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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Semiologia de folhetim... ou seria de botequim?


Novela agora virou produto cultural de qualidade. Tal é a opinião do linguista e musicólogo (na verdade, ele é "emepebeólogo", mas quem sou eu para colocar isso em discussão se basta um barquinho a navegar e um céu azul para tornar cult certo tipo de música...?) Luiz Tatit. Segundo ele, a novela é dotada de conteúdo semiológico e quem a critica é por quem não a assiste, isto é, uma questão de puro preconceito.
Estaria Tatit versando sobre as grandes produções novelísticas dos anos 1970 e 1980, defendendo a contribuição cultural legada por obras como O Bem Amado, O Rebu, Dancin´ Days, Roque Santeiro, Vale Tudo, Tieta, Que Rei sou Eu, Vamp ou A Próxima Vítima, estas duas última exibidas já nos anos 1990? Não, não mesmo, pois na entrevista dada à Folha de São Paulo na semana passada, o alvo de suas reverências era Avenida Brasil, cujos momentos derradeiros, que praticamente paralisaram o Brasil, se davam naqueles dias.
Há algum tempo já não é segredo para ninguém que seja dotado de um pouco mais de percepção verificar que as novelas transmitidas atualmente são feitas para agradar a um público massificado, assim como ora se encontra a própria sociedade brasileira. A semiologia nada mais é do que isso, ou seja, o conjunto de referenciais simbólicos capaz de direcionar e inserir uma manifestação cultural no seio de uma determinada cultura, permitindo que os sujeitos sociais identifiquem, em maior ou menor grau (quanto mais grosseira a semiologia, mais facilmente assimilável ela se torna perante sociedades massificadas) a relação desses referenciais com suas experiências coletivas e individuais. Assim sendo, as referências semiológicas afetam os sentidos e as ideias dos sujeitos por uma relação cultural direta, quando os referenciais dizem respeito ao próprio espaço-tempo no qual tais sujeitos vivem, ou indiretamente, sempre que os referenciais ganham caráter universal e transcendem os limites espaço-temporais. Às manifestações culturais que se encaixam nessa segunda relação semiológica, costuma-se dar o nome de "clássicos". A partir desse entendimento, fica evidente que toda manifestação cultural precisa ser dotada de uma bagagem semiológica, do contrário, se tornaria impossível de ser entendida e assimilada por quem quer que seja. O Barroco do Padre Antônio Vieira, o Dadaísmo e o Jazz, para falarmos em manifestações com bom grau de hermetismo, possuem suas semiologias, não somente as novelas. Não basta discutir a semiologia enquanto conceito puro, já que aquilo que diferencia as manifestações culturais é seu conteúdo, uma constatação absolutamente trivial, ou que pelo menos deveria ser... Se alguém estiver interessado, como Tatit, em tecer loas a manifestações culturais como Avenida Brasil, certamente não será lançando mão de discursos supostamente doutos que irá conseguí-lo. Vá alguém dizer ao povo que a novela é assistida porque traz conteúdo semiológico e será mandado para aquele lugar...
No que diz respeito aos clássicos, quase não se faz necessário lembrar que adquirem essa condição porque a bagagem de referenciais semiológicos da qual são dotados é tão sublime e tão profundamente humana, que atravessam eras a fio, independentemente de aspectos culturais mais específicos, dessa forma, passam a fazer parte de um pattern cultural universal. Assim é com o teatro grego, com a literatura de um Dante, com a dramaturgia de um Shakespeare ou com a prosa de um Machado de Assis. Será que nesse rol podemos incluir, sem grande risco de cair no ridículo, os folhetins novelísticos mais recentes?! Façam suas apostas...
Considerando a decadência cultural e a vulgarização pela qual passam sociedades massificadas como a brasileira, é bastante fácil entender o sucesso de um lixo como Avenida Brasil. A semiologia que dali se extrai é a legitimação do jeitinho, da falta de caráter, dos interesses mesquinhos, da promiscuidade, da vingança e da total ausência de qualquer valor de interioridade humana. É essa a "clara semiologia das novelas" que enxerga e defende Tatit. Tudo que vai no sentido oposto a esses desvalores, tem pouquíssima chance de encontrar terreno fértil em sociedades permeadas pela ignorância e, na visão de "progressistas" como Tatit, criticar manifestações culturais de baixo calão é preconceito. Estranha a lógica dessas teorias, nascidas do ódio entre classes e da defesa da eliminação do que não se encaixa na marcha inexorável da transformação histórica. Ao mesmo tempo que dão vivas a um Novo Homem ideal despido de "reacionarismos", demonizam os progressos científicos e materiais proporcionados pelo capitalismo, recusam qualquer moralidade religiosa, mas são favoráveis ao radicalismo islâmico, execram toda a cultura ocidental acusando-a de etnocêntrica, mas urram para defender as ditas "culturas tradicionais", caracterizadas pelo mais acentuado etnocentrismo, apontam a "burguesia" como alienada, mas adjetivam de preconceituosa a crítica à massificação. A semiologia do esquerdismo é a mais sui generis de todas, baseada em uma verdadeira salada de conceitos e em uma manipulação espaço-temporal que fariam Marx pensar desesperadamente: "escrevi durante mais de quarenta anos para dar nisso!" Não há registro algum de que Marx fizesse uso de cannabis, contudo, se pudesse fazê-lo e depois efetuasse a leitura de alguma resenha universitária do Manifesto Comunista, talvez estivesse apto a decifrar a semiologia esquerdista de botequim...

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