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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Estado como ídolo e como farsa


Onde quer que existam representantes da velha esquerda, há também o argumento do “estado mínimo” como forma de desqualificar o pensamento liberal. Mais uma ideia tola comprada por tanta gente, até por quem não possui uma concepção assentada a respeito de política e economia. Segundo reza a cartilha anti-liberal, o estado mínimo significa um governo o mais ausente possível, talvez até inexistente, que larga o corpo civil ao léu e oferece larga margem para a competição irrefreada, voraz e devoradora. Sinto informar, mas o tal do estado mínimo é típico de muitos países africanos, do Haiti ou de Bangladesh, lugares nos quais qualquer tipo de economia capitalista está absolutamente fora de contexto. Um detalhe que poderia já encerrar a discussão é o simples fato de que a síntese final de Marx é a abolição do estado. Mas vamos além, já que os marxistas de leitura rasteira perderam esse exato detalhe...
Em seu livro Adam Smith em Pequim, o sociólogo e economista italiano Giovanni Arrighi, em relação ao qual guardo inúmeras divergências a respeito da história econômica pós-1945 e do atual mundo globalizado, ofereceu, devo admitir, - faço isso sem o menor esforço - uma interpretação absolutamente original do pensamento de Smith. Se por um lado Arrighi ainda carrega certos dogmatismos, por outro, foi capaz de se despojar do lugar-comum que quase sempre reduz as teses smithsonianas à manjada “mão-invisível” que auto-regula o mercado. Arrighi, infelizmente, não chega a ter uma opinião positiva sobre o liberalismo, mas sua obra pode ajudar a acabar com um mal-entendido: nenhum liberal clássico, da escola de Hume, Locke, Tocqueville e do próprio Smith, despreza as importantes funções que devem ser da responsabilidade do estado. Um liberal dessa linha jamais afirmou que o estado não pode atuar como fiscalizador das leis do mercado, acredita - e isso não invalida a primeira asserção - que o estado não é o promotor do desenvolvimento, papel esse que cabe aos indivíduos e à sociedade a partir de um ajuste que maximize a igualdade das oportunidades e a valorização do mérito e da criatividade. Desse modo, observar o bom cumprimento das regras econômicas (qualquer capitalismo que se preze as possui) não entra de modo algum em contradição com a crença na iniciativa individual e privada como forma de promoção do desenvolvimento.
O liberalismo clássico crê ainda que a educação de base, a saúde e a segurança da população são incumbências das quais o estado não pode se eximir, ainda que tais serviços ocorram também fruto da atividade privada. Em qualquer nação desenvolvida o quadro observado é justamente esse, isto é, estado eficiente e cumpridor das atribuições de sua alçada própria, arranjo que inclusive e, evidentemente, possibilita um melhor funcionamento da máquina estatal, livre de interesses políticos, naturalmente conflitantes com o que é fundamentalmente público e que garante também, por consequência, uma melhor justiça. Definitivamente, o estado livre de funções que não são as suas, ou seja, tudo que foge ao gerenciamento das leis, do preparo básico do cidadão e da garantia de suas perfeitas condições de saúde e segurança, nada tem a ver com um estado de abandono, muito pelo contrário, pois se traduz na pedra de toque de um estado que atua melhor em prol do corpo civil.
No Brasil, onde a velha esquerda já deitou raízes, as privatizações são invariavelmente associadas ao roubo do “patrimônio público”. Não passa em momento algum pela cabeça dos anti-liberais que muitas de suas próprias bandeiras estarão mais em pauta exatamente se o estado estiver isento de fardos que não são os dele. Também escapa aos estatólatras vítimas do paternalismo a trivialidade matemática: empresas privadas pagam imposto ao estado e engordam seus cofres. E atente-se para a abundância faraônica da carga tributária brasileira...
A Cidade do Samba pegou fogo, escolas tiveram seu carnaval posto em prejuízo. Tudo bem que para os envolvidos com a folia seja algo gravíssimo, mas é verdade também tratar-se de uma coisa sem a menor importância para tantos outros. Seria perfeitamente normal a contribuição de empresas privadas no intuito de salvar o divertimento dos foliões e o desfile das escolas afetadas pelo incêndio. Nem um pouco normal, no entanto, uma afronta das mais absurdas eu diria, o poder público carioca fornecer verbas do contribuinte, inclusos aqueles que abominam samba e carnaval, para ajudar essas mesmas escolas, instituições particulares.
O brasileiro comum é bobo e estatólatra, paradoxalmente, não irá ver nenhum mal no estado que ele tanto julga como benfeitor dar dinheiro arrecadado a partir do trabalho e do esforço do cidadão para escolas de samba, ao invés de empregá-lo em educação, saúde e segurança, ou mesmo em causas nobres como a proteção animal, no fundo, também uma questão relacionada com convívio social.  A função do estado no Brasil é fazer festa com dinheiro público; nas próximas eleições, como já vem sendo há um bom tempo, ao político que quiser ser eleito bastará grana para o marketing e um discurso que erija o estado como ídolo, bem ao gosto da velha esquerda.

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