Novela agora virou produto cultural de qualidade. Tal é a opinião do linguista e musicólogo (na verdade, ele é "emepebeólogo", mas quem sou eu para colocar isso em discussão se basta um barquinho a navegar e um céu azul para tornar cult certo tipo de música...?) Luiz Tatit. Segundo ele, a novela é dotada de conteúdo semiológico e quem a critica é por quem não a assiste, isto é, uma questão de puro preconceito.
Estaria Tatit versando sobre as grandes produções novelísticas dos anos 1970 e 1980, defendendo a contribuição cultural legada por obras como O Bem Amado, O Rebu, Dancin´ Days, Roque Santeiro, Vale Tudo, Tieta, Que Rei sou Eu, Vamp ou A Próxima Vítima, estas duas última exibidas já nos anos 1990? Não, não mesmo, pois na entrevista dada à Folha de São Paulo na semana passada, o alvo de suas reverências era Avenida Brasil, cujos momentos derradeiros, que praticamente paralisaram o Brasil, se davam naqueles dias.
Há algum tempo já não é segredo para ninguém que seja dotado de um pouco mais de percepção verificar que as novelas transmitidas atualmente são feitas para agradar a um público massificado, assim como ora se encontra a própria sociedade brasileira. A semiologia nada mais é do que isso, ou seja, o conjunto de referenciais simbólicos capaz de direcionar e inserir uma manifestação cultural no seio de uma determinada cultura, permitindo que os sujeitos sociais identifiquem, em maior ou menor grau (quanto mais grosseira a semiologia, mais facilmente assimilável ela se torna perante sociedades massificadas) a relação desses referenciais com suas experiências coletivas e individuais. Assim sendo, as referências semiológicas afetam os sentidos e as ideias dos sujeitos por uma relação cultural direta, quando os referenciais dizem respeito ao próprio espaço-tempo no qual tais sujeitos vivem, ou indiretamente, sempre que os referenciais ganham caráter universal e transcendem os limites espaço-temporais. Às manifestações culturais que se encaixam nessa segunda relação semiológica, costuma-se dar o nome de "clássicos". A partir desse entendimento, fica evidente que toda manifestação cultural precisa ser dotada de uma bagagem semiológica, do contrário, se tornaria impossível de ser entendida e assimilada por quem quer que seja. O Barroco do Padre Antônio Vieira, o Dadaísmo e o Jazz, para falarmos em manifestações com bom grau de hermetismo, possuem suas semiologias, não somente as novelas. Não basta discutir a semiologia enquanto conceito puro, já que aquilo que diferencia as manifestações culturais é seu conteúdo, uma constatação absolutamente trivial, ou que pelo menos deveria ser... Se alguém estiver interessado, como Tatit, em tecer loas a manifestações culturais como Avenida Brasil, certamente não será lançando mão de discursos supostamente doutos que irá conseguí-lo. Vá alguém dizer ao povo que a novela é assistida porque traz conteúdo semiológico e será mandado para aquele lugar...
No que diz respeito aos clássicos, quase não se faz necessário lembrar que adquirem essa condição porque a bagagem de referenciais semiológicos da qual são dotados é tão sublime e tão profundamente humana, que atravessam eras a fio, independentemente de aspectos culturais mais específicos, dessa forma, passam a fazer parte de um pattern cultural universal. Assim é com o teatro grego, com a literatura de um Dante, com a dramaturgia de um Shakespeare ou com a prosa de um Machado de Assis. Será que nesse rol podemos incluir, sem grande risco de cair no ridículo, os folhetins novelísticos mais recentes?! Façam suas apostas...
No que diz respeito aos clássicos, quase não se faz necessário lembrar que adquirem essa condição porque a bagagem de referenciais semiológicos da qual são dotados é tão sublime e tão profundamente humana, que atravessam eras a fio, independentemente de aspectos culturais mais específicos, dessa forma, passam a fazer parte de um pattern cultural universal. Assim é com o teatro grego, com a literatura de um Dante, com a dramaturgia de um Shakespeare ou com a prosa de um Machado de Assis. Será que nesse rol podemos incluir, sem grande risco de cair no ridículo, os folhetins novelísticos mais recentes?! Façam suas apostas...
Considerando a decadência cultural e a vulgarização pela qual passam sociedades massificadas como a brasileira, é bastante fácil entender o sucesso de um lixo como Avenida Brasil. A semiologia que dali se extrai é a legitimação do jeitinho, da falta de caráter, dos interesses mesquinhos, da promiscuidade, da vingança e da total ausência de qualquer valor de interioridade humana. É essa a "clara semiologia das novelas" que enxerga e defende Tatit. Tudo que vai no sentido oposto a esses desvalores, tem pouquíssima chance de encontrar terreno fértil em sociedades permeadas pela ignorância e, na visão de "progressistas" como Tatit, criticar manifestações culturais de baixo calão é preconceito. Estranha a lógica dessas teorias, nascidas do ódio entre classes e da defesa da eliminação do que não se encaixa na marcha inexorável da transformação histórica. Ao mesmo tempo que dão vivas a um Novo Homem ideal despido de "reacionarismos", demonizam os progressos científicos e materiais proporcionados pelo capitalismo, recusam qualquer moralidade religiosa, mas são favoráveis ao radicalismo islâmico, execram toda a cultura ocidental acusando-a de etnocêntrica, mas urram para defender as ditas "culturas tradicionais", caracterizadas pelo mais acentuado etnocentrismo, apontam a "burguesia" como alienada, mas adjetivam de preconceituosa a crítica à massificação. A semiologia do esquerdismo é a mais sui generis de todas, baseada em uma verdadeira salada de conceitos e em uma manipulação espaço-temporal que fariam Marx pensar desesperadamente: "escrevi durante mais de quarenta anos para dar nisso!" Não há registro algum de que Marx fizesse uso de cannabis, contudo, se pudesse fazê-lo e depois efetuasse a leitura de alguma resenha universitária do Manifesto Comunista, talvez estivesse apto a decifrar a semiologia esquerdista de botequim...
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