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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Comoção, explicação sociológica e racionalidade do combate à violência


Uma tragédia macabra no Rio de Janeiro. Um episódio revoltante, bizarro, estarrecedor e incomum no Brasil. Tudo isso é verdade e a repercussão que o caso vem tendo não deixa de ser compreensível, mas é verdade também que muitas reações suscitadas pelo ataque de um maníaco fogem ao cerne da questão e geram um sensacionalismo patético, a começar por setores da imprensa que, já não é de hoje, se alimentam da desgraça.
O brasileiro tem um gosto quase genético em querer formular teorias que acabam se tornando mirabolantes quando utilizadas na explicação de acontecimentos que não se encaixam em esquemas sociologizantes. O que ocorreu na escola do Rio de Janeiro foi uma fatalidade que não poderia ter ser sido evitada. Caso típico no qual não cabe imputar falha ou responsabilidade a ninguém, nem mesmo sobre os colegas que supostamente submeteram Wellington Menezes de Oliveira a humilhações - o chamado bullying - num passado já distante, pois não se trata de culpa direta, nem de algo que determina necessariamente a produção de assassinos psicóticos.
Há aqueles que têm se aproveitado do caso para levantar temas como falta de segurança nos estabelecimentos de ensino, desvalorização do professor e da escola, perda de valores na sociedade atual e até mesmo irreligiosidade, desprezando completamente o fato de que a carta deixada pelo atirador antes do massacre contém forte teor religioso. Nada disso se aplica, uma vez que a tragédia tem muito mais a ver com uma patologia do indivíduo do que com qualquer fator de ordem social, embora seja possível estudar distúrbios mentais a partir de uma abordagem sociológica, porém, não é o que fazem os sensacionalistas. Nenhuma medida de segurança, por mais planejada e bem implantada que seja, é capaz de excluir a possibilidade de topar com um lunático a fim de matar quem estiver na sua frente. Não à toa, esse tipo de crime já aconteceu várias vezes em países cuja segurança é considerada muito boa.
Wellington escolheu um cenário óbvio para sua ação, uma vez que foi ex-aluno do colégio, ambiente que lhe provocava ressentimentos e atormentações. A escola, como local onde crianças e jovens se encontram para estudar e onde supõe-se que a chance de algo ruim acontecer é pequena, contribuiu para despertar comoção e revolta ainda maiores. Pode-se questionar o fato de um ex-aluno ter aparecido sem mais nem menos no local e adentrado o mesmo sem que ninguém tomasse satisfação junto a ele, contudo, de nada adiantaria. O assassino iria matar de qualquer jeito, se não fosse ontem, se não fosse no próprio colégio, seria em outro dia, em outro lugar. Alguém, independente de quem fosse, seria fatalmente vitimado pela fúria de Wellington, tipo de sujeito que não consegue suportar nem a si nem à realidade, que não sente emoção nenhuma diante do sofrimento alheio, diante da morte, que não possui freio algum perante os interditos reconhecidos por uma pessoa normal. Não vou entrar em discussões jurídicas, em relação às quais sou leigo, a respeito da inimputabilidade de um criminoso que, ao que tudo indica, sofria de perturbações mentais. O assassino está morto, melhor assim.
O episódio impressiona pela violência incomum, mas a violência corriqueira que faz parte do cotidiano do brasileiro torna muitas pessoas coniventes com atos agressivos menos impactantes, mas que produzem males maiores e mais recorrentes do que se observou em Realengo. A violência no Brasil registra números que remetem às guerras civis, nosso trânsito é o mais violento do mundo, seja pelos próprios acidentes, pelas brigas que se sucedem a eles, ou até mesmo sem eles. Há ainda a violência antropológica, aquela das facções uniformizadas nos estádios de futebol, a violência psicológica, resultado do já citado bullying, ou do assédio moral, a violência sexual ou contra a mulher em geral, a violência dentro das salas de aula na relação professor-aluno. A indignação contra essas violências do cotidiano é absolutamente tênue se comparada à que se observa quando da ocorrência de episódios mais impressionantes, bem como é difícil notar a ação das autoridades para coibí-las, aí sim de caráter propedêutico e passível de ser empreendida.
Em geral, as vítimas da violência são apenas números, exceto evidentemente para quem é próximo a elas. Sendo assim, o combate deveria focar no aspecto quantitativo, pois se estaria contribuindo para a diminuição do número das vítimas. É, nesse sentido, um utilitarismo válido, mas por um paradoxo da psique humana, as vozes costumam se ouvir de modo mais forte quando o crime assume brutalidade maior, nem sempre gerando tantas vítimas, até porque são crimes mais raros e pontuais. Em todo caso, parece se esquecer que vítimas são "apenas" vítimas, independente do crime, ainda que a punição deva ser mais acentuada conforme o tipo de crime. Além disso, combate é uma coisa, punição é outra, sendo que uma maior atenção à prevenção, quando pertinente, gera resultados bem melhores do que comoções compreensíveis, todavia inúteis e esquecidas relativamente rápido, ou tentativas mirabolantes e empoladas de explicar sociologicamente o que é da alçada das ciências da mente.

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