorno da cultura" que, vista a partir da ótica da recepção, possibilita imaginar que não estaríamos todos condenados, igualmente, à mundialização. Os povos organizam culturalmente sua experiência e "cada cultura é (no limite) um sistema mundial", diria Sahlins em entrevista recente (Peixoto; Pontes; Schwarcz, no prelo), mostrando como é preciso dar voz aos "povos periféricos", na melhor tradição antropológica que sempre se definiu, nas palavras de Lévi-Strauss (1975), como "uma ciência social do observado".
O debate é também com a filosofia da história e com o suposto de que as culturas carregam suas próprias leituras, suas próprias historicidades. Aí estaria o projeto intelectual mais amplo desse último autor, implicado como está na tentativa de explicar de que maneira a infra-estrutura econômica é ela própria organizada pelo esquema cultural, assim como a nossa lógica ocidental do poder. Outras histórias e outros tempos falariam das maneiras próprias das culturas se traduzirem e de serem relidas no contato umas com as outras.
Como se vê, não há como resenhar (comportadamente e de forma linear) um livro como esse, que é feito, na verdade, de um punhado de ideias e um monte de provocações. Relativismo, globalização, identidades, modernidade, pós-estruturalismo, pós-modernidade, história... tudo parece estar – divertidamente – em questão e, definitivamente, fora do lugar.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O triste fim de Luiz Gonzaga Belluzzo


Nesta quarta-feira (19/01) chega ao fim o mandato de Luiz Gonzaga Belluzzo como presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras, cargo por ele ocupado desde janeiro de 2009. Um triste fim, não há como negar, nem mesmo por aqueles que apostavam piamente no renomado economista. Passados dois anos desde o início de sua gestão, a análise mais lapidar a respeito da administração Belluzzo que pude tomar contato veio da parte de um conselheiro da oposição, cujo nome me escapa de momento. Afirma com humor negro: “o Belluzzionista deixou o Palmeiras sem time, sem estádio e sem dinheiro”. Faltou apenas incluir “sem títulos”.
Na ocasião que antecedeu a eleição de Belluzzo, havia uma quase unanimidade em torno de sua pessoa como a mais capaz de recolocar ordem na casa palmeirense e fazer com que a agremiação esmeraldina pudesse trilhar novamente o caminho das conquistas e da grandeza, marca de um passado já remoto em termos de futebol. Findo o mandato, todas as esperanças ruíram sem deixar o menor resquício. Hoje, o Palmeiras possui uma dívida considerável e aumentada em relação ao início de 2009,  - fato mais estranho na medida em que seu gestor máximo nesse ínterim foi um economista reputado em alto gabarito - não tem um elenco nem de longe capaz de algum feito, ainda que apenas um título estadual, não tem categorias de base que possam render frutos ao time profissional, problema que Belluzzo havia prometido corrigir, não tem um departamento de marketing agressivo e, por um bom tempo ainda, não tem uma casa para mandar seus jogos, constatação que pode se tornar mais assustadora quando levadas em conta todas as trapalhadas e os inúmeros desencontros que têm caracterizado a construção da tal Arena Palestra Itália. Eu não me surpreenderei em nada se daqui uns 5 anos o novo estádio não tiver passado do estágio de maquete.
De modo geral, o brasileiro é suscetível a discursos politicamente corretos, permeados por platitudes e autorizados por uma suposta intelectualidade. Dotado da combinação desses três elementos,  mais o caráter de salvador da pátria que lhe foi imputado por bobos e ingênuos e que até certo ponto ele próprio comprou, apesar de negar, Belluzzo se imunizou contra possíveis ceticismos e, aquele que se atrevesse a lhe direcionar qualquer crítica que fosse, imediatamente era visto como apólogo de Mustafá Contursi, como se somente um dos dois pudesse liderar a administração palestrina. Raríssimos foram os que levantaram o passado pouco recomendável de Belluzzo, fazendo menção aos seus trabalhos horríveis durante os governos de José Sarney e de Orestes Quércia, ou indicando o ridículo das ideias de um cidadão que ainda acredita em desenvolvimentismo e que utiliza conceitos como “cultura ocidental” de forma essencialista e pejorativa. Hoje, os adeptos de Belluzzo estão com o rabinho entre as pernas.
Não sei até que ponto as ultrapassadas noções belluzzionistas afetaram seu desempenho como presidente da SEP, mas quando observamos as papagaiadas protagonizadas por sua pessoa durante a gestão, retroativamente se conclui que ele jamais poderia dar certo. Certamente, a culpa pelo fracasso retumbante não pode recair inteiramente sobre ele, afinal o Palmeiras continua assombrado pelos velhos demônios da época em que se jogava futebol usando gorrinho e pelas insanas disputas feudais que esses mesmos ensejam dentro do clube. Por outro lado, é um grande paradoxo que a figura de Belluzzo, que tanto se apresentou trajando as vestes da aglutinação, encerre seu mandato não só sem sanar mais esse problema crônico nas alamedas de Palestra Itália, o das guerras fratricidas, mas tendo-o agravado, já que a “situação” entra no pleito de 2011 com dois candidatos. Absolutamente rocambolesco!
O Palmeiras precisa de ideias novas, elas que nunca fizeram parte do perfil de Belluzzo, de uma gestão que resgate o clube de sua prisão no tempo e o traga finalmente ao século XXI, precisa de dirigentes comprometidos com o clube, não com seus desejos escusos. Talvez Paulo Nobre seja o que mais possa contribuir, ou quem sabe, Arnaldo Tirone? Ninguém tem certeza, nem mesmo os conselheiros a votar, dado que grande parte deles o fará sem pensar no melhor para o clube. Pode ser que nada mude e que o apequenamento continue em marcha acelerada ou há a chance de ser dado um primeiro impulso, ainda que tímido, numa direção diferente. Quem viver verá. De minha parte, já ficarei satisfeito se não surgir mais nenhum torcedor de gravata matador de bambis.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O disco mais injustiçado do Heavy Metal


A maioria dos filósofos contemporâneos acredita que não é possível estabelecer critérios de justiça em relação à arte. Isso se verifica porque no campo artístico a dimensão subjetiva se faz fortemente presente, impedindo assim a delimitação entre o que seria justo ou não. Estou de acordo com essa ideia, pois não parece haver nenhuma lógica, por exemplo, em qualificar como justo o gosto pela obra de um Caravaggio ou de um Van Gogh, nem tampouco em atribuir injustiça a alguém que não aprecie a pintura de Cézanne. É verdade que não se discute questões de gosto, muitas vezes, apenas se lamenta...
De um ponto de vista filosófico, portanto, a justiça está relacionada com elementos de reciprocidade objetiva que não podem ser aplicados à arte, na qual as preferências pessoais subjetivas devem ser consideradas. Isto posto, logo de cara poderia comprometer a reflexão que agora proponho, todavia, o que intento discutir caminha por um viés um tanto distinto. Me explico: creio eu que enorme parte das críticas recebidas pelo álbum The X Factor, lançado pelo Iron Maiden em 1995, são extrínsecas à música que o mesmo contém, logo, externas também ao campo da arte. É óbvio que nem assim poderei fugir por completo às minhas preferências, ressaltando mais uma vez que não cabe atribuir injustiça a quem não goste do referido álbum, mas talvez eu consiga jogar uma pitada de objetividade à análise.
The X Factor, segundo muito do que se ouve ou se lê sobre o disco, não é um álbum querido pela maior parte dos fãs de Iron Maiden, chegando a ser odiado por parcela considerável dos mesmos. De minha parte, não o qualifico como um clássico do quilate de Piece Of Mind ou The Number Of The Beast, citando apenas dois exemplos, mas tenho profunda convicção de que caso ele tivesse contado com as vocalizações de Bruce Dickinson, sofreria avaliações imensamente positivas.
Em 1993, Dickinson deixou o Iron Maiden devido a diferenças com o baixista Steve Harris, líder da banda. O vocalista marcou época não só no conjunto, participando dos discos mais grandiosos gravados pelo mesmo, mas também no cenário musical dos anos 1980, auge do próprio IM e da música pesada, década que legou uma quantidade absurda de clássicos obrigatórios em qualquer metalteca que se preze. Era natural que a saída de Dickinson deixasse uma lacuna impossível de ser preenchida por qualquer outro cantor, ainda que o substituto fosse, por acaso, um David Coverdale ou um Geoff Tate. Mais agravante que nenhum nome de peso veio a ocupar o posto de frontman da Donzela, mas sim um vocalista de nome Blaze Bayley, provindo da desconhecida banda inglesa Wolfsbane. Creio ser esse o motivo principal do preconceito contra The X Factor, exatamente a ausência do lendário Dickinson, mas ainda que Bayley não tivesse nem de longe a mesma capacidade de seu antecessor e que em performances ao vivo ficasse devendo bastante, penso ser correto avaliar que a sonoridade de The X Factor se encaixou muitíssimo bem com sua voz, completamente diferente em relação a de Dickinson.
Somados à saída de Dickinson, entre 1993 e o lançamento de The X Factor em 1995, ocorreram alguns outros episódios desagradáveis com o IM, tais como a separação de Harris e o sério acidente de moto sofrido por Bayley, que inclusive o deixou de molho por vários meses. Por um paradoxo do imponderável, vez por outra a reger certos momentos, o pano de fundo nefasto que acompanhou o IM na época acabou resultando num álbum, a meu ver, excelente, e que remete diretamente ao contexto “dark” em questão. A começar pela capa  do disco, que pela primeira vez na história da banda apresentou um Eddie “real” ao invés de desenhado, ideia do guitarrista Dave Murray, passando pelas letras e pelas linhas vocais de Bayley, até chegar na própria sonoridade, tudo contribuiu para fazer de The X Factor um disco pesado e sombrio, mas ao mesmo tempo repleto de melodias, passagens intrincadas, quebradas de ritmo, variações, tecnicalidade e um trabalho de bateria magnífico, o melhor já realizado por Nicko McBrain em minha opinião.
O ouvinte que se dispuser a decifrar The X Factor despindo-se de preconceitos extra-artísticos e imbuído da minúcia que a boa audição musical exige, tem boas chances de se deleitar com épicos como "Sign Of The Cross", (elaboradíssima) "Fortunes Of War", (com o indefectível ritmo cavalgado) e "Blood On The World´s Hands" (dotada de espetacular introdução de Harris). Há ainda músicas mais diretas, como "Lord Of The Flies", que possui elementos de Hard Rock, (!) e a rápida e pesada "Man On The Edge", baseada no filme Um Dia de Fúria. Não para por aí, o álbum traz ainda outras faixas memoráveis nos riffs portentosos de "The Aftermath", nas melodias belíssimas de "The Edge Of Darkness", (inspirada pelos horrores da guerra do Vietnã) e "2  A.M.", além de "The Unbeliever", que fecha o disco com uma construção musical inteligente, original e linhas de baixo absolutamente antológicas.
Aquele que já conhece The X Factor e que nunca morreu de amores pelo álbum, quem sabe, ouvindo com mais cuidado, passe a ter uma maior boa vontade com ele? Já aquele que nunca manteve contato com esse petardo da música pesada, ouça-o e tire as próprias conclusões. Aposto que não irá se arrepender e entenderá quase de imediato que, de fato, o disco foi alvo de críticas negativas, todas elas pulverizadas pela força de sua sonoridade.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O velho, o novo e as mazelas de sempre


O governo Lula terminou. Não sem antes brindar a passagem de ano com mais um de seus tantos atos dignos de absoluta repulsa. Numa decisão que caberia ao STF, mas que foi parar nas mãos do chefe do Executivo, desnudando novamente a ausência de autonomia do Judiciário e de princípio republicano, o então presidente, no último dia de sua gestão, tomou a medida derradeira de negar a extradição do terrorista de esquerda, Cesare Battisti. De nada adiantaram os pedidos e argumentos mais do que justos por parte do governo italiano, tampouco os apelos das famílias das vítimas de Battisti pela volta do criminoso à Itália, tudo acabou sendo sumariamente deixado de lado por Lula. O hiperprensidencialismo que vigora no Brasil petista não pensou duas vezes em deixar nas mãos de um tolo apedeuta decisão de tamanha importância. A negativa da extradição repercutiu muitíssimo mal na Europa, selando o fim da era Lula de modo a acentuar ainda mais as falhas gritantes que marcaram um dos piores governos da história brasileira, se não o pior.
Segundo o ex-presidente e de acordo com os próprios líderes petistas, tal qual o comunista Tarso Genro, Battisti deve permanecer em asilo político no Brasil porque seria "perseguido" na Itália, o que então determinou do governo brasileiro (sic) a preservação da tradição humanista. É estarrecedora a justificativa, exatamente pela mentira deslavada que carrega. Battisti cometeu crimes na Itália, deveria retornar a seu país natal para que lá respondesse por seus atos de terror. O Brasil jamais poderia servir como receptáculo para criminosos, já bastam os que são daqui! Além disso, a ideia de humanismo não se aplica ao PT, que em outras ocasiões nas quais uma postura do tipo seria muito mais pertinente, agiu de maneira oposta, haja vista o caso dos atletas cubanos que pediram asilo político no Brasil durante o Panamericano de 2007 e acabaram sendo deportados sem qualquer cerimônia para a ilha dos horrores de Fidel, atitude que rasgou e atirou no lixo todas as convenções  internacionais a respeito do abrigo devido a refugiados de regimes ditatoriais. Na visão petista, um terrorista de esquerda que matou em nome de devaneios políticos merece asilo e tratamento humanista, mas pessoas de bem que fogem de uma tirania retrógrada, são apenas párias anti-revolucionários. Foi escancarada a motivação puramente ideológica que fez Lula manter Battisti no Brasil, caso se tratasse de um criminoso de direita, teria sido extraditado com toda rapidez.
Mal anoiteceu o governo Lula, alvoreceu a era Dilma Roussef. Em seus primeiros dias de governança, a nova presidente tem se mostrado como a criancinha que se entusiasma ao receber um presente. Ao que me parece, Dilma se assemelha muito com Lula em relação à falta de gosto pelo esmero administrativo e, assim que a novidade do poder se transformar na rotina que exige competência, minúcia e ponderação, aí então a mandatária deverá mostrar a que veio.
Pelo que se conhece de Dilma e do PT, não viveremos nada que escape ao que vem se observando desde 2003. A atual presidente possui um certo recato que nem de longe se verificava em Lula, bravateiro, autoindulgente e ávido por discursos vazios, feitos sob medida para a massa inculta. Isso poderá vir a ser uma característica ruim, ao contrário do que sugere de imediato, pois o poder efetivo corre o risco de ficar mais concentrado em gente ainda pior do que Dilma.
Em âmbito objetivo, como colocou o professor Simão Davi Silber, esse novo governo tem tudo para permanecer como o anterior, ou seja, nada mais do que uma enceradeira desgovernada. Não há investimento em infraestrutura, nem em educação, nem em tecnologia, sem os quais não se cria ambiente para negócios e, consequentemente, também não se gera real desenvolvimento (extemporâneo, o petismo ainda crê no desenvolvimentismo estatal). Some-se a isso a carga tributária que atinge 36% do PIB, 10% mais do que em 1994, mantendo a gastança governamental exagerada e sempre inócua, além da inflação que vem num galope crescente, já superando a casa dos 6%, e tem-se o script pronto para que o que pode ser um filme de terror nada divertido.
Diante do descalabro e da incompetência, adjetivos que cabem perfeitamente para (des)qualificar o governo petista, resta a tênue esperança de que possa surgir uma oposição de verdade no Brasil, capaz de estabelecer propostas sólidas e alternativas, bem como cobranças mais fortes em relação à situação, algo que já significaria grande mudança no contexto político do país.

 *PS: ainda quanto ao caso Battisti, clique aqui para saber mais.