Quando eu era criança, escutava em casa conversas sobre o esquerdismo em geral e o PT especificamente que, àquela altura, já representava o leitmotiv da esquerda no Brasil. É claro que, sendo bastante novo, eu ainda não podia, nem de longe, estabelecer um quadro explicativo definitivo a respeito da questão. De todo modo, aquilo jamais deixou de fazer parte dos meus pensamentos, o que foi de utilidade cabal para meu futuro. Nos anos subsequentes, o mundo assistiu ao colapso da URSS e, antecipando as frias - e a-históricas - previsões de Francis Fukuyama, comentadores diversos davam como certo que não só um regime político e econômico localizado no tempo e no espaço havia ruído, mas também a ideia central que lhe servia como pedra de toque. Aquilo soava como uma constatação perigosamente simples: governos que se fiavam em premissas falhas, mais cedo ou mais tarde encontrariam seu fim, o que é correto, mas o que garantiria que as diretrizes teóricas terminariam junto?
Na escola, eu sempre me deparava com análises que pintavam quadro contrário ao que havia sido proclamado quase como um elemento do senso comum. Ao invés de consolidarem o sepultamento do comunismo, professores e livros didáticos promoviam descrições altamente enaltecedoras do pensamento de Marx e da doutrina por ele teorizada, ao passo que todas as mazelas do mundo eram colocadas na conta do capitalismo. Havia nisso, no mínimo, uma grande contradição.
Constantemente, eu me punha a comparar o que ouvia - e continuava ouvindo - desde criança com o mote que caracterizava o ensino escolar. Nesse momento, eu já era adolescente e possuía instrumental um pouco mais desenvolvido mas, mesmo assim, criava-se uma confusão em minha mente. Alguém havia errado, ou foram as pessoas que me transmitiram a educação no sentido moral do termo e cuja formação se deu em tempos nos quais o ensino, amplamente entendido, era muito melhor no Brasil, ou o equívoco estava bem ali, diante de mim, materializado em meus professores e nos livros didáticos que utilizávamos. Períodos de inquietação nos quais indaguei a mim mesmo se havia possibilidade de haver acerto em uma teoria que prega a violência e a eliminação de setores da sociedade, a completa submissão do indivíduo ao Estado e à marcha de uma história pré-estabelecida, além de inúmeras contradições internas, foram incontáveis. Moral e filosoficamente, porém, cada vez mais eu me aproximava da certeza de que não existia a mínima chance daquilo estar correto.
No Brasil da década de 1990, a social-democracia triunfou e logrou grande êxito ao colocar a economia do país no rumo certo, o que garantiu a FHC duas vitórias seguidas na corrida presidencial, ainda assim, no âmbito da cultura, a propaganda comunista se tornou ainda mais intensa na virada para o século XXI (já escrevi a respeito aqui: http://aristaire.blogspot.co.id/2012/10/pt-e-psdb-iguais-no-discurso-diferentes.html). No curso pré-vestibular e na faculdade de História, me deparei não só com o enaltecimento das ideias de Marx e com a demonização do capitalismo, mas com discursos absolutamente panfletários e enfurecidos a favor do esquerdismo. Em tais ambientes, como em uma pequena amostra da sociedade comunista, - o que ficou ainda mais nítido para mim - o patrulhamento ideológico e a completa eliminação do dissenso dão a tônica. Tanto o desconhecimento, como o corte seletivo de tudo aquilo que reduz Marx a pó são comuns nessas cátedras do pensamento único, o que obrigatoriamente leva os discordantes a terem que percorrer um trajeto completamente diferente (e cem por cento confidencial) daquele que é ditado. Internamente, eu continuava confrontando o esquerdismo com o que havia aprendido desde tempos àquela altura já remotos, somando a isso novos conhecimentos adquiridos em buscas autônomas por autores e ideias que se opunham às de Marx. Foi bastante interessante ter notado que os próprios esquerdistas, embora suas práticas os desmentissem, não usavam com recorrência o termo "comunismo", a não ser de maneira romantizada, tampouco admitiam que os retumbantes fracassos do comunismo fossem decorrentes das falhas desse paradigma. Também curioso era observar que aqueles que não se julgavam alinhados com Marx se revelavam incapazes de propor uma crítica contundente ao esquerdismo, deficiência visível sempre que, de acordo com esses, a denúncia aberta do comunismo era uma "paranoia", "coisa de quem ainda não sabia que o Muro de Berlim havia caído há muito". Sem sabê-lo, os não-marxistas davam combustível à esquerda, que havia ressuscitado Gramsci e descoberto que a melhor e mais eficaz tática para a tomada completa do poder se faz nos recônditos do sistema, no sequestro paulatino das mentes, por meio da destruição da cultura, do sistema de ensino e da ocupação de espaço nas diversas esferas da sociedade. Ficou óbvio para mim que a estratégia comunista, uma vez desmascarada sua perfídia, batia perfeitamente com as descrições que tive na infância e com os pensamentos dos autores que, em parte por sorte, em parte por impulso próprio, pude tomar contato. O próprio ambiente o qual eu frequentava, contribuía ainda mais para concluir que não bastava a queda de um regime no tempo-espaço, fato comum na história, mas que a verdadeira força que move os homens, para o mal, inclusive, está no imaginário, no campo das ideias e mentalidades. O comunismo não só não estava morto, como aumentava sua força a cada dia.
Na campanha presidencial de 2002 o PT adaptou o discurso às circunstâncias e à conjuntura a fim de conquistar o apoio de parcelas da sociedade que até então eram indiferentes às suas bandeiras, mas a essência não havia mudado, pelo contrário, era a mesma de qualquer partido de esquerda. Para aqueles que haviam se debruçado sobre a história das ideias políticas, os mesmos que em mais de duas décadas de existência do PT - àquela altura - sempre se dispuseram à árdua e importante tarefa de desnudar as verdadeiras intenções de tal grupamento político, era evidente que a chegada de Lula à presidência da República acarretaria consequências gravíssimas para o futuro da nação. Iludida pela maciça propaganda cultural de esquerda, inebriada pela retórica da "justiça social" e do anticapitalismo, grande parte da população brasileira, a despeito dos avisos, deu a vitória para o líder sindical. Leal ao falso clima de "daqui para a frente o país encontrará o caminho da justiça e da prosperidade", espécie de redenção milagrosa que por isso mesmo já faz denotar seu caráter frágil e vazio, boa parte da imprensa e muitos analistas tolos saudaram a eleição da nefasta figura de Lula, como se seu passado parasítico, sua retórica enfadonha e suas ideias horrorosas não existissem. O que valia é que ele era um "homem do povo", "alguém que, por ter supostamente vivido certas agruras, conhecia os males a serem curados e os remédios certos para fazer alcançar o paraíso"... Para os que não foram ouvidos, os que realmente sempre estiveram certos, a questão ia muito além do tempo curto dos atos políticos cotidianos, pois o alicerce do monstro que havia sido imprudentemente libertado repousava na própria natureza da ideia, tocava em temas morais, filosóficos e respondia pela história e pelas tentativas de aplicação de uma teoria que, invariavelmente, conduziu à tragédia. O PT não se degenerou, o PT é uma aberração política e filosófica desde sua essência, desde seu surgimento.
A situação que estamos vivendo no Brasil de hoje não me surpreende, não me causa espanto, pelo contrário, é o resultado inexorável do comunismo, - sistema que não produz outra coisa senão a desigualdade política, facilmente observável em função do enfraquecimento da sociedade civil diante dos poderes corruptos e cada vez mais autoritários do Estado e do aparelhamento das instituições - a miséria econômica, escancarada nos mais diversos indicadores, e a falência da moral e da ética, comprovada pelo domínio da incultura e pela ausência de valores que perpassa vastos segmentos populacionais, independentemente de fatores como classe ou origem étnica.
O Mensalão foi o sinal que deveria ter sido suficiente para que a sociedade brasileira acordasse diante da besta que lhe tomava de assalto, todavia, as armas da propaganda, do assistencialismo e a própria cultura sequestrada pela estratégia gramsciana se mostraram mais fortes do que qualquer evidência, por mais explícita que fosse. Como tão bem mostrou Czeslaw Milosz, mentes cativas não são facilmente recuperadas. Foram concedidos mais beneplácitos ao petismo e o que tivemos depois disso, os tantos outros escândalos e crimes cometidos contra o cidadão e contra as instituições, fazem parte do mesmo objetivo, isto é, a perpetuação no poder e sua concentração cada vez mais intensa nas mãos da organização criminosa. Ao invés de cortar o mal pela raiz sem lhe dar chance de sobrevivência, preferiu-se o método do sangramento lento, escolha de quem jamais conheceu a essência do esquerdismo ou de quem considerava positivo mantê-lo vivo...
Se, como discuti aqui (http://aristaire.blogspot.in/2015/10/um-partido-em-migalhas.html), o caos ao qual fomos conduzidos pelo PT ora se mostra de modo tão escancarado que já não é possível negá-lo sem cair no extremo do ridículo ou sem que rapidamente se revelem interesses escusos por parte de quem nega, fez com que crescesse o antagonismo, com contingentes populacionais que já não mais veem paranoia na acusação de comunismo contra o partido da presidência, a ação demandada na luta a que somos chamados ainda se mostra muitíssimo abaixo do necessário. O impeachment, momentaneamente enfraquecido por um STF aparelhado e caído de joelhos frente ao poder emanado do arcabouço de poder petista, caso se confirme, poderá ter importante significado simbólico, fazendo com que mais gente abra os olhos, tanto para a situação do país, como para a compreensão da verdadeira natureza maléfica do petismo e do esquerdismo, mas não será suficiente para reverter o quadro de apodrecimento institucional, nem para sanar a máquina pública dos vermes que dela se apoderaram de maneira estrutural. Para que o Brasil passe a percorrer a trilha do capitalismo liberal e do governo republicano, será necessário muito mais...